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Arrastei-me com relutância para a porta, onde dois homens estavam à nossa espera. Escoltaram-nos até à BMW preta que nos levaria a St George Abbey.
Estava um ar húmido e sentia o frio penetrar-me até aos ossos.
Não consegui acalmar o tremor nem mesmo dentro da cabina aquecida do carro.
Meia hora depois estávamos em frente a um edifício de pedra muito velho. Acompanharam-me a uma porta secundaria que conduzia a uma escada. Fiquei curiosa quanto ao piso inferior, imerso na escuridão, do qual se ouvia o som da água que corria. Tentei aproximar-me, mas o padre Dominick empurrou-me para subir ao piso superior.
Olhei-o desconfiada e ele explicou-me brevemente: «Velha cripta em desuso».
Percorremos um longo corredor antes de chegar a uma porta.
Os dois homens pararam.
«Este é o escritório do abade Kirk, membro da Ordem. Entrem. Nós ficaremos aqui de guarda» disse o mais alto, posando a mão sobre o coldre da sua arma, que eu nem tinha notado antes.
Em vez de tranquilizar-me, aquele gesto fez-me entrar em pânico.
Até ali não me tinha dado conta do quanto pudesse estar em perigo.
Entrei naquela majestosa sala com o coração que me batia ferozmente no peito.
No interior estavam cinco homens.
Da roupa, percebi imediatamente que, o que estava sentado na grande secretária, que ocupava quase toda a sala, era o cardeal Siringer. À sua esquerda estava o padre August, que me cumprimentou apenas com um aceno de cabeça e, perto dele estava a enorme figura de um homem grisalho, que o olhava de um modo mais que insistente. Posteriormente, foi-me explicado que se tratava do abade Kirk.
À direita do cardeal estavam outros dois homens musculados e robustos, idênticos àqueles que nos acompanharam até ali.
Depois das diversas formalidades, o cardeal dirigiu-me o seu olhar cinzento serpentino e com uma voz ácida e fria, como a temperatura daquela sala, disse-me: «E assim, és tu a famosa Vera Campbell em carne e osso... Espero que te dês conta da situação».
«Na verdade, eu...».
Não tinha a mais pequena ideia do que estava a acontecer, mas o cardeal já se tinha voltado para a tia e o padre Dominick, para explicar-lhes a atual situação.
«O cardeal Montagnard foi morto com um golpe de pistola para despistar-nos, mas é óbvio que foram eles. Deve haver um espião entre nós... algum dos novos membros da Ordem, suponho. Quem quer que tenha sido, deve ter dito ao grupo do Blake que estávamos na posse de uma arma para derrotá-lo e ao seu grupo de mercenários. Uma vez na posse desta informação, começaram a mexer-se a investigar. Alguns meses atrás, encontramos alguns membros da Ordem torturados e assassinados, mas nenhum de nós pensou em algo do género, até que as fontes secretas do padre August contaram-nos o que tinha acontecido. Ao que parece estavam convencidos que esta arma era um objeto e começaram a procurar no interior das nossas sedes, mas sem resultados, até que alguém mencionou o nome do cardeal Montagnard, como o guardador de tal segredo. Só o Blake seria capaz de usar entrar em terra consagrada devido aos seus grandes poderes, mas nunca pensei que chegaria a tal ponto. Provavelmente descobriu que esta arma era indicada principalmente contra ele, por isso tentou destruí-la de todas as formas. Quando encontrou o cardeal deve ter descoberto que este instrumento era uma pessoa e não um objeto. Infelizmente, ninguém viu ou ouviu nada para além do disparo, o seu escritório e as suas salas privadas estavam organizadas, por isso partimos do princípio de que o cardeal Montagnard tenha falado».
«Não acredito. O cardeal Montagnard nunca iria colocar a vida da Vera em perigo» interrompeu-o a tia com a máxima indignação.
«Lamento dizê-lo, mas o cardeal tem que ter confessado, uma vez que esta noite Blake e os outros invadiram a quinta que vos tínhamos concedido para esta missão» revelou o cardeal Siringer com uma voz estrondosa que não admitia replicas.
«O Ahmed!» gritei temendo o pior para aquele que considerava como parte da minha família.
«Não te preocupes. Ele também está em Dublin, neste momento. Esta manhã, as minhas fontes informaram-me que reservou o voo para a Tunísia, previsto para esta tarde. Coloquei um homem nosso a protegê-lo» assegurou-me sem, contudo, suavizar o seu tom de voz.
Agradeci-lhe.
Depois, voltamos ao assunto anterior.
O cardeal Siringer tranquilizou-se e revelou-nos a última descoberta.
«Não sabemos como aconteceu, mas desapareceu toda a documentação acerca da Vera e das suas origens. Alguns dias antes, o cardeal Montagnard contou-me que tinha feito uma descoberta extraordinária que colocaria todos os trunfos da nossa parte.
Tínhamos marcado um encontro para a semana seguinte para falarmos disso pessoalmente. De qualquer forma, o cardeal antes de morrer, conseguiu escrever um bilhete que está a ser analisado neste momento. Acreditamos que esconde uma mensagem em código ou uma indicação particular, mas até agora não foi possível descobrir nada.
«O que dizia a mensagem?» perguntou a tia triste.
«Estava escrito exatamente isto: O amor gera novo amor. Só isto pode salvar da condenação».
Olhamo-nos todos um pouco atordoados.
Com todas as coisas que podia escrever nos últimos instantes de vida, escolheu uma frase bastante óbvia. Era um típico ensinamento de catequese. Lembrava-me tanto os ensinamentos do padre Dominick. Ele dizia-mo frequentemente.
«Mais nada?» tentou perguntar a tia.
«Não, com exceção a alguns papéis relacionados com árvores genealógicas de famílias de origem humilde que trabalhavam na mina, que ressaem a quatrocentos anos atrás».
Entre eles caiu o silêncio, mas antes que o cardeal abrisse novamente a boca, quis aproveitar para clarear as ideias de uma vez por todas.
«Desculpe-me, mas quem são eles? Não posso acreditar que tudo isto esteja a acontecer por minha culpa» perguntei timidamente ao cardeal.
Este último ficou todo vermelho e lançou um olhar furioso à tia e ao padre Dominick.
«Não sabe de nada? Mas como puderam esconder-lhe que existe um grupo de vampiros que está a revirar a cidade à procura dela para matá-la!».
Vampiros? Talvez percebi mal, mas não usei repetir aquela palavra para não ser ridicularizada.
«Um grupo de?» perguntei novamente, procurando o olhar da tia, que teimava em fixar a ponta dos seus pés com um ar culpado.
«Vampiros! Tens presente aqueles homens que rejeitam a graça divina para ressuscitar e nutrir-se de sangue humano?» gozou o cardeal, ao ver a minha expressão mista de descrença e medo.
Naquele momento, tentei lembrar-me de todos os vampiros que tinha visto na minha vida na televisão, mas não me vinha à mente nada a não ser um desenho animado que eu via aos sete anos, no qual o protagonista era um fantoche vampiro covarde, mas com um coração bom.
Duvidava que os vampiros de que me falava o cardeal fossem semelhantes ao fantoche.
«Não sabia que existiam realmente» gaguejei.
«Ninguém o sabe, porque a Ordem da Cruz Ensanguentada tem precisamente o dever de manter escondida esta realidade. Todavia existem e como! É muito difícil encontrá-los porque podem transformar-se noutras criaturas e têm uma força sobrenatural. É impossível matar ou capturar um deles, sem primeiro enfraquecê-lo com água benta ou prata...».
«Mas então para que servem as armas que tinham os dois homens que nos acompanharam até aqui?» perguntei.
«Os nossos guardas possuem armas muito especiais, carregadas com projéteis de prata pura» explicou-me orgulhoso.
«E depois?».
«Depois queimamo-los».
«E este Blake, porque é considerado tão perigoso?».
«Porque ele é diferente de todos os outros. Ele é o único vampiro imune à prata ou a outra coisa qualquer, mas o cardeal Montagnard descobriu que em ti existe a arma capaz de o derrotar. Ele é a fonte dos nossos problemas, porque por cada vampiro queimado, ele transforma em vampiros outros dois... é muito bom nisto porque consegue controlar-se quando se alimenta, deixando assim as vítimas suspensas entre a vida e a morte, até cederem ao vampirismo e, muitas vezes, depois decidem segui-lo, ainda que geralmente os vampiros sejam criaturas solitárias e não gostem de ligações com outros senão por breves períodos».
«Mas porque me quer logo a mim?» insisti com força.
«Esse é o verdadeiro segredo que o cardeal Montagnard levou para o túmulo. Sei apenas que és especial por causa do teu sangue. Acreditas realmente que te manteria com aquela renda mensal por todos estes anos se não fosse por um motivo bem preciso? Ao que parece, a tua anemia torna-te única, mas creio que isto seja simplesmente devido ao facto que...» comentou o eclesiástico, mas antes de terminar a frase, ouviram-se disparos, do lado de fora da porta.
Assustamo-nos todos ao mesmo tempo, antes que os dois homens arrombassem a porta, gritando-nos de escapar.
«Como souberam que estavam aqui?» perguntou enlouquecido o abade, que tinha ficado em silêncio até agora.
«Não importa. Depressa, Matt, leva a Vera para os subterrâneos. Atravessem a cripta. Ali encontrarão uma pequena porta, onde podem enfiar-vos. Sigam o túnel que vai dar a uma escada, que vos levará ao interior de um edifício abandonado de Change Lane» ordenou de forma autoritária o cardeal a um dos dois homens à sua direita. Sem perder mais tempo, Matt agarrou-me pelo braço e levou-me para fora da sala, mas eu não tinha nenhuma intenção de abandonar a tia. Ela era toda a minha família e não queria deixá-la.
Tentei protestar, mas a minha voz foi abafada pelos gritos do padre August e pelas ordens do cardeal.
Também a tia procurou alcançar-me, mas foi impedida pelo cardeal em pessoa.
Por fim, gritei com todas as forças o nome da tia, procurando libertar-me do punho de ferro daquele homem.
«Ela pertence à Ordem e deve combater» disse-me Matt, tentando arrastar-me pelo corredor até às escadas, à direita.
Numa tentativa desesperada de rever a tia, que tinha ficado dentro do escritório do abade, voltei-me e vi pela primeira vez três homens encapuçados, que vinham do outro lado do corredor a correr na nossa direção. Mal chegaram à sala, tiraram o capuz.
Os três tinham os cabelos negros. Dois deles entraram imediatamente na sala, soltando um grito arrepiante e desumano, que me provocou calafrios por todo o corpo.
Ao invés, o terceiro homem parou e fixou-me. Por um instante, os nossos olhares se cruzaram.
Notei os seus olhos azuis, quase cor de gelo, que me penetravam como um animal perante a sua presa.
Senti-me atravessada por aquelas lâminas de gelo.
Permaneci por um instante maravilhada pelo seu rosto. Era jovem.
Não sei porquê, mas esperava um velho, não um rapaz que deveria ser da mesma idade do Kevin.
Tinha um rosto muito belo, com exceção da expressão dura e ameaçadora. O meu olhar posou brevemente sobre a sua boca e li neles: «É ela».
Não consegui decifrar mais nada, porque tropecei pelas escadas.
Felizmente, o Matt segurou-me firmemente e agarrou-me para eu não cair.
Corremos rapidamente pelas escadas abaixo, até chegar à cripta escura.
Não via quase nada, mas o Matt continuava a correr, até chegar a uma zona um pouco mais iluminada.
Aos poucos, os meus olhos habituaram-se àquela escuridão.
O chão estava todo molhado e molhei os sapatos.
A dada altura, o homem parou, olhando com atenção em redor.
«O Blake está perto. Consigo senti-lo».
Não ouvia nada, mas assustei-me na mesma quando vi que tirou a arma do coldre.
Olhei à volta, mas não vi nada. Estava demasiado escuro.
De repente, vislumbrei uma sombra cair sobre o Matt.
Era o homem com os olhos azuis. Um vampiro.
Matt apontou-lhe a arma e disparou, mas este deu-lhe um golpe veloz e potente contra a mão, que o fez perder a arma e o projétil disparou no escuro.
«Foge!» gritou-me Matt, antes de defender-se de um novo ataque.
Não foi preciso repetir duas vezes, ainda que fosse de novo encantada pelo olhar daquele vampiro que me fixava de forma ameaçadora.
Sem perder tempo, corri rapidamente até ao fundo da cripta. Devia ser um lugar enorme.
Estava cansada, assustada e sozinha.
Por fim, cheguei à porta de que tinha falado o cardeal.
Tentei abri-la, mas estava bloqueada.
Dei cabo das minhas mãos ao tentar abri-la, mas não consegui fazê-lo, apesar dos meus esforços.
Não sabia o que fazer, assim, acabei por desistir e pôs-me à procura de um esconderijo alternativo.
Vi uma pequena sala escondida à minha esquerda e entrei.
Estava vazia, mas havia uma pequena cavidade, pouco visível, mesmo ao lado da entrada.
Decidi parar ali e esperar, agachada por terra. Esperava que o Matt me alcançasse em breve.
Já não sentia praticamente nenhum barulho.
Desejava voltar para junto da minha tia. Nunca me tinha afastado dela e não desejava certamente fazê-lo logo agora que estava em perigo. Estava também tremendamente preocupada com ela. Desejava com todo o meu coração que não lhe tivesse acontecido nada de mal.
Sem me aperceber, senti escorrer-me pela face duas grandes silenciosas lágrimas quentes.
Em breve, fui invadida por soluços e calafrios.
Tinha medo.
Queria voltar a casa, junto do Ahmed, com a tia e o padre Dominick.
Sentia-me sozinha e desesperada.
Tremia perante o pensamento que pudesse acontecer alguma coisa de mau a todos eles.
E a culpa era só minha.