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«A tua tia não está mais aqui. Toda a abadia foi evacuada há três horas atrás» explicou-me com calma.
«Para onde foram?» perguntei baixinho, transtornada pela ideia de ter sido abandonada.
«Não me interessa. Encontrei o que procurava».
Ignorei a sua alusão.
«Quero apenas saber se está bem».
«Acho que sim».
«Achas?»
«Quando fugiu com o cardeal, estava a sangrar do braço. Foi isto que me disseram» disse Blake apressado.
Por momentos, as pernas cederam de alívio ao saber que ainda estava viva, ainda que ferida.
Suspirei profundamente por um instante, mas foi preciso apenas uma fração de segundo para perceber que fiquei sozinha.
«Bem, vamos agora?» ele perguntou com um tom de voz que não aceitava certamente um não como resposta.
Não sabia mesmo o que fazer, mas por agora estava sozinha e a força do vampiro era claramente maior que a minha.
Ninguém viria proteger-me, nem mesmo o Matt.
«E o Matt?»
«Se por Matt queres dizer o homem que te escoltava, eu tratei dele»
«O que queres dizer com isso?» gaguejei recusando pensar que estava morto por minha culpa.
«Nada. Agora vamos».
«Mas eu...».
«Chega de perguntas. Trata de caminhar e depressa» ordenou, arrastando-me novamente para o alçapão aberto.
Senti o joelho latejar e estava exausta, mas não queria apoiar-me nele.
Subir a escada foi uma verdadeira tortura. O joelho continuava a esbarrar nos degraus. Além disso, começava a sentir o cansaço da corrida. Sabia que com os meus problemas de saúde, devia evitar demasiada atividade física, caso contrário, seria necessário tomar uma hemodose antes do habitual e, naquele caso, não fazia ideia como obtê-la.
Quando saí do alçapão, estava num edifício abandonado, com as paredes cheias de mofo e grandes janelas.
Lá fora já estava escuro e continuava a chover.
«Mas que horas são?» perguntei desorientada.
Quando entrei na abadia faltava pouco para o almoço e agora como é que já estava escuro?
Talvez houvesse um eclipse.
«São quase cinco»
«O quê? Mas como é possível?»
«Estiveste escondida naquele buraco com aquele gato nos braços a chorar e acabaste por adormecer. Dormiste por três horas antes de acordar. Nem te apercebeste da minha presença» explicou-me, fazendo-me corar de vergonha. Viu-me chorar, um luxo que não concedo nunca, com exceção de algumas ocasiões.
Só a tia me tinha visto chorar uma vez e isso me tinha deixado muito chateada na época.
Não deixava que ninguém visse as minhas fraquezas e agora senti-me perdida diante do olhar do Blake que me tinha visto naquele estado.
Provavelmente tinha também os olhos vermelhos e o rosto ainda pálido, como acontecia sempre depois de ter chorado.
«Quem sabe o monstro que eu estou agora?» desdramatizei.
«Não sei. É a primeira vez que vejo alguém chorar. Geralmente, as pessoas gritam e suplicam-me para que eu as poupe, não choram a pensar na tia ou na sua casa» respondeu-me olhando-me com um ar interrogativo.
«E tu como sabes isso?» perguntei-lhe tratando-o por tu.
«Falavas no sono. Continuavas a repetir tia, Ahmed, casa, quinta, vampiros. Também falaste no meu nome» informou-me, agarrando no seu telemóvel e enviando uma mensagem sabe-se lá a quem.
Sabia que falava enquanto dormia. A tia mo dizia sempre.
Foi sempre algo que me envergonhou e naquele momento fiquei ainda mais vermelha.
«Então, onde vamos?» perguntei-lhe para distraí-lo de mim, uma vez que começou a olhar-me curioso.
Esta pergunta fê-lo voltar a ficar sério.
«À minha casa».
«Onde?» voltei a perguntar estupefacta.
Blake não teve tempo de dizer mais nada, um clacson na estrada buzinou inesperadamente.
«São eles. Vamos» disse-me, voltando a agarrar-me pelo braço.
«Eles quem?»
«Vampiros, obviamente».
«Olha que para mim, um dá e chega. Não é preciso...» tentei fazê-lo mudar de ideias quanto a dar-me a comer aos seus amigos, mas ele soltou uma estrondosa gargalhada, que quebrou todas as minhas defesas.
Não podia acreditar. Tinha-o feito rir.
«Não tenho nenhuma intenção de partilhar-te com os meus amigos, se é isso que pensas» assegurou-me num tom de voz claro.
Levou-me à saída do edifício, avisando-me para não fazer cenas, uma vez lá fora.
«Os meus amigos não gostam de contratempos» aconselhou-me.
Obedeci.
Saímos. Estava a parar de chover.
Estávamos no centro da cidade, no meio de diversos passantes. Como é que ninguém se apercebia do perigo que corria ao passear tranquilamente pelas estradas de uma cidade apinhada de vampiros?
Deixei-me arrastar até um Ford azul, estacionado mesmo à nossa frente. Nos lugares de trás estavam duas pessoas, ou melhor vampiros. Ambos eram pálidos e loiros. O que ia ao volante era muito gordo e velho.
Tive muita vontade de correr pela estrada e afastar-me, mas a mão de Blake era muito forte.
«Nem tentes» disse-me. Será que conseguia ler o pensamento?
Num instante, Blake abriu a porta do carro e fez-me acomodar no banco detrás, sentando-se depois perto de mim.
Mal a porta se fechou, o condutor pôs o carro em andamento sem sequer pedir indicações acerca da direção, enquanto o outro vampiro ao seu lado começou a olhar-me fixamente.
Entretanto o carro partiu a toda a velocidade, fazendo-me balançar para a direita e para a esquerda, levando-me, a dada altura, a bater contra o braço do Blake, que acabou por tranquilizar-se com a minha instabilidade e decidiu abraçar-me contra ele.
Contudo, desta vez o seu aperto foi firme, mas delicado.
Encontrava-me com o rosto encostado à sua camisa, logo onde estava desabotoada.
Sempre tive um ótimo olfato e não podia não sentir o seu perfume, tão masculino e sensual.
Estava prestes a me deixar levar por aquela sensação descuidada de perigo, quando algo me chamou a atenção. O homem sentado à frente olhava-me intensamente.
«Blake, esta rapariga humana tem um odor fortíssimo! Nunca senti um cheiro desde tipo vindo de um humano. É mesmo avassalador. Está-me a deixar maluco!» o homem desabafou inesperadamente.
Inicialmente, preocupei-me por não me ter lavado bem naquela manhã, apesar do duche que tomei.
Depois, ao notar como o vampiro lambia os lábios, comecei a assustar-me seriamente. Involuntariamente escondi-me ainda mais no peito do Blake, que se apercebeu imediatamente do meu desconforto.
«Will, pára com isso!».
«Por favor, não digas que não te apercebeste do seu perfume» provocou-o.
«Apercebi-me. É particular. Eu também levei algum tempo antes de poder aproximar-me sem atacá-la, mas depois habituas-te» procurou tranquilizá-lo Blake, mas o outro vampiro parecia cada vez mais voraz e próximo.
Continuava a esticar-se sobre o banco da frente para cheirar-me melhor.
O meu coração começou a bater fortemente de medo.
Percebi demasiado tarde que aquela sensação o excitava ainda mais.
Num instante, dei por mim a ser agredida pelo Will que tentou atacar-me o pescoço com os caninos alongados e o olhar hipnotizado. Por sorte o Blake interveio mesmo a tempo e segurou-o pelo pescoço, antes que este pudesse chegar a mim.
«Controla-te!» gritou-lhe o Blake furioso.
«Não consigo! Este cheiro é demasiado forte» gritou por sua vez Will debatendo-se.
«Lembra-te daquilo que nos disse o cardeal Montagnard. O seu sangue é uma arma contra nós. Quero consultar Jack Marley antes de transformá-la em vampiro ou fazer outra coisa qualquer» avisou-o e Will voltou ao seu lugar.
Então era verdade que o cardeal Montagnard lhe tinha contado algo sobre mim. Ainda bem que lhes tinha avisado para não me morderem, assim podia ganhar tempo.
Estava ainda perdida nos meus pensamentos, quando o carro parou em frente a um antigo edifício abandonado com pequenas janelas.
Fui de novo tomada pelo medo de estar presa sozinha naquele casebre.
«Por favor, Blake, sai depressa e leva contigo essa rapariga antes que lhe salte em cima também eu» disse-nos o condutor, que até aí não tinha aberto a boca.
«Sim, desculpa. Obrigada, Peter» cumprimentou-o Blake, saindo do carro e ajudando-me a descer.
Dirigimo-nos para o edifício sombrio. Blake continuou a agarrar-me pelo braço, mesmo quando abria a porta de metal com as chaves que tirou do bolso do impermeável.
Fora do carro, fazia muito frio e comecei a tremer uma vez que trazia uma simples camisola de mangas compridas e um casaco de ganga, bastante leve.
Pouco depois fui levada para o interior da estrutura. Fiquei maravilhada pelo cenário com que me deparei.
Estava de repente num grande apartamento luxuosíssimo e aquecido. Havia um grande salão, com um grande sofá em pele branco virado para a parede, na qual estava encaixado um televisor plasma de cinquenta polegadas.
As paredes estavam decoradas com diversos quadros de variadas dimensões.
Por trás da sala, via-se uma cozinha moderna de forma arredondada. À esquerda, distinguia-se uma enorme mesa de doze lugares com outras tantas cadeiras, enquanto à direita, entre a sala e a cozinha, era possível vislumbrar uma espaçosa casa de banho, meio escondida por portas de vidro colorido e fosco.
Por cima da casa de banho, estava um pequeno sótão, no qual se distinguia uma cama.
Todo o apartamento tinha sido decorado com um estilo industrial, como se podia notar pela forma das cadeiras, do sofá, da escada que conduzia ao sótão e da cozinha elétrica com o balcão em aço.
«Este lugar é lindíssimo!» exclamei, ao caminhar lentamente no interior daquele grande open space.
«És a primeira pessoa a dizê-lo» admitiu Blake, deixando-me espantada. Não podia acreditar.
«Ficarás aqui por alguns dias, por isso põe-te cómoda. Nunca tive hóspedes não vampiros, por isso se precisares de alguma coisa, pede à vontade» acrescentou depois, tirando o impermeável. De repente, senti-me um hóspede e não uma prisioneira.
Também Blake pareceu-me mais relaxado e sem nenhuma intenção de fazer-me mal, assim fiz-lhe a vontade fingindo estar cómoda. Para além disso, não acreditava que me quisesse fazer mal, caso contrário já me teria matado na cripta ou não me teria certamente salvado do Will. Uma pequena parte de mim, sentia-se segura com ele, ainda que não soubesse até quando.
Sentei-me com calma no sofá em pele branco.
Mal apoiei-me naquele sofá macio, dei-me conta do cansaço e das dores nos músculos que sentia. Encostei-me às costas do sofá, respirando profundamente.
«Queres ir à casa de banho refrescar-te?» perguntou-me, tentando esconder o seu desconforto com a amabilidade.
Surpreendeu-me muito esta sua mudança e por instantes pensei que não seria um animal bárbaro tendo aquela habilidade.
Acima de tudo, até ao momento, ainda não tinha mostrado que queria fazer-me mal. Aparentemente parecia ser melhor do que aquilo que me tinha descrito o cardeal Siringer. De certeza que era menos perigoso que o Will.
Precisava mesmo de um banho, mas não me atrevia a depositar assim tanta confiança.