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Levantei-me do sofá e notei imediatamente que tinha deixado uma enorme mancha suja na pele branca. Tinha dormido durante horas naquele buraco na cripta. Como pôde pensar que não estava assim tão porca?
Se estivesse em casa com a tia, seria repreendida.
«Oh, meu deus! Sujei o sofá. Peço desculpa, de verdade. Se me deres uma esponja, eu...» tentei pedir desculpa imediatamente com um ar culpado. Tinha acabado de arruinar o seu paraíso perfeito e temia que o tivesse irritado.
«Está calma. Eu trato disto. Tu lavas-te que, entretanto, eu encomendo o jantar»
«Porquê? Vocês vampiros comem?» deixei escapar sem me dar conta.
«Geralmente não, mas tu sim, suponho. Tens preferências?»
Queria recusar, mas os rumores da minha barriga e o cansaço levaram a melhor.
«Carne vermelha, se possível» gaguejei envergonhadíssima, dirigindo-me à casa de banho, perguntando-me se me iria envenenar.
«De acordo» disse-me, ao tirar o telemóvel do bolso das calças.
Entretanto, fechei-me na casa de banho. Os azulejos eram verdes, como os do pavimento, se bem que de uma tonalidade mais clara.
Podia escolher entre a banheira ou o chuveiro.
Escolhi a coisa mais rápida. Não queria ficar muito tempo naquele banho e depois as paredes opacas do chuveiro proteger-me-iam de possíveis indiscrições.
Despi-me rapidamente e meti-me depressa dentro do chuveiro. O jato de água quente caiu-me sobre a cabeças e as costas, relaxando-me instantaneamente.
Permaneci muito tempo debaixo daquele jato antes de usar o shampoo com perfume de carvalho que encontrei na beira da banheira.
Esfreguei o sabão em mim com calma, mimada por aquele perfume que me recordava vagamente aquele de Blake.
Apercebi-me de estar tão cansada e trastornada que não consegui estar assim tão alerta como queria e devia.
Depois de limpar-me, saí com cautela do chuveiro e apercebi-me que o Blake tinha pendurado duas toalhas e roupa limpa, mas enorme, na borda da banheira: uma camisola verde e calças desportivas pretas que se apertavam com um laço na parte inferior.
Provavelmente queria certificar-se que não voltava a fazer porcaria, como a do sofá.
Vesti-me rapidamente e saí do banho com os cabelos ainda molhados, que me escorriam sobre as costas.
As roupas tinham o cheiro do Blake e aquele odor cobriu-me num ternurento abraço. Apesar de ser um vampiro, Blake tinha realmente um bom perfume. Era a primeira vez que estava em contato com a intimidade de um homem: a sua casa, a sua roupa, o seu perfume...
Mal entrei no salão, viu-o atrapalhado com o fogão e a esvaziar dois sacos de compras, que estavam apoiados no balcão da cozinha.
Aquela atmosfera tão familiar, quase íntima que se tinha formado, tranquilizou-me, por isso, decidi aproximar-me.
Além disso, a tia Cecília dizia sempre que se obtinha mais coisas com boas maneiras, logo, decidi comportar-me de forma gentil.
«Cá estou! Precisas de ajuda?» perguntei, vendo-o com dificuldades em acender o gás.
Blake ficou a olhar fixamente para o fogão, antes de virar-se para mim. Tinha um olhar indecifrável, mas ficou a observar-me durante muito tempo. Por fim, aproximou-se, agarrou uma madeixa dos meus cabelos molhados e com um movimento muito lento começou a brincar com eles. Parecia hipnotizado, como eu estava pelos seus olhos magnéticos e pela inesperada carícia, que me fez arrepios por toda a coluna.
Depois, de repente afastou a mão de mim, como se se tivesse queimado por aquele contato e continuou a olhar fixamente a sua cozinha imaculada.
«Estás a pingar o chão. O secador está no armário debaixo da pia» murmurou com um tom de voz aborrecido, mas ao mesmo tempo perturbado.
Resmunguei uma espécie de desculpa e fui a correr para a casa de banho buscar o secador. Enxuguei o cabelo o mais rápido possível, tentando penteá-lo como podia.
«Trouxe-te isto» ouvi uma voz atrás de mim, que fez-me saltar de susto.
Voltei-me e estava de frente com o Blake. Estava a passar-me uma bolsa.
«Peter, o homem que nos guiou para cá, trouxe-te umas coisas pensando que te poderiam ser úteis» disse-me.
Peguei no saco e abriu-o. Tinha um pente, uma escova de dentes, um creme hidratante e um pacote de pensos.
«Obrigada» sussurrei, mas Blake já tinha saído da sala.
Penteei-me à pressa, deixando que os cabelos me caíssem macios sobre as costas.
Depois de ter-me preparado, senti-me muito melhor.
Meti também um penso no joelho ferido e fui ter com o Blake.
Mal me viu, informou-me imediatamente acerca do jantar.
«Mandei o Peter comprar de comer. Espero que corra tudo bem. Mandei-o porque foi transformado em vampiro há poucos anos e conhece bem os hábitos atuais.»
Espreitei para dentro dos sacos.
Estavam lá vários congelados, um preparo para puré de batata e quatro grandes e espessos bifes de vaca.
Uma vez que via Blake completamente perdido, decidi tomar conta da situação.
Agarrei imediatamente na carne e pôs-me a procurar uma frigideira.
Felizmente, encontrei-a juntamente com pratos, talheres e copos.
Peguei no que era necessário e preparei a mesa.
Mostrei ao Blake como acendia o fogão.
«Primeiro tens que virar o botão e depois premir o botão para ligar, vês?».
A seguir aqueci bem a frigideira e coloquei dois bifes. O cheiro da comida abriu-me uma brecha no estômago. Tinha uma fome terrível.
Fi-los cozer pouco. Gostava deles malpassados.
Por fim, posei o meu prato na mesa e sentei-me, pronta a deliciar-me com aquele bife.
Blake sentou-se perto de mim e começou a observar-me intrigado.
Debaixo do seu olhar inquisidor cortei a carne com a faca, deixando que o sangue do seu interior escorresse no prato.
Parecia manteiga, tal forma era tenra.
Meti na boca um grande bocado e saboreei aquele gosto a que estava habituada há anos, mas que definia sempre como delicioso.
Reparei imediatamente no olhar de novo indecifrável de Blake. Era impossível saber em que estava a pensar.
«Queres um pouco?» perguntei-lhe para quebrar o gelo.
Acenou com a cabeça «Devo admitir que observar-te, também me deu vontade de provar esse bife. Há seculos que não toco em comida normal».
Tentei ignorar o significado daquela última frase e concentrei-me em cortar um bocado da minha carne e metê-la num prato.
Fiquei maravilhada pelos seus modos refinados e elegantes de cortar a carne e levá-la à boca, mastigando-a lentamente.
«Boa» admitiu depois de ter engolido um bocado.
Sorri-lhe satisfeita, continuando a comer.
«Não te repugna todo este sangue?» perguntou-me outra vez.
«Nem por isso. Estou habituada. Em casa como-a todos os dias» revelei.
«Também és uma vampira?» provocou-me.
«Não, sou anémica» expliquei com um tom de voz ligeiro.
«Não é verdade» declarou com um tom de voz firme e o olhar desconfiado.
«Garanto-te. Tenho uma forma muito rara de anemia, que me enfraquece muitíssimo. Por isso, tenho que seguir uma determinada dieta. Sempre foi assim desde que nasci» contei, esperando não revelar nada comprometedor.
«Tu não és anémica» confirmou convicto.
«Digo-te que sim».
A sua determinação começou a deixar-me nervosa.
«Não tens o cheiro de um anémico, fraco e insípido. Pelo contrário, o teu é intenso e persistente. É tão forte que se sente ao longe. Foi precisamente devido a esta tua característica que consegui encontrar-te rapidamente naquela cripta. Portanto, não és anémica».
«Em vez sim».
«Não».
«Sim».
Aquela conversa estava a começar a deixar-me em crise.
A tia não me mentiria sobre algo do género, mas é também verdade que nos últimos dias descobri que muitas das coisas que tinha sempre acreditado, eram apenas um monte de mentiras.
Todavia não podia acreditar que também esta fosse uma aldrabice. Eu ficava realmente mal e me enfraquecia facilmente se não tomava as minhas hemodoses. Tinha que ter forçosamente uma anemia.
Mas e se tivesse algo mais grave?
A tia não me mentiria sobre isto!
Estava perturbada por esta dúvida que estava sementada na minha mente. Não, não era possível! Mas...
Senti os olhos encherem-se de lágrimas. Mais um pouco e teria cedido. Ergui-me e o Blake fez o mesmo.
Com toda a força que me restava no corpo, gritei-lhe com desprezo: «Mas o que te interessa, vampiro? Eu sou anémica. Fim da discussão».
Por um instante Blake olhou-me incrédulo, mas recuperou depressa e procurou irritar-me imediatamente.
«Está bem, não vás pensar em chorar outra vez» provocou-me, ao ver-me à beira das lágrimas.
Noutras circunstâncias, iria me recompor orgulhosa e não faria caso daquelas provocações manipuladoras, mas naquele momento, depois de um dia tão arrasador, a minha mente não foi assim tão reativa.
Agi sem pensar e dei-lhe um estalo em cheio no rosto com toda a força que tinha no corpo. Naquele gesto estavam todo o meu desespero e a minha raiva. Era tudo culpa sua se me encontrava naquela situação!
Durante um longo segundo Blake não mexeu um músculo, enquanto deixei espaço às lágrimas. Era a primeira vez que batia em alguém e estava transtornada. Tremia de raiva e de frustração.
De repente, Blake agarrou-me os braços com dois braços letais, emitindo um rugido feroz que me parou a respiração, enquanto aproximava o seu rosto tenso de raiva ao meu, fixando-me com os olhos gelados e ameaçadores. Vislumbrei os seus caninos alongados surgirem da boca.
Dei-me conta do que tinha feito e senti-me ir abaixo.
Tentei libertar-me das suas garras, mas foi impossível.
«Não queria...» sussurrei com um tom de voz baixo com o olhar fixo nos seus dentes.
Senti por um instante o seu apertão ainda mais insistente, mas depois deixou-me, afastando-me violentamente dele.
«Vai-te embora» rosnou, indicando-me o quarto de dormir no sótão.
«Eu...»
«Vai-te embora!» gritou-me furioso, fazendo-me sobressaltar.
Sem deixá-lo repetir novamente, corri para as escadas e refugiei-me no quarto completamente aberto ao piso inferior.
A cama estava precisamente colocada ao lado do corrimão de metal e daquela posição era possível ver todo o apartamento de cima: o televisor, o sofá, a cozinha.
Sem despir-me, enfiei-me debaixo do cobertor preto da cama.
Aproximei-me do parapeito. Podia ver o Blake que levantou os pratos e depois deitou-se no sofá.
Acendeu a televisão que estava na parede em frente e deixou que uma imagem passasse no ecrã sem som.
Permaneceu durante muito tempo deitado no sofá com os olhos fechados, sem olhar o ecrã.