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Cian
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Cian

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Seus olhos se estreitaram em mim como se eu tivesse dito algo inapropriado. Ela se sentou, com um joelho levantado, apoiando o pé nas tábuas do cais e usava um pedaço de tecido adamascado como saia. Sua outra perna, cortada de forma bruta de um pedaço de mogno ou algo assim, pendia na água barrenta.

Ela me ignorou, puxou um rato, que se debatia de um saco de estopa, e então jogou o roedor cinza às piranhas pretas. Sua expressão era fria, como se ela não se importasse com o que comeu quem, desde que alguém fosse devorado.

O modem dela não aparentava ser lento e antiquado, o tipo que se esperaria encontrar na selva, mas um dispositivo moderno projetado para comunicações rápidas; da largura de uma caixinha de mentos e tão fino quanto o dedo anelar de uma mulher. 'IBM' estava impresso ao lado, seguido de 'USB'; provavelmente pertencera a um notebook e era de fabricação recente. Um pedaço de couro trançado atravessava um buraco em um canto, e triângulos feitos do pelo de animais cobriam as bordas, protegendo as partes macias do seu corpo.

Era uma pena esse buraco no modem, poderia ter servido pro notebook que planejava comprar para Kaitlin, após nossa viagem de volta a Lisboa. Esse computador seria uma grande ajuda para minha irmã na organização dos dados que ela coletou.

– Você sabe o caminho para Alichapon-tupec?

A mulher olhou para mim por um longo tempo, sem falar. Seus olhos escuros tinham uma intensidade suave que era quase hipnótica, eu sentia necessidade de desviar o olhar, mas não conseguia.

Algo espirrou violentamente na água abaixo do final do cais e depois se aquietou. Um papagaio chamava seu companheiro que havia se afastado para se juntar à fêmea no lado oposto do rio. Uma brisa preguiçosa trouxe um leve cheiro de jasmim, tocando o cabelo da mulher e  as delicadas pétalas vermelhas e amarelas enfiadas na orelha esquerda. O alto sonido de um macaco reivindicando seu território ecoou por toda a floresta. Todos esses eventos preencheram o espaço em questão de segundos, mas parecia muito mais tempo enquanto a jovem ainda fitava meus olhos, como se fosse capaz de enxergar para além dos meus rasos pensamentos.

Finalmente, ela falou comigo em yanomami e apontou para algumas canoas amarradas ao longo do cais, me dispensando com o gesto. Não entendi as palavras dela, só reconheci a língua yanomami porque a ouvi falada por muitos naquela região do Amazonas. Quando fiz sinais da minha ignorância, ela me lançou um olhar que não posso dizer que era hostil, mas também não foi amigável. Irritação foi a sensação que me que veio à mente. Eu olhei para as piranhas; elas também pareciam um pouco irritadas com a minha intrusão. O rato já não estava à vista.

Ela pegou minha mão para se levantar e fiquei surpreso com sua falta de altura. Seus cabelos escuros e brilhantes estavam repartidos no meio, e o topo da cabeça alcançava apenas o nível do meu peito. Um momento antes, quando estava olhando para mim, pensei que ela fosse tão alta quanto eu, ou talvez maior. Mas era apenas uma projeção de estatura, uma aura de coragem que era surpreendentemente forte. Agora que ela estava de pé, olhava para seu tamanho, mas a aura permanecia.

Ela jogou os longos cabelos por cima do ombro, enquanto o sol brilhava em seu amuleto. Pensando no que teria acontecido ao proprietário anterior do modem quis alcançá-lo, mas antes que meus dedos o tocassem ela me deu um tapa, com força.

Fiquei tão atordoado que não consegui reagir por um momento. O impacto de sua mão no meu rosto sacudiu uma lembrança há muito enterrada. Acho que já fazia uns cinco anos desde a última vez que uma mulher me deu um tapa, a lembrança ficou nítida. Rivadávia, Argentina. No meio do verão, tão quente na varanda tórrida que nada se mexia, nem mesmo o pequeno lagarto verde que subira os galhos de um palo borracho naquela manhã, para uma refeição saborosa de moscas e formigas. Lauren me dera um tapa naquele calor subtropical e na mesma bochecha, embora não tão duro quanto o que eu acabara de receber.

Lauren era uma mulher bonita, mas talvez um pouco abaixo do nível de perfeição. Ela acreditava em todas as teorias da conspiração que ouvia e, como trabalhava em uma agência governamental, lidando, penso, com exportações e coisas do tipo, achava que pessoas obscuras estavam sempre atrás dela. Era nervosa, de temperamento quente, eu deveria saber que ela explodiria algum dia.

Lauren estava há anos e milhares de quilômetros, daquele pequeno cais no Rio Negro, onde eu acabara de levar um tapa novamente. Esfreguei minha bochecha ardente e, quando olhei para as pontas dos dedos, vi uma fina faixa de sangue, junto com um mosquito achatado.

– Um pouco exagerado, não acha? – Eu disse enquanto ajustava meu chapéu de volta no lugar.

Ela não respondeu; só me olhou de novo com um reflexo nos olhos, como se estivesse me desafiando a lhe dar um soco.

Se o mosquito era um espectador inocente de um avanço insolente ou se a mulher estava me salvando de um caso de malária eu não tinha certeza. Reconheci, no entanto, as marcas distintas das asas de um Anopheles Punctipennis, uma fêmea, é claro, e portadora conhecida da temida doença.

Se o tapa na cara era sua maneira primitiva de me manter saudável, então com que propósito? Eu nunca tinha ouvido falar de canibalismo naquela parte da Amazônia, mas também nunca havia visto uma donzela seminua bonita alimentando ratos com piranhas.

Quando ela se abaixou para pegar seu arco e aljava de flechas, senti um impulso há muito adormecido dentro de mim. Antes que esse sentimento se fundasse, ela endireitou-se e disse algo para mim, acenando para a outra bolsa. Isso eu entendi; algumas coisas não precisam de tradução.

Respirei fundo para acalmar meu coração acelerado, depois peguei o saco de ratos e a segui pelo cais, combinando meus passos com os dela. Enquanto caminhávamos, notei as fileiras de pequenos dentes ao redor da marca d' água na perna de madeira; se feita por ratos ou piranhas, eu não saberia dizer.

Chegamos a uma pequena canoa, e ela a apontou. Eu disse que estava viajando com outras pessoas.

Usando um poico de mímica, ela fez uma pergunta. Eu assumi que era sobre minha companhia.

– Duas – respondi – uma delas é dessa altura – Estendi minha mão, na altura dos ombros, para indicar a altura da minha irmã Kaitlin – E uma assim – eu disse, com a mão ligeiramente mais baixa para a altura da minha sobrinha, Rachel – E um cachorro estúpido desse tamanho.

Ela balançou a cabeça e encolheu os ombros me conduzindo a uma canoa um pouco maior. Puxei um mapa da minha mochila. Mostrava uma Manaus às margens do rio Madeira, não na confluência do rio Negro e da Amazônia, como ela realmente é. E Alichapon-Tupec estava marcada vinte e cinco quilômetros a jusante da junção dos dois rios. Se isso fosse verdade, deveríamos ter passado por Alichapon-tupec no dia anterior enquanto viajávamos rio acima no barco, o que não aconteceu; por isso minha pergunta para a jovem do cais.

Eu queria localizar a vila o mais rápido possível, para que Kaitlin pudesse coletar suas amostras de plantas, aprender o uso medicinal das folhas, e poderíamos estar voltando para o Rio de Janeiro. Se perdemos o Borboleta quando partisse para Lisboa, ficaríamos várias semanas à procura de outro transporte.

Entreguei meu mapa para a mulher, que desenrolou e estudou com grande interesse, enquanto eu observava o rosto dela passar por uma progressão de caretas, beicinhos e sobrancelhas franzidas. Meus olhos começaram a vagar, e a National Geographic Magazine veio à mente. Quando eu era criança, a única maneira de ver os seios nus de uma mulher era na biblioteca, na seção de arquivos da revista, onde anos e anos daquelas revistas de capa amarela eram armazenados.

– Bem, senhor Saxon Lostasia – dizia a bibliotecária enquanto eu tentava passar por ela enquanto saía da biblioteca.

– Estamos explorando um pouco hoje, não é?

Ela então sorria e piscava um olho enquanto eu corria para a porta. A senhorita Pentava parecia velha para mim, mas não podia ter mais de vinte e cinco anos.

Essa mulher sob meus olhos de agora seria uma ótima garota de revista, mas não uma bibliotecária muito boa.

Levei meus olhos de volta para o mapa, o tirei das mãos dela e virei com o lado direito para cima devolvendo-o. Mais uma vez, depois de um olhar de soslaio para mim, seu rosto realizou um exercício quase idêntico de expressões como antes.

Inacreditável, pensei. Ela deve estar memorizando a coisa toda; primeiro da perspectiva do sul, e agora do norte! Memória fotográfica, provavelmente.

Atrás de mim, ouvi um cachorro latindo e pude ver Rachel e Hero correndo em nossa direção. A mudança que ocorreu com a mulher quando a criança e o cachorro chegaram até ela foi surpreendente.

Capítulo Dois

Quando a jovem se ajoelhou para se elevar ao nível de Rachel, seu rosto parecia tão altivo e cativante quanto o da criança. O rosto sério e pensativo de adulta foi sumindo completamente e ficando aparentemente esquecido. Eu pensei que ela era linda antes, mas agora, estava ensolarada, envolvente, quase angelical.

–Oi.– Disse Rachel.

A jovem sorriu para Rachel e tocou Hero com a mão, o que o levou a cair no cais, rolar de costas e expor sua barriga para ser esfregada. A mulher riu e agradeceu alegremente.

– O que aconteceu com a sua perna? – Rachel perguntou em português enquanto se ajoelhava e ajudava a colocar Hero em estado de êxtase.

A mulher sorriu para Rachel, balançou a cabeça e deu de ombros. Rachel tentou a mesma pergunta em francês, mas a mulher ainda não entendia. Destemida, a garota usava língua de sinais. A mulher fez sinais para ela.

Eles estavam tendo uma conversa silenciosa, mas eu não tinha ideia do que estavam dizendo.

Kaitlin se juntou a nós e eu vi a sobrancelha direita da minha irmã subir, com um pequeno sorriso curvando seus lábios enquanto me olhava. Talvez a marca vermelha de uma mão ainda estivesse visível na minha bochecha.

Quando a jovem se levantou, desta vez não pegando minha mão para obter assistência, sua expressão mudou mais uma vez. Ela estava bastante triste quando olhou da minha irmã para mim e de volta para Kaitlin.

–Essa é minha mãe. —Disse Rachel, voltando ao português, o idioma mais confortável entre nós três.

Kaitlin era uma cópia maior de Rachel; cachos loiros, olhos cinzentos, esbeltas. Suponho que alguém possa descrever minha irmã como bem definida, mas em suas calças cargo, blusa cambraia folgada, bolsos cheios de canetas, lápis, blocos de notas, repelente de insetos e uma lupa, era difícil perceber sua silhueta.

A jovem olhou para Rachel e com uma expressão interrogativa disse algo para ela.

–Mãe. —Explicou Rachel.

A mulher franziu as sobrancelhas, obviamente sem entender.

–O nome dela é Kaitlin – disse Rachel – minha mãe. Ela juntou os braços, balançou-os no berço e apontou para si mesma.

Isso me fez sorrir. Muitas vezes no passado, nós três colidimos com a barreira do idioma. Alguns meses antes, na cidade de Antalaha, em Madagascar, estávamos tentando comprar em um movimentado mercado de carne. Depois de dez minutos usando todas as palavras e gestos que conhecíamos, Rachel mugiu como uma vaca. Isso deixou todos na loja em um silêncio atordoado enquanto olhavam para a garotinha fazendo sons estranhos. O rosto do açougueiro se iluminou enquanto respondia com algumas palavras em seu idioma, mugindo como uma vaca também logo em seguida. Seus clientes começaram a rir e vários deles vieram ao nosso auxílio com sugestões sobre vários cortes de carne que poderíamos gostar. O açougueiro feliz trouxe bifes, carne moída e peito para nossa inspeção.

A jovem notou minha expressão divertida e me deu um olhar severo.

– Ele é meu tio Saxon – disse Rachel, indicando-me. – Meu nome é Rachel – disse ela, colocando a mão no peito. – E este é o Hero – disse enquanto se ajoelhava ao lado do cachorro.

A mulher também se ajoelhou, seu rosto se iluminando um pouco. Ela então apontou para Hero erguendo as sobrancelhas.

– Hero – disse Rachel.

– Hero? – a mulher perguntou, e o cachorro ficou instantaneamente de pé lambendo o seu rosto. —Hero! – ela disse novamente rindo, depois deu um tapinha no ombro de Rachel e olhou para ela.

– Rachel – disse Rachel.

– Rabel – disse a mulher.

– Não – disse Rachel – Ra-CHEL.

– Ah! – disse ela – Ra-CHEL.

Rachel assentiu vigorosamente enquanto a mulher se levantava para dar um tapinha no ombro de Kaitlin, enquanto olhava para a garota.

– Mãe

– Não, para você ela é Kaitlin – Rachel disse —O nome dela é Kaitlin.

A mulher entendeu logo depois de algumas tentativas. Minha irmã largou a mochila na doca e estendeu a mão, e as duas apertaram. A mulher então olhou para mim, mas não me tocou.

– Esse é o meu tio Saxon – disse Rachel.

– Vio Sacton – disse ela.

Rachel riu.

–Tio Saxon – disse ela – mas você deveria chamá-lo de Saxon.

– Tio Saxon – disse ela – Tio Saxon.

– Qual o seu nome? – Kaitlin perguntou, dando um toque no ombro da mulher.

Ela falou uma frase com uma palavra no final que parecia "Scee-amn".

Ela repetiu a palavra.

–Cian? —Kaitlin disse.

Ela sorriu e disse novamente.

Tive a impressão, não sei porquê, que ela não entendia o nosso relacionamento; Kaitlin e eu sendo irmãos, em vez de marido e mulher. Mas, de que importava?

Eu me virei para minha irmã.

–Tenho certeza – eu disse – que Alichapon-tupec não pode ser mais longe que um ou dois dias daqui. Nossos suprimentos devem ser mais do que suficientes até lá.

–Você acha? – Kaitlin me deu um olhar que eu já tinha visto antes; duvidosa da minha capacidade de analisar qualquer problema em grandes detalhes.

– Essa mulher… – Eu tentei lembrar o nome dela.

– Cian – disse Kaitlin.

–Cian estudou meu mapa e, se você puder convencê-la a nos guiar, podemos encontrar sua erva exótica e voltar para o Rio na quarta-feira.

– Saxon – Kaitlin me disse – Você nunca deixa de me surpreender com o poder do seu vasto intelecto.

– Sério? Eu disse com um sorriso.

* * * * *

No início da tarde, saímos de Manaus remando rio acima. Cinco de nós estávamos na longa canoa. Cian, nossa nova guia na proa, com Hero sentado ao lado dela, seguido por minha irmã Kaitlin, depois Rachel mais para o meio do barco. Nossas mochilas estavam guardadas atrás de Rachel. Eu sentei na popa. Cian e eu trabalhávamos nos remos.

Assim que saímos do cais, manobramos em direção ao meio do rio, sentindo a parte mais fraca da corrente. Cian remava de um lado na frente e eu, atrás, remava do outro. Ocasionalmente, ela parava para observar a direção do barco. Eu acho que ela estava esperando para ver se eu poderia nos manter verdadeiramente em curso. Enquanto ela trabalhava, eu podia ver os músculos em seus ombros e costas contraindo sob seu bronzeado suave enquanto seus cabelos balançavam para frente e para trás. Ela continuou por cerca de dez minutos, sem diminuir o ritmo. Mergulhei meu remo profundamente na água marrom turbulenta e me certifiquei de que ela pudesse me sentir empurrando o barco à frente. Ela o fez e relaxou um pouco me deixando fazer a maior parte do trabalho.

Quando Cian puxou seu remo da água para um breve descanso, remei com mais força para manter nossa velocidade. Ela pegou seu cabelo comprido e brilhante, separou-o em três mechas grossas enroladas e trançou os fios na parte de trás da cabeça, prendendo com o cordão de couro de seu amuleto. Vi a transpiração brilhando em seu corpo e, enquanto ela trabalhava em seus cabelos, uma pequena gota escorreu para suas costas em direção ao cós da saia.

Se Cian pensava que Kaitlin e eu éramos marido e mulher, como eu poderia explicar a verdadeira situação para ela? Eu amava minha irmã e fiquei feliz em dar a ela o pouco de ajuda que pude com sua pesquisa, embora minha contribuição não fosse muito mais do que trabalho braçal.

Onde Kaitlin se educara na arte e na ciência da etnobotânica, eu só aprendera a ser marinheiro. Ah, e não apenas um remador de canoas. Eu era marinheiro há muitos anos e esperava ter em breve o título de primeiro major. Depois disso, eu trabalharia para obter uma licença de mestre. Mas tudo isso viria depois que Kaitlin terminasse seu projeto.

Capítulo Três

Bem, em uma coisa eu era bom: ser pai de Rachel. Éramos amigos e ela raramente mencionava o pai biológico. Sempre que Kaitlin estava ocupada com suas anotações de pesquisa, Rachel e eu íamos pescar, cozinhar e manter nosso acampamento e equipamentos em ordem. Nós dois éramos bons de pescaria, mas nem tanto em caçar. Gostávamos de cozinhar e estávamos constantemente à procura de castanhas, frutinhas, raízes, além de ervas selvagens para adicionar às nossas várias misturas e surpreender Kaitlin no jantar.

Nosso destino nesta viagem era a aldeia de Alichapon-tupec. Kaitlin sabia de uma piaçava de folhas vermelhas com poderosas propriedades medicinais que crescia apenas naquela região. Iríamos lá, tentar obter amostras da planta e, talvez, obter algum conhecimento sobre o seu uso junto aos nativos locais. Pensei sobre aventuras semelhantes em outras florestas tropicais, nós três percorremos um longo caminho juntos. Desde que Rachel nasceu, nove anos atrás, viajamos o suficiente para nos levar várias vezes ao redor do mundo.

De repente, percebi que meus pensamentos haviam se afastado do rio quando fui puxada de volta à realidade por Cian gritando algo para mim. Ela agarrou o remo e segurou à frente dela, em direção a um enorme tronco vindo diretamente sobre nós na correnteza. Virei meu remo de lado na água para retardar nosso progresso, mas foi de pouca ajuda. Quando ela jogou o remo contra o tronco, não teve efeito. Era um tronco de teca, com umas cinco vezes o comprimento da nossa canoa e provavelmente pesava umas duas toneladas. Se colidisse conosco, certamente seríamos esmagados na água, enquanto ele desceria o rio sem ser afetado. No entanto, Cian, empurrando a árvore, afastou a frente do barco do tronco e forçou a popa, onde eu estava, em direção a ela. Estendi meu remo para empurrá-lo contra a casca da árvore, depois juntos para posicionamos o barco paralelo ao tronco e, finalmente, nos afastamos dele.

Eu assisti à partida por um momento, então encontrei Cian, Kaitlin e Rachel me dando um olhar severo, como se eu quase tivesse afundado nossa pequena expedição. Mesmo Hero, seguindo a expressão irritada de Cian, me lançou um olhar de indignação. Entre meus devaneios, tinha perdido completamente a noção de onde estávamos e o que estava fazendo. Meu corpo estava trabalhando para nos manter sempre à frente, mas meus olhos não estavam observando o rio.

– Desculpe. —Baixei a cabeça e voltei a remar. —Eu vou ficar acordado agora.

* * * * * *

Subimos o rio sem parar até o pôr do sol e então preparamos acampamento.

Enquanto Cian cozinhava cinco ratos em palitos afiados, notei que minha irmã e sobrinha trocavam olhares. Elas olhavam para os ratos sobre o fogo, depois de novo uma para a outra, com as sobrancelhas a subir cada vez mais.

– Não estamos com muita fome – disse Kaitlin.

– Com certeza foi um grande café da manhã que tomamos mais cedo, hein mãe? – Rachel esfregou sua barriga supostamente cheia.

As duas aplicaram repelente de insetos e enfiaram-se nos colchonetes.

Ao longo do caminho, no rio, nós compartilhamos nossas barras de carne seca e granola com Cian, e ela nos deu um pouco de sua comida; tiras defumadas de carne e maçãs açucaradas. Ela parecia gostar da carne seca e da granola, mas não da água engarrafada que Kaitlin passava para ela.

Depois do jantar, Cian e eu fizemos algumas tentativas de conversa, usando palavras e gestos, junto com imagens desenhadas na terra. Várias horas se passaram, mas tudo o que entendemos foi que ela era uma mulher sozinha na Amazônia e eu era uma pessoa de fora procurando por algo. Quando tentei explicar o que eu procurava, não consegui. Minha irmã, é claro, estava procurando uma planta exótica e remédios tribais. Isso era fácil de entender.