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“Oh! Acho que está. Olhe, estou interessado em si por causa da diferença entre o que diz que é e o modo como se comporta. Disse à Minty que trabalha em seguros. Mas atirou-se a mim como um polícia. Seguro de si. Mostrando os músculos. Pus-me a pensar – que intenções tem você com esta pobre rapariga? Qual é a sua jogada, hem? Qual é a sua jogada?”
Araminta estava agora de pé, a guardar o telefone e a alisar a frente do vestido. Paul reparou de novo em como era magra à volta das ancas, o que lhe tornava o estômago muito plano.
Cliff levantou o olhar para ela e disse: “O David está bem?”
Tirou uma mala creme do seu lugar nas costas da cadeira, dizendo: “Um bocado chateado comigo. Não o vejo há uns tempos.”
“Mantém-no a querer mais, querida. Os homens são todos iguais.” E, virando-se para Paul: “Não somos? Dão-nos um pouco e nós queremos mais. Estávamos a falar do namorado da Minty, caso estivesse curioso. Vê? Você não é o único galo na capoeira.”
Paul pôs-se em pé, empurrando a cadeira para trás e dizendo a Araminta: “Preciso de ir à casa de banho. Acompanho-a à porta.”
“Boa tentativa, mas não é preciso; vemo-nos por aí.”
Passou por ele sem olhar e ele sentiu brevemente o odor do seu perfume. Virou-se e seguiu-a, abrindo caminho por entre mesas onde homens com as suas mulheres e namoradas paravam para olhar para ela, olhando a seguir para ele.
Agarrou-lhe no braço, dizendo: “Minty.”
Ela virou-se, uma escuridão nos seus olhos. “Não me toque, porra.”
Largou-a. “Que se passa? Porque é que está no mesmo código postal que aquele bando de falhados?”
“Não tem nada a ver com isso.” Suavizou um pouco o olhar. “Lamento que estivessem cá quando apareceu.”
“Que quer ele? Porque é que anda à sua volta?”
Olhou-o fixamente. “Provavelmente pela mesma razão que você.”
Depois, virou-se e foi-se embora. Paul viu-a sair para o ar frio, abanou a cabeça e dirigiu-se às casas de banho. A pensar que entrara num filme cuja intriga não entendia e em que as personagens não faziam sentido.
Mais tarde, percebeu que era naquela altura que devia ter continuado a andar, afastando-se do bar o mais rapidamente que pudesse.
Estava a puxar o fecho das calças quando Tarzan e Gary entraram – o homem alto, até mais alto do que Paul pensava, a inclinar a cabeça sob a moldura da porta antes de a fechar e se encostar a ela, Gary a olhar em redor do espaço revestido a azulejos, assobiando e verificando os compartimentos.
Paul passou as mãos por água e pegou numa toalha de papel, perguntando a si mesmo o que iriam fazer. Nada de grave, pelo menos num bar movimentado, provavelmente apenas uma conversa para apalpar o terreno. Ele próprio o fizera quando era mais jovem, para perceber certas coisas.
Disse a Gary: “Ele Tarzan, tu Jane?”
Gary olhou para Tarzan – estás a ver, que é que eu te disse? Depois, apontou um dedo a Paul.
“A tua boca mete-te em sarilhos, não mete? Não consegues evitar. Estávamos a dizer, o Tarzan e eu, estávamos a dizer que a tua boca será a tua morte, um dia. Não é verdade, Tarz?”
Tarzan acenou afirmativamente com a cabeça, dobrando os braços para dar mais ênfase, a sua energia a mover-se lentamente, quase letárgico. Paul imaginou que ele tivesse força, mas não habilidade. Seria fácil incapacitá-lo, desde que se ficasse fora do seu alcance.
Gary era mais pequeno do que Paul, um homem rijo, de pele cinzenta e com um movimento constante atrás dos olhos. Não era de confiar nele para proteger a retaguarda e provavelmente era desejável tê-lo sempre à frente.
“Este sítio cheira mal. Podemos conversar lá fora?” – disse Paul.
“Isto não é nenhuma conversa” – disse Gary. “É um… como é que se chama, um exemplo.”
“De quê?”
“De como as coisas são. Entre nós e tu. Se vais andar a rondar a Minty, há regras.”
“E regulamentos” – disse Tarzan.
“Estás a dizer-me que preciso de autorização vossa para conversar com uma pessoa? Acham que isso vai acontecer? Nem sequer gosto muito dela. Não gosto de louras.”
Gary riu-se e olhou de novo para Tarzan.
“Não te preocupes, ela não é uma verdadeira loura, pois não?”
“Não. Bem lá no fundo, não” – disse Tarzan, fazendo Gary rir-se outra vez, partilhando os dois uma qualquer anedota privada.
“Mais alguma coisa?” – perguntou Paul.
“Sim” – respondeu Gary –, “ainda não acabámos. Para quem trabalhas?”
“Que queres dizer com isso?”
“Trabalhas nos seguros. Para quem trabalhas?”
Paul encontrou os olhos de Gary e fixou-os com os seus. “Não tens nada com isso.”
“Pois, pensei que ias dizer isso. A questão é que o Cliff quer saber se és o que dizes ser.”
“Ou…?”
“Não sei, essa parte ele não me disse.”
“Que diferença faz isso para ele? A companhia para a qual trabalho é em Londres.”
“Então não há problema em dizeres-nos, pois não?” Virou-se de lado e olhou para Paul com um ar interrogativo nos olhos. “A questão é que acho que ele te tem escalado para alguma coisa.”
“A resposta é não.”
“Pois, também pensei que dissesses isso. Por essa razão é que te arranjámos um pouco de incentivo.”
Quando o trouxeram de volta para o bar, Cliff estava ao telefone e mandou-os parar, com uma mão erguida, antes de se sentarem. Gary agarrou o braço de Paul, que se libertou, repelindo-o, mas mantendo-se de pé até Cliff acabar, apontando o dedo indicador ao botão de Terminar Chamada e carregando nele.
Agora Paul estava a ouvir Gary contar a Cliff o que acontecera na casa de banho, que Paul não dizia para quem trabalhava nem estava interessado fosse no que fosse que Cliff tivesse preparado para ele. Cliff acenava com a cabeça enquanto ouvia, apertando os lábios e absorvendo tudo como se estivesse a pensar a sério naquilo. Depois, apontou para a cadeira onde Paul se sentara anteriormente e Tarzan agarrou-o pelos ombros e empurrou-o para lá.
Paul perguntava a si mesmo o que as outras pessoas que estavam no bar pensariam daquele comportamento – talvez não tivessem reparado, mas também podiam estar habituadas a Cliff e aos seus homens e não ligarem. Talvez fosse o tipo de bar onde aquilo era um lugar comum, onde se partiam garrafas e se faziam ameaças todos os dias.
Paul não se preocupava com isso. Passaram algum tempo a sul do rio, em Londres, e conhecera pessoas por quem nem atravessaria a rua para lhes cuspir em cima. Uma vez, viu-se metido numa luta, embora estivesse fardado e a trabalhar com dois homens da esquadra: o homem que perseguiam, Terry “Pit Bull” James, sabia que ia ser preso mas queria, de qualquer modo, derrubar alguns polícias. Paul aprendera então a desferir os seus murros cedo e com força, sem esperar para ver por que caminhos ia a conversa e se o vilão se acalmava. Se se ficar à espera, é-se sempre ferido. Como então não sabia disso, esteve três semanas de baixa com um tímpano lesionado que ainda não estava bom.
Cliff dizia: “Tu não és dos seguros, eu sei, mas não sei o que és. Olha para ti, aí sentado, a olhar para mim com esse ar de reprovação e a perguntar a ti mesmo o que vem a ser isto.”
“Eu sei o que é isto.”
“Sabes? Então, diz-me. Eu digo-te que nota te dou na escala de 1 a 10.”
“Tu e estes tipos estão aborrecidos. Não estão a ganhar dinheiro – ou estão a ganhar pouco – e pensam que arranjaram alguém para azucrinar, alguém para os entreter. Pensam que estou a tentar saltar para a cueca da Araminta, pelo que acham que me têm, dalgum modo, agarrado. Como se eu fizesse o que vocês querem de modo a poder andar como aqui o Engraçado Número Três.”
“Facto interessante: o meu pai conheceu o pai do Terry Hall nos anos sessenta, sabes? Eu nunca o conheci. De qualquer modo, levas 8, o que não é mau para um principiante.”
“Falhei nas orgias de bêbados e nas tentativas de suicídio, não foi?”
“É engraçado dizeres isso. Uma vez, quase morri. Acidente de viação. Um idiota pisou a linha branca e estampou-se em mim, na Sewell Highway, logo a seguir ao bar de Devon, sabes? Parti uma quantidade de ossos e danifiquei o fígado, mas à parte isso não foi nada de muito grave. Por vezes, tenho dores de cabeça. De qualquer modo, quando estava lá no carro, todo feito num oito, pensei que ia morrer. Perguntava a mim mesmo se a ambulância chegaria a tempo ou se ia apagar-me lentamente. Não tinha dores, nem nada, provavelmente estava em choque. Mas desde então interesso-me pela morte, como será quando realmente formos desta para melhor. Dói, agarramo-nos com ambas as mãos ou é como ir dormir e não se sente nada? O resultado final é que já não tenho medo dela. Não quero morrer, mas arrisco. Eu era palrador com alguns dos outros presos, quando estava lá dentro, a trabalhar aquilo, a ver até onde podia levá-los antes que se atirassem a mim. Nunca se atiraram. Devem ter visto que não tinha medo deles, pelo que me deixaram em paz.”
“És um conversador interessante.”
“Tenho os meus momentos, não é? De qualquer modo, a pergunta que tenho para te fazer, homem, é se estás interessado em sacar algum. Algum papel extra.”
Agora estávamos a chegar à questão, pensou Paul. Até aí, Cliff tinha andado a disfarçar, de modo a apalpar o terreno antes de se comprometer.
“Não dizes nada” – afirmou Cliff. “Não ouço barulho nenhum vindo da tua boca. E eu não sou telepata. Então, que dizes?”
“Que queres que diga?” A ser conciso, a obrigar Cliff a fazer o trabalho.
“Não terias de fazer nada. Só dar a tua opinião de profissional. Dar uma vista de olhos a uma coisa e dar uma opinião. A opinião dum homem dos seguros.”
“Se eu for um homem dos seguros.”
“Também há isso. Seria uma espécie de teste, não é?”
“E pagam-me?”
“Foi o que eu disse, não foi? Uma quantia a decidir.”
Paul olhou para Tarzan e Gary que o fixavam agora com o seu olhar de psicopatas. Percebeu que o Holandês desaparecera desde que saíra da casa de banho – não tivera saudades dele.
Cliff pegou no telefone.
“Vou assumir o teu silêncio como um sim. Portanto, agora podes pôr-te a andar. Tenho coisas a fazer.”
De repente, o foco na sala mudou, como se Paul já não estivesse lá. Tarzan e Gary começaram a conversar um com o outro e Cliff estava a ver as mensagens no seu telefone, os olhos a percorrerem-nas com a velocidade dum corretor clandestino de apostas a avaliar probabilidades.
Paul levantou-se e saiu, perguntando a si mesmo se eles chegariam a reparar que, à semelhança do Holandês, também ele se fora embora.
CAPÍTULO CINCO
Uma banana servira-lhe de almoço e começara a comer um kiwi quando Cliff ligou, irritado como habitualmente, a voz a tornar-se estridente e exigente quando perguntou quanto tempo mais ia arrastar aquela coisa com David até começar a compensar.
Quando Janice era mais jovem, deixava os empregos à primeira vez que alguém lhe levantasse a voz – era coisa que não conseguia suportar, pois tivera disso em casa com fartura, vindo do pai. Este fora um tirano para os rapazes de Dalkeith, trabalhando em obras com uma pá de cabo curto que trazia para casa, para ameaçar a mãe dela e as três irmãs, e levantando a pá ao primeiro sinal de qualquer desacordo.
Uma manhã, com uns dezassete anos determinados e não querendo vergar-se mais, levantara-se cedo, chamara um táxi, levara a pá para o quintal e acendera uma fogueira por baixo dela. Na altura em que o pai vinha a berrar pela escada abaixo, de t-shirt e calções, já ela tinha batido com a porta da rua e dito ao motorista que a levasse à estação de Waverley, em Edimburgo, onde comprou um bilhete de ida para Londres, perguntando a si mesma o que ia fazer com as setecentas libras que poupara a trabalhar na Padaria Greggs dois dias por semana, mais as duzentas que roubara da lata de chá onde o pai guardava o dinheiro para a bebida.
Ficou durante duas semanas em casa da sua tia Glinnie até encontrar emprego no escritório dum solicitador em Twickenham e, depois, alugou um apartamento por cima duma companhia de seguros enquanto trabalhava no seu plano. O solicitador estava a sair-se bem e queria alguém perspicaz para trabalhar na receção. Como toda a gente, ela sabia datilografar porque usava computadores desde que andara na escola, e não precisou de se esforçar muito para controlar o idoso.
Já sabia que era esperta e não se importava de mentir às pessoas, pelo que, enquanto atendia clientes e datilografava testamentos durante o dia, começou a trabalhar em linha à noite, tendo iniciado então as fraudes na internet, usando nomes e fotografias falsos em sítios de encontros, afirmando apaixonar-se por uma série de tipos de meia idade por e-mail e concordando em encontrar-se com eles… desde que mandassem primeiro o dinheiro para a viagem.
Mais tarde, comprou uma lista de e-mails em CD a um lituano num clube noturno e mandou milhares de e-mails a propor pagamento a quem quisesse trabalhar de casa, processando pedidos de indemnização às seguradoras. Só tinham que mandar um cheque para cobrir o custo da engenhoca a laser que verificaria o número do pedido e seriam remunerados por cada centena de processamentos. Os cheques iam para uma caixa postal onde os levantava duas vezes por semana para depositar numa conta aberta sob nome falso.
Nessa altura já tinha aprendido a fazer sítios da web rudimentares com Dreamweaver, criando o Naturograin.com, usando imagens de suplementos vitamínicos que encontrou em linha para oferecer um espantoso produto que evitava o cancro a um preço muito baixo se comprassem na hora seguinte. Começou a entrar dinheiro vindo de todo o mundo e trocou o seu apartamento de uma assoalhada por algo mais espaçoso, melhorando ao mesmo tempo o seu guarda-roupa e comprando o primeiro carro, um VW carocha amarelo.
Passados uns anos deixara o solicitador e geria meia dúzia de sítios na web que vendiam produtos falsos e perguntava a si mesma o que fazer a seguir.
Foi então que alguém lhe disse que a polícia começava a interessar-se.
Tivera sempre sorte e uma noite conheceu Robbie, um homem interessante que era polícia, mas também um geek que trabalhava numa divisão criada para investigar o tipo exato de fraudes a que ela se dedicava. Primeiro, ele não sabia como ela ganhava o seu dinheiro, mas ao cabo de três meses de estarem juntos ela disse “que se lixe” e contou-lhe – numa altura em que ele já estava demasiado envolvido para deixar de andar com ela. Um mês depois mencionou que os nomes dos sítios dela na web tinham aparecido num memorando e que ela ia ser “examinada”.
Nessa noite, embalou os seus três computadores.fez umas malas de roupa e tomou um táxi para a estação de Euston, onde apanhou o comboio seguinte para norte. Coventry era a primeira paragem e o revisor ajudou-a a descarregar a bagagem para a plataforma. Recomeçou, desta vez como Araminta Smith, jornalista.
A única coisa que lamentava era ter deixado ficar o seu VW amarelo.
Agora Cliff começava a ficar preocupado com uma tarefa de longo prazo em que ela estava a trabalhar havia meses, acusando-a de estar a acobardar-se, não querendo puxar o gatilho. Com o telefone encostado à orelha, viu a sua cara enrugada, os lábios a adelgaçarem-se, os olhos frios, com os pés de galinha a escurecerem quando lhe disse que se mexesse e fizesse aquilo funcionar.
“A altura ainda não é boa” – disse ela –, “ele está sob pressão no trabalho, há inspetores no escritório – olha, porque é que não deixas isto comigo enquanto andas por aí com os três mosqueteiros? Se precisar de conselhos, peço.”
“Não me esqueço de quando me falaram pela primeira vez, dizendo que achavam que eu era ótima e que constituiríamos uma equipa magnífica. Só tinha que vos ajudar a lançarem-se, dar-lhes alguma credibilidade de modo que o vereador entrasse? Já se esqueceram disso tudo? Dos pequenos favores?”
“Está bem, já fizeste o teu trabalho, deixa-me fazer o meu. Ele já está a ser agarrado. Não sabe mas já tem o anzol na boca.”
“Agora, vocês foram e meterem nisto esse grande gajo, o Storey; que merda é esta?”
“Ele tem potencial, não tem? Não viste?”
“Ele é astuto, não é franco. Acha que está a enganar-nos, mas eu tenho-o guardado para uma coisa.”
“Lá estás tu” – disse ela. “Eu não estava enganada. Vigia-o.”
“Oh! Estou a vigiá-lo, está bem. Vou vigiá-lo muito atentamente. Então, quando é que o David se estreia?”
“Em breve, daqui a dias. Precisa de mais algum trabalho de sapa. Ainda não confia em mim. Até breve.”
“Não desligues. Ainda não acabei.”
“Isso é problema teu, Cliff, nunca acabas de falar. Comigo, não te calas – com as outras pessoas, não te calas. Tomara eu ter um cêntimo por cada palavra que te sai da boca.”
“Um dia, lamentarás não me teres prestado mais atenção. És demasiado impetuosa, nunca pensas nas coisas. Mete-te em merdas de que não consigas sair.”
“É a vida real, Cliff” – sentindo aumentar a sua ira –, “não é uma telenovela.”
“Que diabo quer isso dizer? Estás a passar-te?”
“Significa que não vou sentar-me à espera que as coisas venham ter comigo. O meu pai era um chato, mas pelo menos tinha um rumo, sabia o que queria. Não ficava sentado a ver os outros obterem aquilo que ele não conseguia ter. Ia ele arranjar. Era demasiado estúpido para fazer bem as coisas, mas pelo menos tentava.”
“Pensas demasiado em ti, rapariga. És uma trapaceira à procura de resultados, mais nada. Não te armes tanto em boa.”