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– Ótimo. Eu adoro sopa. Aproveitarei para conhecê-lo melhor.
A estranha senhora afastou-se e deixou-me sozinho com meus pensamentos. Fui procurar na mata os ingredientes para a sopa.
A Jovem
A montanha já se encontrava às escuras quando a sopa ficou pronta. O vento frio da noite e o cricri dos insetos tornava o ambiente mais rural. A estranha senhora ainda não se encontrava na cabana. Esperava deixar tudo em ordem até que ela chegasse. Experimentei a sopa: ela realmente havia ficado boa, apesar de que eu não tivesse todos os temperos necessários. Saí um pouco da cabana e contemplei o céu: as estrelas eram testemunhas dos meus esforços. Subi a montanha, encontrei sua guardiã e cumpri dois desafios (um mais difícil do que o outro), encontrei um fantasma e ainda estou de pé. “Os pobres esforçam-se mais por seus sonhos. ” Olho a disposição das estrelas e sua luminosidade. Cada qual tem sua importância no grande universo em que vivemos. As pessoas também são assim, importantes. Sejam brancas, negras, ricas, pobres, da religião A, da religião B, ou de qualquer crença. Todas são filhas do mesmo pai. Eu também quero ter o meu lugar no universo. Sou um ser pensante e sem limites. Creio que um sonho não tem preço e estou disposto a pagá-lo ao entrar na gruta do desespero. Contemplo mais uma vez o céu e volto à cabana. Qual não foi a minha surpresa ao já encontrar a guardiã.
– Você já está aqui? Eu nem me dei conta.
– Você estava tão concentrado em contemplar o céu que não quis quebrar o encanto do momento. Além disso, considero-me de casa.
– Muito bem. Sente-se nesse banco improvisado que fiz. Vou servir a sopa já.
Com a sopa ainda quente, servi a estranha senhora na cuia que eu mesmo encontrei na mata. O vento gelado da noite me acariciou o rosto e sussurrou algumas palavras no meu ouvido. Quem seria aquela estranha senhora que eu estava servindo? Será que ela queria mesmo me destruir como insinuou o fantasma? Eu tinha muitas dúvidas sobre ela e essa era uma ótima oportunidade para saná-las.
– A sopa está boa? Eu prepararei com muito esmero.
– Está ótima! O que você usou para prepará-la?
– É sopa de pedra. Brincadeirinha! Comprei um pássaro de um caçador e usei alguns temperos naturais da mata. Mas, mudando de assunto, quem é você realmente?
– É da boa hospitalidade que o anfitrião fale primeiro sobre si mesmo. Já faz quatro dias que você chegou aqui ao topo da montanha e não sei qual é o seu nome.
– Tudo bem. Mas é uma longa história. Prepare-se. Meu nome é Aldivan Teixeira Tôrres e curso o sétimo período da faculdade de Matemática. Minhas duas grandes paixões são a literatura e a matemática. Eu sempre fui um amante dos livros e desde pequeno ambiciono escrever o meu. Quando eu estava no primeiro ano do ensino médio, eu reuni alguns trechos dos livros de Eclesiastes, Sabedoria e Provérbios. Fiquei muito feliz apesar dos textos não serem da minha autoria. Eu mostrei a todo mundo, com muito orgulho. Terminei o ensino médio, fiz um curso de informática e parei meus estudos por um tempo. Depois, ingressei num curso técnico de Eletrotécnica pertencente na época ao Centro Federal de Educação Tecnológica. No entanto, percebi que não era minha área por um sinal do destino. Eu estava preparado para estagiar nessa área. Porém, no dia anterior ao teste que eu ia fazer, uma força estranha me pedia continuamente para eu desistir. Quanto mais passava o tempo, maior era a pressão exercida por essa força. Até que eu resolvi não fazer o teste. A pressão acalmou, e o meu coração também. Creio que tenha sido um sinal do destino para eu não ir. Temos que respeitar nossos próprios limites. Fiz alguns concursos, fui aprovado e atualmente exerço a função de assistente administrativo educacional. Há três anos tive outro sinal do destino. Eu tive alguns problemas e acabei entrando em crise nervosa. Comecei então a escrever e em pouco tempo isso me ajudou a melhorar. O resultado de tudo foi o livro: Visão de um médium, que não publiquei. Tudo isso me mostrou que eu era capaz de escrever e ter uma profissão digna. Penso que seja isso: quero trabalhar no que gosto e ser feliz. Será que é pedir demais para um pobre?
– Claro que não, Aldivan. Você tem talento e isso é o que é mais raro no mundo. No tempo certo você vencerá. As pessoas vitoriosas são aquelas que acreditam em seus sonhos.
– Eu acredito, sim. Por isso estou aqui nesse fim de mundo, aonde as comodidades da civilização ainda não chegaram. Dispus-me a subir a montanha, a vencer os desafios. Resta-me agora entrar na gruta e realizar os meus sonhos.
– Eu estou aqui para ajudá-lo. Sou a guardiã da montanha desde que ela se tornou sagrada. Minha missão é ajudar todos os sonhadores que buscam a gruta do desespero. Alguns a procuram para realizar sonhos materiais, como dinheiro, poder e ostentação social, ou sonhos egoístas. Todos fracassaram até aqui, e não foram poucos. A gruta é justa com os desejos.
A conversa continuou animada durante algum tempo. Fui perdendo, pouco a pouco, o interesse por ela, pois uma estranha voz me chamava a sair da cabana. Cada vez que essa voz me chamava, eu me sentia compelido a ir por curiosidade. Eu tinha que ir. Queria saber o que significava aquela estranha voz no meu pensamento. Com delicadeza, despedi-me da senhora e pus-me a andar na direção indicada pela voz. O que me espera? Continuemos juntos, leitor.
A noite era fria, e a insistente voz permanecia na minha mente. Era um tipo de ligação estranha entre mime ela. Já tinha andado poucos metros fora da cabana, mas pareciam ser quilômetros pelo cansaço que meu corpo respirava. As instruções que eu recebia mentalmente me guiavam na escuridão. Um misto de cansaço, medo do desconhecido e curiosidade imperavam em meu ser. Quem seria a dona daquela estranha voz? O que queria comigo? A montanha e seus segredos. Desde que a conheci, aprendi a respeitá-la. A guardiã e seus mistérios, os desafios que tive de enfrentar, o encontro com o fantasma, tudo a tornavam especial. Ela não era a mais alta do Nordeste, nem a mais imponente, mas era sagrada. O mito do pajé e os meus sonhos me levaram até ela. Quero vencer todos os desafios, entrar na gruta e fazer o meu pedido. Eu serei um homem transformado. Não serei apenas eu, mas serei o homem que venceu a gruta e seu fogo. Lembro-me bem das palavras da guardiã, para não confiar muito. Lembro-me melhor ainda das palavras de Jesus que disse: “Aquele que acreditar em mim terá vida eterna”.
O meu risco de vida não me fará desistir dos meus sonhos. É com esse pensamento que eu permaneço com fé. A voz se tornava cada vez mais forte. Acho que estou chegando ao meu destino. Logo à frente, visualizo uma cabana. A voz me diz para eu ir lá. A cabana e a respectiva fogueira que a ilumina estão num lugar espaçoso e plano. Uma jovem alta, magra e de cabelos negros, assa um tipo de petisco em seu fogo.
– Então você chegou. Eu sabia que você atenderia o meu chamado.
– Quem é você? O que quer de mim?
– Eu sou outra sonhadora que pretende entrar na gruta.
– Que poder especial você tem para me chamar pela mente?
– É telepatia, bobo. Não conhece?
– Eu ouvi falar. Poderia me ensinar?
– Você vai aprender um dia, mas não comigo. Diga-me que sonho traz você aqui?
– Antes de tudo, meu nome é Aldivan. Eu subi a montanha em busca de encontrar minhas forças opostas. Elas definirão o meu destino. Quando alguém é capaz de controlar suas forças opostas pode realizar milagres. É disso que eu preciso para realizar o meu sonho, que é trabalhar no que gosto e, assim, fazer muitos corações sonharem. Quero entrar na gruta não apenas por mim, mas por todo o universo que me proporcionou os dons. Terei o meu lugar no mundo e assim serei feliz.
– Meu nome é Nadja. Sou habitante do litoral pernambucano. Na minha terra ouvi falar dessa miraculosa montanha e de sua gruta. Imediatamente interessei-me em fazer uma viagem até aqui, mesmo pensando que tudo não passava de uma lenda. Reuni as minhas tralhas, parti, cheguei a Mimoso e subi a montanha. Eu tirei mesmo a sorte grande. Agora que estou aqui, entrarei na gruta e realizarei o meu desejo. Serei uma grande deusa, ornada de poder e riquezas. Todos me servirão. O seu sonho é apenas uma bobagem. Para que pedir pouco se podemos ter o mundo?
– Você está enganada. A gruta não realiza desejos mesquinhos. Você vai fracassar. A guardiã não permitirá que você entre nela. Para entrar na gruta, é necessário vencer três desafios. Eu já conquistei duas etapas. Quantas você já venceu?
– Que mané de desafio e de guardiã. A gruta só respeita o mais forte e o mais convicto. Eu realizarei os meus desejos amanhã e ninguém vai me impedir, ouviu?
– Você é quem sabe. Quando quiser se arrepender será tarde demais. Bom, acho que vou indo. Preciso descansar um pouco, pois já é tarde. Quanto a você, não posso desejar boa sorte na gruta, pois quer ser maior do que Deus. Quando o ser humano chega a esse ponto, ele destrói a si mesmo.
– Tudo bobagem e palavras. Nada me fará voltar atrás em minha decisão.
Vendo que ela estava irredutível afastei-me dela com pena. Como as pessoas tornam-se pequenas, às vezes. O ser humano só é digno quando luta por ideais justos e igualitários. Percorrendo a trilha, lembrei-me das vezes que fui injustiçado, por uma prova mal corrigida, ou mesmo pelo descaso dos outros. Isso me deixa inconformado. Além de tudo, a minha família é avessa ao meu sonho e não acredita em mim. Como é doloroso! Um dia eles vão me dar razão e ver que os sonhos podem ser possíveis. Nesse dia, depois que tudo passar, eu cantarei a minha vitória e glorificarei o criador. Ele me deu tudo e só exigiu que eu resplandecesse meus dons, pois, como diz a Bíblia, não se acende uma luz para colocá-la debaixo da mesa, e sim em cima para que todos aplaudam e sejam iluminados. A trilha se desfaz, logo vejo a cabana que tanto suor me custou. Preciso dormir, pois amanhã será outro dia e tenho planos para mim e o mundo. Boa noite, leitores. Até o próximo capítulo.
O tremor
Surge um novo dia. A luz aparece, a brisa da manhã acaricia os nossos cabelos, pássaros e insetos fazem a festa, a vegetação parece renascer. Isso acontece todos os dias. Esfrego os olhos, lavo o rosto, escovo os dentes e tomo um banho. Esta é a minha rotina antes do café da manhã. A mata não oferece regalias nem opções. Eu não estou acostumado. A minha mãe sempre me mimou a ponto de servir o café para mim. Tomo meu desjejum em silêncio, mas com a mente aflita. Qual será o terceiro e último desafio? O que acontecerá comigo na gruta? São tantas as perguntas sem resposta que me deixam zonzo. A manhã avança e com ela minhas palpitações, meus temores e calafrios. Quem eu era agora? Certamente não era o mesmo. Subi a montanha sagrada atrás de um destino que eu mesmo não conhecia. Encontrei a guardiã e descobri novos valores e um mundo maior do que eu jamais pensei antes. Venci dois desafios e agora só me restava o terceiro. Um terceiro frio, distante e desconhecido. As folhas ao redor da cabana levemente se moveram. Aprendi a entender a natureza e seus sinais. Alguém se aproxima.
– Oh de casa! Ou melhor, oh da cabana!
De um sobressalto, mudo a direção do meu olhar e contemplo a figura misteriosa da guardiã. Ela me parece mais feliz e rosada, apesar da idade que aparenta.
– Estou aqui, como me vê. Que novidades traz para mim?
– Como você sabe, hoje venho anunciar o seu terceiro e último desafio. Ele será realizado no seu sétimo dia sob a montanha, pois é o prazo máximo que um mortal pode ficar sob ela. Ele é simples e consiste no seguinte: mate o primeiro ser, homem ou animal, que você encontrar ao sair da cabana nesse mesmo dia. Caso contrário, você não terá direito de entrar na gruta que realiza os desejos mais profundos. O que você me diz? Não é fácil?
– Como assim? Matar? Por acaso sou um assassino?
– É a única condição para você entrar na gruta. Prepare-se, pois, só faltam dois dias e.…um tremor de 3,7 graus na escala Richter abala todo o topo da montanha. O tremor me deixa tonto e penso que vou desmaiar. Pensamentos e mais pensamentos me vêm à mente. Sinto minhas forças se esgotando e algemas que prendem com força minhas mãos e meus pés. Num rápido momento, vejo-me escravo, trabalhando em cafezais dominados por senhores. Vejo o chicote, o sangue e o clamor dos meus companheiros. Vejo a riqueza dos coronéis, seu orgulho e sua perfídia. Vejo também o grito por liberdade e por justiça dos oprimidos. Ó, como o mundo é injusto! Enquanto uns vencem, outros apodrecem esquecidos. As algemas quebram. Eu estou parcialmente livre. Ainda sou discriminado, odiado e injustiçado. Ainda vejo a maldade dos brancos me chamando de negro. Continuo me sentindo inferior. Ouço novamente gritos de clamor, mas agora a voz é clara, nítida e conhecida. O tremor desaparece e pouco a pouco retomo a consciência. Alguém me levanta. Ainda um pouco tonto, exclamo:
– O que aconteceu?
A guardiã, em prantos, parece não achar resposta.
– Meu filho, a gruta acaba de destruir um outro coração. Por favor, vença o terceiro desafio e acabe com essa maldição. O universo conspira para sua vitória.
– Eu não sei como vencer. Somente a luz do Criador pode iluminar meus pensamentos e minhas ações. Eu garanto: não desistirei facilmente dos meus sonhos.
– Eu confio em você e na educação que teve. Boa sorte, filho de Deus! Até a próxima!
Dito isso, a estranha senhora se afastou e foi envolvida numa fumaça. Eu agora estava só e precisava me preparar para o último desafio.
Um dia antes do último desafio
Já faz seis dias que subi a montanha. Todo esse tempo de desafios e experiências me fizeram crescer muito. Posso entender a natureza, a mim mesmo e aos outros. A natureza marcha em um ritmo próprio e avessa às pretensões do ser humano. Nós desmatamos, poluímos as águas, jogamos gases na atmosfera. O que ganhamos com isso? O que realmente importa para nós, o dinheiro ou a sobrevivência? As consequências estão aí: aquecimento global, redução da fauna e flora, desastres naturais. Será que o ser humano não enxerga que tudo isso é culpa dele? Ainda há tempo. Há tempo para a vida. Faça sua parte: economize água e energia, recicle o lixo, não polua o ambiente. Exija dos seus governantes um comprometimento com a questão ambiental. É o mínimo que devemos fazer por nós e pelo mundo.
Voltando à minha aventura, depois que subi a montanha, passei a entender melhor os meus desejos e os meus limites. Compreendi que os sonhos só se tornam possíveis se forem nobres e justos. A gruta é justa e, se eu vencer o terceiro desafio realizará o meu sonho. Quando venci o primeiro e o segundo desafios, passei a entender melhor os desejos do próximo. A maioria das pessoas sonha em ter riquezas, prestígio social e altas funções de comando. Elas deixam de enxergar o que há de melhor na vida: a realização profissional, o amor e a felicidade. O que torna o ser humano realmente especial são suas qualidades que resplandecem através de suas obras. Poder, riqueza, ostentação social não fazem ninguém feliz. É isso que procuro na montanha sagrada: felicidade e o total domínio sobre as “forças opostas”. Preciso sair um pouco. Passo a passo, meus pés me levam para fora da cabana que construí. Espero um sinal do destino.
O sol esquenta, o vento fica mais forte e nenhum sinal aparece. Como vencerei o terceiro desafio? Como conviver com o fracasso caso eu não consiga realizar o meu sonho? Tento afastar os pensamentos negativos, mas o medo é mais forte. Quem eu era antes de subir a montanha? Um jovem totalmente inseguro, com medo de enfrentar o mundo e as pessoas. Um jovem que um dia lutou na Justiça por seus direitos, mas não foi atendido. O futuro mostrou-me que foi melhor assim. Às vezes, ganhamos ao perder. A vida me ensinou isso. Alguns pássaros gritam ao meu redor. Eles parecem entender minha preocupação. Amanhã será um novo dia, o sétimo sob a montanha. O meu destino estará em jogo no terceiro desafio. Rezem, leitores, para que eu o vença.
O terceiro desafio
Um novo dia amanhece. A temperatura é agradável, e o céu é azul em toda sua imensidão. Preguiçosamente, levanto-me esfregando os olhos de sonolência. O grande dia chegou, estou preparado para ele. Antes de qualquer coisa, preciso preparar o meu café da manhã. Com os ingredientes que consegui no dia anterior, ele não será tão escasso. Preparo a vasilha e começo a estralar os apetitosos ovos de galinha. A gordura espirra e quase atinge o meu olho. Quantas vezes, na vida, os outros parecem nos ferir com suas inquietações. Tomo o meu café, descanso um pouco e preparo minha estratégia. O terceiro desafio não parece ser nada fácil. Matar para mim é impensável. Bem, mesmo assim, terei de enfrentá-lo. Com essa resolução, começo a caminhar e logo estou fora da cabana. O terceiro desafio começa aí, e eu me preparo para tal. Pego a primeira trilha e começo a percorrê-la. As árvores da estrada da vereda batida são árvores grossas e de raízes profundas. O que eu realmente procuro? O sucesso, a vitória e a realização. Porém, não farei qualquer coisa que fuja aos meus princípios. A minha idoneidade está acima de fama, sucesso e poder. O terceiro desafio me aflige. Matar para mim é um crime mesmo que seja apenas um animal. Entretanto, quero entrar na gruta e fazer o meu pedido. Isso representa duas “forças opostas”, ou “caminhos opostos”.
Permaneço seguindo a trilha e torço para que eu não encontre nada. Quem sabe assim o terceiro desafio não seja dispensado. Talvez a guardiã não seja tão generosa assim. As regras têm de ser seguidas por todos. Eu paro um pouco e não acredito na cena que visualizo: uma jaguatirica e seus três filhotes, brincando ao meu redor. Chega. Eu não matarei a mãe de três filhotes. Eu não tenho esse coração. Adeus sucesso; adeus, gruta do desespero. Chega de sonhos. Não cumpri o terceiro desafio e vou embora. Vou voltar para minha casa e para meus entes queridos. Apressadamente, volto à cabana para arrumar minhas malas. Eu não cumpri o terceiro desafio.
A cabana está desfeita. O que significa isso tudo? Uma mão toca levemente o meu ombro. Olho para trás e me deparo com a guardiã.
– Meus parabéns, querido! Você cumpriu o desafio e agora tem o direito de entrar na gruta do desespero. Você venceu!
O forte abraço que levei em seguida deixou-me ainda mais confuso. O que aquela mulher estava dizendo? O meu sonho e a gruta poderiam se encontrar? Eu não acreditava.
– Como assim? Eu não cumpri o terceiro desafio. Veja minhas mãos: elas estão limpas. Não manchei o meu nome com sangue.
– Você não se conhece? Você acredita que o filho de Deus seja capaz da atrocidade que pedi? Eu não tenho dúvidas de que você é digno de realizar seus sonhos. Embora eles possam demorar a tornar-se realidade. O terceiro desafio o avaliou completamente, e você demonstrou o amor incondicional às criaturas. Isso é o mais importante num ser humano. Mais um conselho: somente o coração puro sobrevive à gruta. Mantenha seu pensamento e coração limpos para vencê-la.
– Obrigado, Deus! Obrigado, vida, por essa oportunidade. Prometo não os desapontar.
A emoção tomou conta de mim como nunca, desde que subi a montanha. Será que a gruta seria capaz mesmo de realizar milagres? Eu estava a ponto de descobrir.
A gruta do desespero
Após vencer o terceiro desafio, eu já estava apto a entrar na temida gruta do desespero. A gruta que realiza os sonhos impossíveis. Eu era mais um sonhador que iria tentar a sorte. Desde que subi a montanha, eu já não era mais o mesmo. Agora estava confiante em mim mesmo e no universo maravilhoso que me abrigava. O abraço da estranha senhora também me deixou mais tranquilo. Agora ela estava ali, ao meu lado, apoiando-me em todos os sentidos. O apoio que eu não recebi dos meus entes queridos. A minha mala inseparável debaixo do meu braço. Estava na hora de eu me despedir daquela montanha e seus mistérios. Os desafios, a guardiã, o fantasma, a jovem e a própria montanha que parecia ter vida ajudaram-me a crescer. Eu estava pronto para partir e enfrentar a gruta tão temida. A guardiã está do meu lado e me acompanhará nessa viagem até a entrada da gruta. Partimos, pois o sol já se adianta no horizonte. Os nossos planos estão em total harmonia. A vegetação ao redor da trilha que percorremos e o barulho dos animais tornam o ambiente o mais rural possível. O silêncio da guardiã durante todo o percurso parece antever os perigos que a gruta encerra. Paramos um pouco. As vozes da montanha parecem querer dizer alguma coisa. Aproveito para quebrar o silêncio.
– Posso perguntar uma coisa? O que são essas vozes que tanto me atormentam?
– Você escuta vozes. Interessante. A montanha sagrada tem a propriedade mágica de reunir todos os corações sonhadores. Você é capaz de sentir essas vibrações mágicas e interpretá-las. No entanto, não dê muita atenção a elas, pois podem levá-lo ao fracasso. Tente concentrar-se com seus próprios pensamentos, e a atuação delas será menor. Tenha cuidado. A gruta é capaz de detectar suas fraquezas e usá-las contra você.
– Eu prometo me cuidar. Eu não sei o que me espera na gruta, mas tenho fé de que os espíritos luminosos me ajudarão. O meu destino está em jogo e, de certa forma o do resto do mundo também.
– Bem, já descansamos o bastante. Vamos continuar a caminhada, pois não demora o sol a se pôr. A gruta deve estar a uns quinhentos (500) metros daqui.
O rumor de passos recomeça: Quinhentos metros separam o meu sonho de sua realização. Estamos no lado oeste do topo da montanha, onde os ventos se tornam cada vez mais fortes. A montanha e seus mistérios. Penso que nunca vou conhecê-la realmente. O que me motivou a subir ela? A promessa de o impossível tornar-se possível, e o meu instinto aventureiro de escoteiro. A realidade, o possível e a rotina estavam me matando. Agora estava me sentindo vivo e pronto para vencer desafios. A gruta se aproxima. Já posso ver sua entrada. Ela parece imponente, mas não me desestimula. Uma gama de pensamentos invade todo o meu ser. Preciso controlar meus nervos. Eles podem me trair na hora fatal. A guardiã faz sinal e para. Obedeço.
– Aqui é o local mais próximo que posso chegar da gruta. Escute bem o que eu vou dizer, pois eu não vou repetir: antes de entrar nela, reze um pai-nosso para seu anjo da guarda. Ele protegerá você dos perigos. Ao entrar, ande com bastante cautela para não cair em armadilhas. Após percorrer um certo tempo a galeria principal da gruta, você se deparará com três opções: felicidade, fracasso e medo. Escolha a felicidade. Se escolher o fracasso, você não passará de um pobre louco que um dia sonhou. Se escolher o medo, você se perderá completamente. A felicidade dá acesso a mais dois cenários que são desconhecidos para mim. Lembre-se: apenas o coração puro pode sobreviver à gruta. Seja sábio e realize seu sonho.
– Entendi. Chegou o momento mais esperado desde que subi a montanha. Obrigado, guardiã, por toda sua paciência e zelo comigo. Nunca me esquecerei da senhora nem dos momentos que passamos juntos.
A angústia tomou conta do meu coração ao despedir-me dela. Agora éramos eu e a gruta. Um duelo que mudará a história do mundo e a minha também. Olho bem para ela e pego na mala uma lanterna para iluminar o caminho. Estou pronto para entrar. A minha perna parece congelada ante essa gigante. Preciso reunir forças para prosseguir no caminho. Sou brasileiro e não desisto nunca. Consigo dar os primeiros passos e tenho a leve impressão de que alguém me acompanha. Creio que sou realmente especial para Deus. Ele me trata como filho. Os meus passos aceleram-se e finalmente consigo entrar na gruta. O deslumbramento inicial é grande, mas preciso ser cauteloso por conta das armadilhas. A umidade do ar é alta, e o frio, intenso. Estalactites e estalagmites preenchem praticamente todo o ambiente. Já percorri uns cinquenta metros dentro dela, e os calafrios começam a arrepiar todo o meu corpo. Vem à minha mente tudo que passei antes de subir a montanha: as humilhações, as injustiças e a inveja dos outros. Parece que cada um dos meus inimigos está dentro daquela gruta, esperando o melhor momento para me atacar. Com um salto espetacular, consigo ultrapassar a primeira armadilha. O fogo da gruta quase me devorou. Nadja não teve a mesma sorte. Agarrado a uma estalactite do teto que milagrosamente suportou meu peso, consegui sobreviver. Preciso descer e continuar minha caminhada rumo ao desconhecido. Os meus passos aceleram-se, mas com precaução. A maioria das pessoas tem pressa. Pressa de vencer, de conquistar objetivos. Uma agilidade fantástica acaba de me salvar de uma segunda armadilha. Foram inúmeras lanças alçadas em direção ao meu corpo. Uma consegue ferir de raspão o meu rosto. A gruta quer me destruir. Eu tenho de ter mais cuidado a partir de agora. Faz aproximadamente uma hora que entrei na gruta e ainda não cheguei ao ponto que a guardiã falou. Devo estar perto. Os meus passos continuam acelerados, e meu coração dá sinal de alerta. Às vezes, não prestamos atenção nos sinais que o próprio corpo dá. É nesse momento que acontecem o fracasso e a decepção. Felizmente não é o meu caso. Ouço um barulho muito forte vindo em minha direção. Começo a correr. Em poucos instantes, percebo que estou sendo perseguido por uma pedra gigantesca em grande velocidade. Corro durante um tempo e com um movimento brusco consigo me desviar da pedra, abrigando-me na lateral da gruta. Quando a pedra passa, a parte anterior da gruta se fecha e logo à frente aparecem três portas. Elas representam a felicidade, o fracasso e o medo. Se eu escolher o fracasso, não passarei de um pobre louco que um dia sonhou em ser escritor. As pessoas vão ter pena de mim. Se eu escolher o medo, nunca crescerei nem serei conhecido pelo mundo. Poderei entrar num abismo sem fundo e me perder para sempre. Se eu escolher a felicidade, poderei prosseguir no meu sonho e passarei para o segundo cenário.
Existem três opções: a porta da direita, a da esquerda e a do meio. Cada uma representa uma das opções: felicidade, fracasso ou medo. Tenho que fazer a escolha certa. Aprendi com o tempo a vencer meus medos: medo do escuro, medo de ficar sozinho e medo do desconhecido. Também não tenho medo do sucesso nem do futuro. O medo deve representar a porta da direita. O fracasso é consequência de um mau planejamento. Algumas vezes fracassei, mas isso não me fez desistir dos meus objetivos. O fracasso deve servir de lição para uma posterior vitória. O fracasso deve representar a porta da esquerda. Por último, a porta do meio deve representar a felicidade, pois o justo não se desvia nem para a direita nem para a esquerda. O justo é sempre feliz. Reúno as minhas forças e escolho a porta do meio. Ao abri-la, eu tenho amplo acesso a um salão e no teto está escrito o nome Felicidade. No centro há uma chave que dá acesso a outra porta. Realmente eu estava certo. Cumpri a primeira etapa. Restam-me duas. Pego a chave e experimento-a na porta. Serve perfeitamente. Abro a porta. Ela dá acesso a uma nova galeria. Começo a percorrê-la. Uma multidão de pensamentos percorre a minha mente: quais serão as novas armadilhas que devo enfrentar? A qual cenário dá acesso essa galeria? São muitas as perguntas sem respostas.
Continuo a caminhar e minha respiração torna-se rarefeita, pois o ar está cada vez mais escasso. Já percorri uns duzentos (200) metros e devo permanecer atento. Ouço um barulho e caio ao chão para me proteger. São pequenos morcegos que passam em disparada por mim. Será que eles vão chupar meu sangue? Serão carnívoros? Para minha sorte, elas desaparecem na imensidão da galeria. Vejo um vulto, e meu corpo estremece. Será que é um fantasma? Não. É de carne e de osso e vem preparado para lutar comigo. É um dos sacerdotes ninjas da gruta. Começa a luta. Ele é bem rápido e tenta me atingir num ponto vital. Tento escapar das suas investidas. Revido com alguns golpes que aprendi no cinema. A estratégia dá certo. Ele se assusta e se afasta um pouco. Ele contra-ataca com suas artes marciais, mas estou preparado para ele. Eu o atinjo em cheio com uma pedra que peguei da gruta. Ele cai desacordado. Eu sou totalmente avesso à violência, mas nesse caso foi estritamente necessário. Quero avançar ao segundo cenário e descobrir os segredos da gruta. Volto a caminhar e permaneço atento e vacinado contra novas armadilhas. A umidade do ar baixa, um vento sopra e permaneço mais reconfortado. Sinto as correntes de pensamento positivas enviadas pela guardiã. A gruta escurece ainda mais e se transforma. Um labirinto virtual se mostra à frente. Mais uma armadilha da gruta. A entrada do labirinto é perfeitamente visível. Mas onde estará a saída? Como entrar nele e não se perder? Eu só tenho uma opção: atravessar o labirinto e arriscar. Crio coragem e começo a dar os primeiros passos em direção à entrada do labirinto. Reze, leitor, para que eu encontre a saída. Não tenho nenhuma estratégia em mente. Penso que devo usar minha sabedoria para me safar dessa enrascada. Com coragem e fé, adentro o labirinto. Ele parece mais confuso visto por dentro do que por fora. As paredes são largas e revezam-se em ziguezague. Começo a lembrar dos momentos na vida em que me achei perdido como em um labirinto. O falecimento do meu pai, tão jovem, foi um golpe duro em minha vida. O tempo que passei desempregado e sem estudar também me deixou perdido como em um labirinto. Eu agora me encontrava na mesma situação.
Continuo caminhando e o labirinto me parece sem saída. Já se sentiu desesperado? Era assim que me sentia: totalmente desesperado. Por isso o nome: a gruta do desespero. Reúno as minhas últimas forças e me levanto. Preciso encontrar a saída a qualquer custo. Uma última ideia me bate. Olho para o teto e vejo inúmeros morcegos. Vou seguir um. Vou chamá-lo de bruxo. Um bruxo é capaz de se salvar em um labirinto. É disso que eu preciso. O morcego voa com bastante velocidade, e tenho que acompanhá-lo. Ainda bem que me considero quase um atleta. Vejo a luz no fim do túnel, ou melhor, no fim do labirinto. Estou salvo.
O fim do labirinto levou-me a um estranho cenário na galeria da gruta. Um cenário feito de espelhos. Caminho cuidadosamente em volta, pois tenho medo de quebrar alguma coisa. Vejo o meu reflexo no espelho. Quem sou eu agora? Um pobre jovem sonhador prestes a descobrir o seu destino. Eu pareço preocupado. O que significa tudo isso? As paredes, o teto, o piso, tudo é composto por vidro. Toco a superfície de um espelho. O material é tão frágil, mas reflete fielmente o aspecto da pessoa. Surge, num impulso, de três espelhos distintos, uma criança, um jovem segurando um caixão e um idoso. Todos eles sou eu. Será que é uma visão? Realmente tenho aspectos infantis, como a pureza, a inocência e a fé nas pessoas. Acho que não quero jogar essas qualidades fora. O jovem de quinze anos representa uma fase dolorosa na minha vida: a perda do meu pai. Apesar de sua rigidez e distanciamento, era meu pai. Ainda me lembro dele com saudades. O idoso representa o meu futuro. Como será? Estarei realizado? Casado, solteiro ou até viúvo? Não quero ser um velho revoltado ou magoado. Chega de ver essas imagens. Meu presente é agora. Sou um jovem de vinte e seis anos, licenciando em Matemática, escritor. Não sou mais uma criança nem o jovem de quinze anos que perdeu o pai. Também não sou um idoso. Tenho um futuro pela frente e quero ser feliz. Não sou nenhuma dessas três imagens. Eu sou eu mesmo. Com um impacto, os três espelhos dos quais os indivíduos surgiram se quebram e uma porta surge. Ela é meu ingresso ao terceiro e último cenário.
Abro a porta que dá acesso a uma nova galeria. O que me espera no terceiro cenário? Continuemos juntos, leitor. Começo a caminhar e meu coração acelera-se como se eu estivesse ainda no primeiro cenário. Eu já venci muitos desafios e muitas armadilhas e já me considero um vencedor. Em minha memória, vou buscar as recordações de outrora, quando eu brincava em pequenas grutas. A situação agora é totalmente diferente. A gruta é enorme e cheia de armadilhas. A minha lanterna está quase apagada. Continuo a caminhar e logo à frente surge uma nova armadilha: duas portas. As “forças opostas” gritam dentro de mim. É preciso fazer uma nova escolha. Vem à memória um dos desafios e como tive a coragem de superá-lo. Eu escolhi o caminho da direita. A situação é outra, pois estou dentro de uma gruta escura e úmida. Eu já fiz a minha escolha, mas também começo a lembrar das palavras da guardiã, que falou sobre o aprendizado. Eu preciso conhecer as duas forças para ter total controle sobre elas. Escolho a porta da esquerda. Abro-a vagarosamente com medo do que ela possa estar guardando. Abro-a e contemplo a visão: estou num santuário, cheio de imagens de santos e com um cálice no altar. Será que é o santo gral, o cálice perdido de Cristo e que dá a quem beber a juventude eterna? As minhas pernas tremem. Impulsivamente, corro em direção ao cálice e começo a tomá-lo. O vinho é de um gosto dos deuses. Sinto-me tonto, o mundo gira, os anjos cantam, e a terra da gruta treme. Tenho a minha primeira visão: vejo um judeu de nome Jesus, junto com seus apóstolos, curando, libertando e abrindo novas perspectivas para seu povo. Vejo toda a sua trajetória de milagres e de amor. Vejo também a traição de Judas, e o diabo agindo por trás dele. Por último, vejo sua ressurreição e glória. Escuto uma voz me dizer: “Faça o seu pedido”. Retumbante de alegria, eu exclamo: “Quero ser o vidente! ”
O milagre
Logo após o meu pedido, o santuário treme, enche-se de fumaça e vozes alteradas podem ser ouvidas por mim. O que elas revelam é totalmente secreto. Um pequeno fogo sobe do cálice e pousa na minha mão. A sua luz é penetrante e ilumina toda a gruta. As paredes da gruta se transformam e dão espaço a uma pequena porta que surge. Ela se abre e um vento forte começa a me empurrar de encontro a ela. Todo o meu esforço vem à minha mente: a dedicação aos estudos, o perfeito seguimento às leis de Deus, a subida da montanha, os desafios e a própria passagem na gruta. Tudo isso me trouxe um crescimento espiritual espantoso. Eu agora estava preparado para ser feliz e realizar meus sonhos. A tão temida gruta do desespero se via forçada a realizar o meu pedido. Não deixo de me lembrar também nesse momento sublime de todos aqueles que contribuíram para a minha vitória, direta ou indiretamente: minha professora primária, dona Socorro, que me ensinou as letras, os meus mestres da vida, os meus companheiros de estudo e de trabalho, os meus familiares e a guardiã, que me auxiliou a vencer os desafios e a própria gruta. O vento forte permanece me empurrando de encontro à porta, e logo estarei no interior da câmara secreta.
A força que me empurrava finalmente cessa. A porta se fecha. Vejo-me numa câmara demasiadamente larga, alta e escura. Do lado direito, encontram-se uma máscara, uma vela e uma Bíblia. Do lado esquerdo, uma capa, um bilhete e um crucifixo. No centro, no alto, um interessante aparelho circular de ferro. Caminho em direção ao lado direito. Uso a máscara, pego a vela e abro a Bíblia numa página aleatória. Caminho em direção ao lado esquerdo. Visto a capa, escrevo o meu nome e codinome no bilhete e seguro o crucifixo com a outra mão. Caminho em direção ao centro e me ponho exatamente abaixo do aparelho. Pronuncio as sete letras mágicas: v-i-d-e-n-t-e... Imediatamente, um círculo de luz é emitido pelo aparelho e me envolve completamente. Sinto o cheiro do incenso que é queimado todos os dias em memória dos grandes sonhadores: Martin Luther King, Nelson Mandela, Teresa de Calcutá, Francisco de Assis e Jesus Cristo. O meu corpo vibra ao começar a flutuar. Os meus sentidos começam a ser despertados e com eles sou capaz de reconhecer os sentimentos e as intenções mais profundas. Os meus dons são fortalecidos e com eles sou capaz de realizar milagres no tempo e no espaço. O círculo se fecha cada vez mais, e todo sentimento de culpa, intolerância e medo é apagado da minha mente. Estou quase pronto. Uma sequência de visões começa a aparecer e me deixa confuso. Finalmente o círculo se apaga. Num instante, uma sequência de portas é aberta e, com meus novos dons, eu posso ver, sentir e ouvir perfeitamente: gritos de personagens querendo se manifestar, tempos e lugares distintos começam a parecer e questões significativas começam a corroer o meu coração. O desafio do vidente está lançado.
A saída da gruta
Com tudo cumprido, restava-me agora sair da gruta e proceder à minha verdadeira viagem. O meu sonho estava realizado e agora faltava colocá-lo em prática. Começo a caminhar e em pouco tempo deixo para trás a câmara secreta. Creio que nenhum outro ser humano terá o prazer de entrar nela. A gruta do desespero nunca mais será a mesma depois que eu sair dela vitorioso, confiante e feliz. Volto a penetrar no terceiro cenário: as imagens dos santos permanecem intactas e parecem estar felizes com a minha vitória. O cálice está levemente caído e seco. O vinho estava delicioso. Caminho calmamente em volta do terceiro cenário e sinto a atmosfera do lugar. Realmente é sagrada, assim como a gruta e a montanha. Começo a gritar de felicidade e o eco produzido se estende por toda a gruta. O mundo não será mais o mesmo depois do vidente. Paro, repenso e contemplo a mim mesmo em todos os sentidos. Com um último beijo de despedida deixo o terceiro cenário e volto para a mesma porta da esquerda que escolhi. O caminho do vidente não será fácil, pois terá o desafio de controlar totalmente as forças opostas do seu coração e ensiná-lo aos outros. O caminho da esquerda, que foi a minha opção, representa o conhecimento e o contínuo aprendizado, as forças ocultas, o arrependimento ou a própria morte.
A caminhada torna-se exaustiva, pois a gruta é muito extensa, escura e úmida. O desafio do vidente pode ser maior do que eu penso: desafio de conciliar corações, vidas e sentimentos. Isso não é tudo: ainda tenho de cuidar do meu próprio caminho. A galeria torna-se estreita e com ela também meus pensamentos. Vem à tona a saudade de casa, da Matemática e da própria vidinha. Enfim, saudades de mim mesmo. Apresso os passos e logo estou no segundo cenário. Os espelhos quebrados representam agora as partes da minha mente que foram preservadas e ampliadas: os bons sentimentos, as virtudes, os dons e a própria capacidade de reconhecer quando se erra. O cenário de espelhos é o reflexo da minha própria alma. Esse autoconhecimento, eu vou levar para a vida inteira. Ainda estão guardadas na memória a figura da criança, a do jovem de quinze anos e a do idoso. São três das minhas muitas faces que vou preservar, pois elas são minha própria história. Despeço-me do segundo cenário e com ele deixo minhas lembranças.
Estou na galeria que conduz ao primeiro cenário. A minha expectativa de futuro e minha esperança estão renovadas. Sou o vidente, um ser evoluído e especial, destinado a fazer muitos corações sonharem. O período pós- gruta servirá de treinamento e aperfeiçoamento de habilidades preexistentes. Ando um pouco mais e já consigo vislumbrar o labirinto. Esse desafio quase me destruiu. A minha salvação foi o bruxo, um morcego que me auxiliou a encontrar a saída. Agora eu não preciso mais dele, pois com os meus poderes de vidente posso facilmente passar por ele.
Eu tenho o dom da orientação em cinco planos. Quantas vezes não nos sentimos como se estivéssemos perdidos em um labirinto: quando perdemos o emprego; quando decepcionamos o grande amor de nossas vidas; quando desafiamos a autoridade de nossos superiores; quando perdemos a esperança e a capacidade de sonhar; quando paramos de ser aprendizes da vida; quando perdemos a capacidade de dirigir o nosso próprio destino.
Lembre-se: o universo predispõe a pessoa, mas é ela que tem de correr atrás e mostrar que é digno. Foi o que eu fiz. Subi a montanha, realizei três desafios, entrei na gruta, venci suas armadilhas e cheguei ao meu destino. Ultrapassei o labirinto, e isso não me faz tão feliz, pois já venci o seu desafio. Eu pretendo buscar outros horizontes. Já caminhei uns 3 mil metros entre a câmara secreta, o terceiro e o segundo cenários e com isso sinto-me um pouco cansado. Sinto o suor escorrendo, a pressão do ar e a baixa umidade. Aproximo-me do ninja, o meu grande adversário. Ele me parece ainda desacordado. Sinto tê-lo tratado daquela forma, mas estavam em jogo o meu sonho, a minha esperança e o meu destino. O homem tem que tomar decisões importantes em situações importantes. O medo, a vergonha, as regras morais só atrapalham em vez de ajudar. Acaricio o seu rosto e tento restabelecer a vida em plenitude em seu corpo. Eu ajo assim, pois já não somos adversários, mas sim companheiros de episódio. Ele se levanta e com um comprimento ninja me felicita. Tudo ficou para trás: a luta, as nossas “forças opostas”, o idioma diferente, os objetivos distintos. Vivemos uma situação diferente da anterior. Podemos conversar, nos entender e quem sabe ser amigos. Cumpro assim o seguinte ditado: Faça do seu inimigo um ardoroso e fiel amigo. Por fim, ele me abraça, despede-se e me deseja boa sorte. Eu retribuo. Ele continuará fazendo parte do mistério da gruta, e eu, do mistério da vida e do mundo. Somos “forças opostas” que se encontraram. É esse o meu objetivo neste livro: reunir as “forças opostas”.
Continuo caminhando na galeria que dá acesso ao primeiro cenário. Eu me sinto confiante e totalmente tranquilo, diversamente de quando entrei na gruta. O medo, o escuro e o imprevisto me atemorizavam. As três portas que significavam felicidade, medo e fracasso me ajudaram a evoluir e entender o sentido das coisas. O fracasso representa tudo aquilo de que fugimos sem saber por quê. O fracasso deve sempre ser um momento de aprendizado. É nesse momento que o ser humano descobre que não é perfeito, que o caminho ainda não está traçado e é o momento de reconstrução. É isso que devemos fazer sempre: renascer. Vejam o exemplo das árvores: elas perdem as folhas, mas não a vida. Sejamos como elas: metamorfoses ambulantes. A vida exige isso. O medo é presente sempre que nos sentimos ameaçados ou subjugados. Ele é ponto de partida para novos fracassos. Supere seus medos e descubra que ele só existe em nossa imaginação.
Eu já percorri uma boa parte da galeria da gruta e, nesse exato momento, ultrapasso a porta da felicidade. Todos podem ultrapassar essa porta e se convencer de que a felicidade existe e é alcançada se estivermos completamente em sintonia com o universo. Ela é relativamente simples. O operário, o pedreiro, os serventes são felizes ao realizarem o seu mister. O agricultor, o canavieiro, os boiadeiros são felizes ao recolherem o produto dos seus trabalhos. O professor, em ensinar e aprender. O escritor, em escrever e ler. O padre, em proclamar a mensagem divina, e os menores carentes, os órfãos, os mendigos, ao receber uma palavra de carinho e afeto. A felicidade está dentro de nós e espera continuamente para ser descoberta. Para sermos realmente felizes, devemos esquecer o ódio, as intrigas, os fracassos, o medo e a vergonha.
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