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Entrevistas Do Século Breve
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Entrevistas Do Século Breve

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No fim do dia no set, aceitou falar de si mesma para Panorama , nesta entrevista exclusiva.

Ainda um grande filme, mas ainda uma história antiga que fala dos anos Vinte na China e não dos fatos da história recente...

Penso que isto dependa do fato que a China abriu as suas portas para o resto do mundo só há poucos anos. E desde que isso aconteceu, para nós também o cinema desfrutou de uma maior abertura estilística e cultural. Com certeza, a censura desempenhou, por anos, um papel decisivo ao dirigir os temas e o destino do nosso cinema. Mas, há também um motivo, mais artístico, se pode-se falar assim: muitos diretores chineses pensam que seja bom fazer filmes sobre fatos que precedem a Revolução cultural. É uma forma para reabilitar aqueles fatos e aquele passado. E talvez pensam que seja ainda cedo para levar para as telas, para o público internacional, episódios recentes, que são ainda muito recentes e dolorosos na memória de todos.

Você é a mulher chinesa mais popular no mundo. Sente a responsabilidade deste seu papel de embaixadora?

O termo embaixadora me amedronta um pouco... me parece um título grande demais para mim. Digamos que me sinto, na verdade, através dos meus filmes, uma ponte entre a nossa cultura e aquelas do Ocidente. Isto sim: porque, de fato, penso que entre vocês, não se conhece muito da realidade da China atual. E se um meu filme pode servir para fazer compreender ao Ocidente algo a mais sobre a nossa vida, sobre o nosso povo, sobre nós, então disto me sinto realmente orgulhosa.

Ultimamente, porém, a imagem da China no mundo não é das melhores: execuções em massa, orfanatos da morte... Tudo isto corresponde à verdade?

A China tem muitos problemas, isto é verdade. Principalmente, quando se olham só os eventos negativos, esquecendo aqueles positivos. Se de um país se conhecem só as distorções, é claro que a imagem que se tem é incompleta. O meu país é grande, somos mais de um bilhão de pessoas e por isso existem diferenças enormes no interior da China. E não é fácil fazer julgamentos.

Quando decidiu aceitar o papel de Ruyi em Temptress Moon?

Foi quase um acaso. Ou um destino profético, porque foi uma «tentação» também para mim. Propuseram-me no último momento, com as gravações já iniciadas, depois que uma atriz de Taiwan tinha decidido não continuar. Sabe que os críticos chineses compararam Temptress Moon com O vento levou ?

Ah, e por quê?

Não pelo conteúdo. Pela escolha dos atores. Chen viu dezenas de atores para o meu papel, assim como para O vento levou foi descartada uma atriz depois da outra antes de escolherem Vivian Leigh para o papel de Scarlett O'Hara. Assim, eu cheguei com o filme já iniciado. E não foi fácil. Queriam que interpretasse um personagem completamente diferente daqueles que faço habitualmente: aqui devo ser uma garota rica e viciada.

Hoje, o cinema chinês atravessa um momento mágico. Mérito de diretores como Kaige e de atores como você. Mas também de nomes como John Woo ou Ang Lee, que trabalham em Hollywood .

Penso que a razão esteja no fato que os diretores chineses unem uma técnica cinematográfica irrepreensível àquele fascínio e ao estilo únicos que pertencem à nossa cultura.

Como começou a representar?

Absolutamente, por acaso. Quando eu era pequena, gostava de cantar. Um dia, o meu professor de canto me disse para ir com ele ver as gravações de um roteiro para a televisão em Shandong. A diretora era uma mulher, me lembro. Quando me viu, decidiu que tinha que fazer uma parte, assim me deu para ler o roteiro. Era uma pequena parte. Mas ela disse que eu era uma atriz nata. Disse assim para a minha mãe: «Sua filha deve ser atriz». Conseguiu convencê-la e depois de dois meses entrei na escola de atuação de Pequim. Estudava duro, me lembro, comecei a fazer pequenos papéis e depois...

Você vive entre Pequim e Hong Kong. E os jornais falam da sua nova história de amor com um homem de negócios de Hong Kong. Pensa em se transferir definitivamente para lá?

Não creio. Gosto de Hong Kong porque é frenética. E é bom para fazer compras. Mas a acho aborrecida. Pequim é diferente. As pessoas se encontram pelas ruas e falam com você, conversam. Em Hong Kong, pensa-se só em fazer dinheiro.

O interesse da imprensa pela sua vida particular a incomoda?

Penso que seja inevitável. É, principalmente, a imprensa asiática que escreve com frequência coisas desagradáveis ou inventadas. Os jornais ocidentais são mais corretos.

Na China também é importante ser bonita, para uma atriz?

Você acha que eu sou bonita?

No Ocidente, é considerada um símbolo sexual .

Bem, isso me deixa satisfeita. Eu, porém, não me sinto um símbolo sexual. Talvez, possa representar a personalidade ou o fascínio da mulher chinesa, que são tão diferentes das mulheres ocidentais.

Que projetos têm para o futuro?

Gostaria de me casar e ter filhos, penso que a família seja muito importante na vida de uma mulher. E sem uma família, não se pode levar no próprio trabalho a verdade de cada dia.

E os projetos cinematográficos?

Por enquanto, não. Estou lendo muitos roteiros, mas não encontro nada que me convença. Não acho que se deva aceitar um papel só para fazer alguma coisa.

Trabalharia com um diretor ocidental?

Se tivesse uma parte adequada para mim, adequada a uma mulher chinesa, por que não?

Existe um italiano com quem gostaria de trabalhar?

Claro, Bernardo Bertolucci!

5

Ingrid Betancourt

A apaixonada dos Andes

Cara Dina, eis a parte com box a seguir. Espero que tudo esteja bem. Hoje (segunda, 11) tomarei o avião de Tóquio para Buenos Aires, onde chegarei amanhã, 12 de fevereiro. Daí em diante, poderei ser encontrado no satelitar, mesmo nos dias de “navegação” antártica. Estarei de novo na Argentina por volta de 24 de fevereiro, depois seguirei para Bogotá, onde terei que encontrar a Bentacourt nos primeiros dias de março.

Faça-me saber se lhe interessa.

Até logo

Marco

Com este e-mail, que encontrei em um velho computador, no início de fevereiro de 2002 escrevia para Dina Nascetti, uma das minhas chefes no Espresso, para informá-la dos meus movimentos. Tinha estado no Japão para uma reportagem sobre o túmulo de Jesus

e me preparava para enfrentar uma longa viagem, que me teria levado para longe de casa por quase dois meses. O destino final era o limite geográfico extremo: a Antártida.

Ao longo da estrada, previa uma parada na Argentina, para uma reportagem sobre a gravíssima crise econômica que assolava o país sul americano naqueles meses e depois, no caminho de volta, a Colômbia, onde deveria ter que entrevistar Ingrid Betancourt Pulecio, a política colombiana e militante dos direitos humanos. Na realidade, cheguei alguns dias antes do previsto em Bogotá. E foi - pelo menos para mim - uma sorte. Encontrei a Betancourt no dia vinte e dois de fevereiro e, exatamente, vinte e quatro horas depois enquanto viajava de carro para Florença, Ingrid Betancourt desapareceu no nada, pelos lados de San Vicente del Caguan. Sequestrada pelos guerrilheiros das farc , foi mantida como refém por quase seis anos.

Se tivesse chegado na Colômbia só no dia depois, nunca a teria encontrado.

*****

Os cabelos castanhos soltos sobre os ombros. Os olhos escuros, de verdadeira colombiana. No pulso, uma pulseira de âmbar. E os lábios que não sorriem quase nunca.

Tem poucas ocasiões para sorrir Ingrid Betancourt, quarenta anos bem cuidados, cinquenta quilos bem distribuídos em um metro e setenta, hoje candidata ao incômodo cargo de presidente da República do país mais violento do mundo, a Colômbia. Um lugar onde todos os dias se contam em média setenta homicídios. Onde, há quarenta anos, se combate uma guerra que desde 1990 até hoje fez trinta e sete mil vítimas civis. Onde são sequestradas, mais ou menos, dez pessoas a cada vinte e quatro horas. Um país que se orgulha do recorde de primeiro produtor no mundo de cocaína e do qual, nos últimos três anos, fugiu mais de um milhão de pessoas.

Entretanto, não se passaram muitos anos desde quando a mesma mulher que hoje se senta em frente a mim, em um anônimo apartamento super secreto e super blindado no centro de Bogotá, colete a prova de balas e olhar nervoso, sorria serena, deitada em uma praia das Seychelles, sob o olhar indulgente do padre Gabriel de Betancourt, diplomático francês belo, culto e inteligente, enviado para trabalhar naquele canto do paraíso depois dos anos difíceis passados na Colômbia.

Exatamente vinte e quatro horas depois desta entrevista, enquanto viajava para Florença, Ingrid Betancourt desapareceu, pelos lados de San Vicente del Caguan, no limite da área mais avançada de penetração das tropas colombianas contra os rebeldes da farc . Junto a ela, desapareceram uma cinegrafista e um fotógrafo franceses que a acompanhavam para documentar a sua arriscada campanha eleitoral. E tudo deixa pensar que se trata de um rapto.

Uma representação dramática que, paradoxalmente mas não demais em um país cruel como a Colômbia, «aumenta de vez as possibilidades da sua eleição», como observa pragmaticamente um que entende de acontecimentos colombianos, Gabriel Marcela, professor na Escuela de Guerra.

Ingrid Betancourt Pulecio, tinha voltado para este inferno, espontaneamente. E não ao ocaso da vida mas, com trinta anos, em 90.

Ex-deputada, atualmente senadora, funda um partido que se chama Oxigeno Verte , «para levar ar limpo para a política colombiana, doente de corrupção», explica séria. O slogan diz: «Ingrid es oxigeno». E na foto, está ela, com uma máscara antipoluição e calças coloridas. Com cento e sessenta mil preferências, é a mais votada do País. Ninguém porém, talvez, falasse hoje dela se não fosse pela autobiografia que sai exatamente nestes dias também na Itália. O título não deixa dúvidas sobre o caráter da autora: «Provavelmente amanhã, irão me matar».

Um tanto teatral, talvez?

«A edição francesa se intitulava La rage au coeur – La rabbia nel cuore » ela se defende. «Mas os editores italianos queriam um título mais forte, assim escolhemos este. De resto é assim que me sinto e é isto que penso todas as manhãs, quando me acordo e todas as noites, antes de adormecer. E não acho que existe nada de especialmente heroico. A probabilidade de ser mortos amanhã é uma perspectiva muito real e muito presente para uma grande parte da população deste país».

Os jornais a descreveram quase como uma santa. Paris Match a chamou “A mulher na mira”. Libération “Uma heroína”. Le Figaro , “A Apaixonada dos Andes”. Le Nouvel Observateur escreveu que «se Simon Bolívar, o libertador da América Latina, tivesse podido escolher um herdeiro para ele, a teria escolhido».

Os jornais colombianos, em vez disso, zombaram dela um pouco. A Semana , primeiro jornal semanal de informações do País, a colocou na capa com o título “Juan de Arco” (Joana D'Arc) e uma fotomontagem onde aparece na versão de Donzela de Orleans, cavalo, armadura e lança em riste. Na realidade, o livro é muito mais comedido e seco do título que leva e nas suas críticas. Ingrid não esconde ser uma privilegiada. Filha da elite, conservou certos luxos: andar a cavalo uma vez por semana em uma fazenda, colocada à disposição por amigos, por exemplo.

De resto, porém, as ideias não lhe faltam, e não tem papas na língua para exprimi-las. «A farc , Fuerzas Armardas Revolucionarias de Colombia, primeiro grupo guerrilheiro do país, em 1998, de acordo com cálculos prudentes, podia contar com financiamentos anuais iguais a trezentos milhões de dólares, na maioria proveniente dos “financiamentos” de narcotraficantes e das rendas dos sequestros de pessoas e das extorsões. Hoje sabemos que podemos contar com um valor anual que chega quase a meio bilhão de dólares, enquanto os seus quadros passaram de quinze mil a vinte e um mil. Esta situação» ele explica, «coloca o estado colombiano em uma situação de total desnível de forças nos confrontos da guerrilha. Para obter resultados decisivos calculamos que o governo deveria poder colocar em campo de três a quatro militares bem treinados para cada guerrilheiro, enquanto hoje pode ao máximo mobilizar uma proporção de um, no máximo, dois soldados para cada membro da farc . E tudo isso com um esforço econômico que, ainda, para o meu país, é quase sobre-humano. Calcula-se que desde 1990 o custo da repressão quase que foi decuplicado. E, se no início, representava um por cento do produto interno bruto, hoje supera a cota de dois por cento e alcançou, afinal, o astronômico valor de mil milhões de dólares norte-americanos».

Uma exaltada, como a descrevem os seus inimigos ou uma mulher que quer fazer alguma coisa para o seu País, como diz ela? Os círculos da política em Bogotá esnobam da sua candidatura. Mas, lá no fundo, a temem. Omar, o chefe dos seus gorilas, diz: «Neste país, quem é honesto arrisca-se pagar com a morte.» E ela responde: «Não tenho medo de morrer. O medo a torna mais aguçada».

O primeiro ponto da sua campanha eleitoral é a luta contra a corrupção. O segundo, há a guerra civil: «O Estado deve tratar com os guerrilheiros de esquerda sem sujeições», conclui «tomando distância das AUC, os paramilitares de direita, que são responsáveis pela maior parte dos homicídios no País».

Mas como se faz para conviver todos os dias com as ameaças e o medo?

«Talvez se torne também este um hábito. Um hábito horrível. Outro dia» conclui tranquila, «abrindo a correspondência, encontrou a foto de um menino esquartejado. Embaixo, estava escrito: “Senhora senadora, para a senhora, os assassinos já os pagamos. Para o seu filho, reservamos um tratamento especial…”».

6

Aung San Suu Kyi

Prêmio Nobel da Paz 1991

Livre do medo

No dia seis de maio de 2002, em seguida às fortes pressões da onu , foi liberada Aung San Suu Kyi. A notícia rodou o mundo, mesmo se a sua liberdade foi de breve duração. Em trinta de maio de 2003, enquanto estava a bordo de um trem com muitos apoiadores, um grupo de militares abriu fogo massacrando muitas pessoas e foi só graças à prontidão de reflexos do seu motorista o Kyaw Soe Lin que Aung San Suu Kyi conseguiu se salvar, mas foi de novo colocada em prisão domiciliar.

No dia depois da sua liberação de maio de 2002, através de alguns contatos que tinha com a dissidência birmanesa, conseguiu fazer-lhe chegar uma série de perguntas para uma entrevista “à distância” via e-mail.

*****

Às dez da manhã de ontem, silenciosamente, os guardas que estacionavam em frente à residência de Aung San Suu Kyi, líder da dissidência democrática birmanesa, voltaram ao seu quartel. Assim, com um movimento de surpresa, a junta militar de Rangoon revogou as restrições à liberdade de movimento da líder pacifista, “a Senhora” como a chamamos simplesmente na Birmânia, prêmio Nobel da Paz em 1991, em prisão domiciliar do distante vinte de julho de 1989.

Das dez da manhã de ontem, então, depois de quase treze anos, Aung San Suu Kyi está livre para sair da Casa no lago, de se comunicar com qualquer pessoa, de fazer política, de ver os seus filhos.

Mas, realmente acabou o terrível isolamento da “apaixonada birmanesa”? A oposição no exílio não acredita ainda às altas declarações da junta militar que declarou liberá-la sem condições.

Incrédulos, os exilados birmaneses esperam. E rezam. Desde ontem, de fato, a diáspora birmanesa convocou manifestações de orações em todos os templos budistas da Tailândia e da Ásia Oriental.

Ela, a Senhora , assim que voltou em liberdade não perdeu tempo. Alcançou logo de carro o quartel geral do seu partido, aquela Liga nacional pela democracia ( lnd ), que nas eleições de 1990, obteve uma esmagadora vitória (oitenta por cento dos votos), enquanto o Partido do governo da unidade nacional se adjudicou apenas dez cadeiras de 485. O governo militar anulou o resultado das eleições, proibiu as atividades da oposição, reprimiu violentamente as manifestações das praças e os líderes da oposição foram presos ou exilados. O parlamento nunca foi convocado.

A edição italiana da sua autobiografia se intitula “Libera dalla paura”. Sente-se assim, agora?

Agora, pela primeira vez há mais de dez anos, me sinto livre. Fisicamente livre. Livre principalmente para agir e pensar. Como explico no meu livro, são muitos anos afinal que me sentia "livre do medo". De quando tinha entendido que os abusos de poder da ditadura aqui no meu país podiam nos ferir, humilhar, até nos matar. Mas não podiam mais nos amedrontar.

Hoje, assim que foi libertada, logo declarou de não ter sido submetida a condições e que a junta militar no poder a autorizou a ficar também no exterior. Acredita nisso realmente?

Um porta-voz da junta, em um comunicado por escrito anunciado ontem à noite, anunciou a abertura “de uma nova página para o povo de Myanmar e para a comunidade internacional”. Nos últimos meses, foram liberados centenas de prisioneiros políticos e os militares me garantiram que continuarão a liberar aqueles que - eles dizem – «não representam um perigo para a comunidade». Todos aqui querem acreditar, querem esperar que isto seja realmente o sinal da mudança. A retomada daquele caminho para a democracia interrompida bruscamente com a violência com o golpe de Estado de 1990. Mas nunca esquecida no ânimo do povo birmanês.

Agora que foi liberada, não teme ser expulsa, afastadas pelos seus sustentadores ?

Deve ficar claro que eu não irei embora. Eu sou birmanesa, renunciei à cidadania britânica exatamente para não oferecer desculpas ao regime. Não tenho medo. E isso me dá força. Mas o povo tem fome, por isso tem medo e assim se torna fraca.

Você, por mais vezes e com força, denunciou as intimidações dos militares contra os simpatizantes da Liga para a democracia. Tudo isso continua ainda hoje?

De acordo com os dados em nossa posse, só em 2001 o exército deteve mais de mil militantes da oposição por ordem dos generais do slorc . Muitos outros foram obrigados a demitir-se da Liga depois de ter sofrido intimidações, ameaças, pressões ilegais para as quais não existe nenhuma justificação. A estratégia de ação é sempre a mesma, capilar: unidade de funcionários estatais espalhados em todo o território nacional vão “porta à porta” para as casas pedindo aos cidadãos para deixar a Liga . As famílias que se negam são chantageadas com o espectro da perda do trabalho e, com frequência, com ameaças explícitas. Muitas seções do partido foram fechadas e todos os dias os militares controlam o número de quantos se demitiram. Isto demonstra quanto medo ele têm da Liga . A esperança neste momento é, para nós todos, que tudo isso tenha realmente acabado.

A virada de hoje, o acontecimento da sua liberação, a colheu de surpresa ou se tratou de algo atentamente preparado e estudado pelos militares por questões de “imagem” internacional?

De 95 até hoje, o isolamento da Birmânia pouco a pouco se desfez, o Ateneu de Rangoon foi reaberto e talvez o nível de vida melhorou levemente; mas a história da Birmânia continua a se desenvolver no quotidiano feito de violências, ilegalidades e abusos tanto contra os dissidentes quanto contra as minorias étnicas (Shan, We, Kajn) na busca de autonomias e, em geral, contra a maior parte da sua população. Os militares estão sempre mais em dificuldades, tanto no plano interno quanto naquele internacional. Neste ínterim, continuam a traficar droga, a menos que não consigam substituir esta rentável fonte de renda com uma outra, igualmente lucrativa. Mas qual? A nação é praticamente um imenso cofre do qual só o exército conhece a combinação. E não será fácil convencer os generais a dividir esta riqueza com os outros cinquenta milhões de birmaneses.

A este ponto, quais são as suas condições para começar o diálogo ?

Não aceitaremos nenhuma iniciativa - fala-se também de eleições convocadas pelos generais - até que seja reunido o Parlamento eleito em 90. O meu País continua dominado pelo medo. Não haverá paz verdadeira até que não existirá um verdadeiro empenho que honra todos aqueles que lutaram por uma Birmânia livre e independente, mesmo se com a grande consciência que paz e reconciliação não possam ser alcançadas uma vez por todas e por isso é necessária uma vigilância sempre mais atenta, maior coragem e a capacidade de desenvolver em nós mesmos a verdadeira resistência ativa e não violenta.

O que pode fazer a União Europeia para ajudar o povo birmanês?

Continuar a fazer pressão, porque os generais devem saber que o mundo olha para eles e que não podem cometer impunemente outros atos vergonhosos.

*****

Finalmente, no dia treze de novembro de 2010, Aung San Suu Kyi foi definitivamente solta. Em 2012, obteve uma cadeira no parlamento birmanês e no dia dezesseis de junho do mesmo ano, pode receber o prêmio Nobel pela Paz. Como o governo lhe concedeu finalmente a permissão de ir para o exterior, foi para a Inglaterra, para se encontrar com o filho que não via há anos.

Em seis de abril de 2016, se tornou Conselheira de Estado (Primeira Ministra) de Myanmar.

A Birmânia, hoje Myanmar, não é ainda um país completamente livre e o passado ditatorial pesa na história e no futuro da nação. Mas algo mais de uma esperança de liberdade e democracia se abriu afinal no país dos Mil Pagodes.

7

Lucia Pinochet

“ Asasinar, torturar y hacer desaparecir ”

Santiago do Cile, março 1999 .

«Pinochet? Para os clientes é como um câncer. Um mal obscuro..., doloroso. Nós sabemos que o temos, mas temos medo até de falar nele, pronunciar o seu nome. Assim acabamos em fazer de conta que não existe. Talvez esperamos que ignorando-o, este mal vá embora sozinho, sem termos que enfrentá-lo...». A moça que serve às mesas do Cafè El Biografo , ponto de encontro de poetas e estudantes, no Barrio pitoresco de Bellavista em Santiago, o bairro dos artistas e dos velhos restaurantes, com as suas casas coloridas, terá um pouco mais de vinte anos. Talvez ainda nem tivesse nascido quando o general Augusto Pinochet Ugarte, o “Senador vitalício”, como o chamam aqui, ordenava “asasinar, torturar y hacer desaparecir” os seus opositores - como gritam os familiares dos mais de três mil desaparecidos - ou enquanto providenciava com punho de ferro “liberar o Chile da ameaça do bolchevismo internacional”, como garantem os seus admiradores. Porém é ela mesma a querer falar-me de Pinochet e tem as ideias claras: «Tudo aqui é Pinochet. Prós ou contras, mas em cada aspecto da vida do Chile existe ele, o general. É na política, claro. É na memória de todos, nos contos dos meus pais, nos discursos dos professores na escola. E é nos romances, nos livros... no cinema. Sim também o cinema, aqui no Chile, se faz prós ou contras Pinochet. E nós continuamos a fazer de conta que não existe...».

Já, este ancião senhor obstinado, que enfrenta “com dignidade de soldado” a justiça britânica («...pobre velho!» sussurrou-me no ouvido o porteiro do “Circulo de la Prensa”, onde os fidelíssimos do Senador vitalício , nos anos obscuros da ditadura militar, vinham “retirar” os jornalistas irritados, exatamente atrás do palácio da Moneda onde morreu Salvador Allende, perseguido pelo golpe do General), esse “pobre velho” que aliás, no Chile do Terceiro milênio, se torna um colosso incômodo, que ocupa com os seus cais cada bairro, cada esquina, cada rua dessa cidade, Santiago, que aparece como incerta, dobrada sobre si mesma.

E depois é ele a memória vívida deste País, uma memória imensa, invasora, embaraçosa para os seus sustentadores e que incomoda aos seus difamadores. Uma memória que se expande pegajosa como um blob nas vidas, nas esperanças e dores, no passado e no futuro dos chilenos.

Em outubro de 1998, ao se tornar senador, poucos meses depois do abandono do papel de chefe do exército, enquanto estava em Londres para alguns tratamentos médicos, Pinochet é preso e colocado em prisão domiciliar. Antes na clínica, na qual tinha acabado de sofrer uma intervenção cirúrgica na coluna, depois em uma residência em locação.

O mandato de prisão internacional foi assinado por um juiz espanhol, Baltasar Garzón, por crimes contra a humanidade. As acusações incluíam quase cem casos de tortura contra cidadãos espanhóis e um caso de conspiração por cometer tortura. A Grã Bretanha tinha recentemente assinado a Convenção internacional contra a tortura e todas as acusações eram por fatos ocorridos nos últimos quatorze meses do seu regime.

O governo do Chile se opôs logo à prisão, à extradição e ao processo. Foi iniciada uma dura batalha legal na Câmara dos Lordes, o órgão máximo jurisdicional britânico, que durou dezesseis meses. Pinochet reivindicou a imunidade diplomática como ex-chefe de Estado, mas os Lordes a negaram em consideração à gravidade das acusações e concederam a extradição, mesmo com vários limites. Pouco tempo depois, porém uma segunda pronúncia dos mesmos Lordes permitiu à Pinochet evitar a extradição por causa das suas precárias condições de saúde (tinha oitenta e dois anos no momento da sua prisão), por motivos definidos “humanitários”. Depois de alguns acertos sanitários, o então ministro do exterior britânico Jack Straw permitiu à Pinochet, depois de quase dois anos de prisão domiciliar ou na clínica, voltar para o seu País, em março de 2000.

Durante este intricado caso legal internacional, no fim de março de 1999, fui à Santiago para acompanhar a evolução da situação para o jornal Il Tempo , e para encontrar a filha mais velha do Senador vitalício , Lucia. A Câmara dos Lordes tinha acabado de negar a imunidade à Pinochet e o avião que – na esperança da família e dos apoiadores do general - deveria levá-lo de volta ao Chile, chegava sem ele.