
Полная версия:
O Mistério Do Lago
Tal foi o susto que pensei que algumas pessoas haviam me visto e que haviam se incomodado, e que de alguma maneira eu provocara um escândalo e que deveria ir embora dali.
Olhei rapidamente para todos os lados, meu coração ainda estava apreensivo, mas não vi ninguém, e não tinha ideia de onde vinha aquele barulho contundente. Eu estava sozinha naquele lugar, sentada na pedra sem ninguém por perto quando aquela sensação voltou, talvez até mais forte.
Agora eu estava bem atenta, mas não conseguia descobrir de onde vinha, e se eu não soubesse que era impossível acharia que alguém estava batendo na rocha por baixo, porque eu podia sentir o tremor.
Fiquei um pouco preocupada com isso, me mantive em alerta, olhei para todos os lados, sem identificar nada de diferente, me preparei para sair de lá às pressas quando acontecesse de novo, é como se a rocha estivesse oca e a tivessem atingido com violência; mas não podia ser, não havia ninguém lá e rocha me parecia sólida.
Naquele exato momento, talvez por reflexo, olhei para o lago para ver se havia ondas na superfície em decorrência do tremor, como acontece quando uma pedra é lançada na água, e percebi que algo muito estranho estava acontecendo, a superfície que até aquele momento permanecia calma e imóvel, parecia estar abaulada e começava a afundar no centro. É como se tivessem retirado a tampa de uma banheira e o ralo drenasse com força, mas a calma do lago não foi interrompida por muito tempo, o formato côncavo se sustentou apenas por alguns segundos e depois voltou ao estado normal.
Tal percepção me deixou alarmada, não entendia o que estava acontecendo, erai a primeira vez que via algo assim, como se algo debaixo da terra se deformasse e refletisse na superfície.
Assustada com o que ouvi e vi, corri em direção à cidade, não muito longe, tão destrambelhada que quase caí da boca ao descer das pedras grandes, mas consegui impedir a queda no último instante ou meu rosto ficaria gravado no solo. Depois de me levantar, e sem me importar com as mãos machucadas pelo acidente, continuei correndo, a respiração entrecortada, não ousei olhar para trás.
Corri o mais rápido possível nos trechos que serviam de rua, mesmo correndo o risco de cair de novo, sem saber o que estava procurando, explicações ou abrigo.
Procurei em todos os lugares para ver se encontrava um morador para pedir ajuda, porque afogada pelo esforço não conseguia produzir o menor som que pudesse soar como um pedido de ajuda. Mas, apesar de me afastar daquele lago o mais rápido que podia e desse estranho perigo, eu ainda tinha aquela sensação avassaladora de que não estava bem.
Como pude, continuei correndo para onde ficavam as casas e, quando cheguei, não vi ninguém, algo ainda mais estranho, porque, quando saí, havia cerca de uma dúzia de vizinhos, entre os que andavam de um lugar para outro e os que sentavam-se tomando banho de sol na tranquilidade, mas agora, agora… tudo estava deserto.
Talvez eles estivessem tão assustados como eu e se trancaram em suas casas, refugiando-se, esperando que acabasse, fosse o que fosse, eu não tinha tempo para mais nada, nem queria descobrir esse mistério, estava mais preocupada em me salvar.
Cheguei na casa de quem me recebera na noite anterior, cujo dono estava preparando a comida quando saí; era um homem velho, que os vizinhos me disseram, à minha chegada, ser o único que possuía um quarto vago, porque sua filha havia deixado a cidade há muito tempo, havia se apaixonado em uma viagem de estudos. Então a casa dele se tornou uma pousada improvisada, onde eu poderia ficar o tempo que precisasse.
Procurei por ele em todos os cômodos e não consegui encontrá-lo, seja na cozinha ou em qualquer outro lugar, o que me deixou muito mais nervosa, pois pensei que estaria segura ali, mas agora também duvidava que assim fosse.
Corri para o meu quarto e fui imediatamente para a cômoda. Eu procurei ansiosamente entre as gavetas sem encontrar o que estava procurando em meus pertences. Abri as pequenas portas com a chave que permanecia na fechadura e, procurando nos meus pertences, por fim encontrei minha mochila.
Respirei fundo, olhei dentro, esperançosa, atrás do pequeno aparelho que poderia salvar minha vida, o telefone celular e ligar para a emergência.
Eu nem me lembro de ter tido esse necessidade antes, porque tive a sorte de nunca me envolver uma situação que a gravidade demandasse tal auxílio, pelo menos não desde que comprei um, pensei enquanto um véu grosso era tirado de minhas lembranças, trazendo-me momentos amargos à tona. Uma vida que eu havia me esquecido.
Assustada, perdida e agora entristecida, eu não conseguia me acalmar o suficiente para me acostumar com aquilo, apalpei todos os lugares até apertar o botão de ligar, digitei a senha e depois, fiquei parada, imóvel, não tinha certeza de que era capaz de encontrar uma explicação para a situação estranha que estava vivenciando.
Mal havia pressionado os três números, pensei ter ouvido o primeiro toque, o segundo… mas não era o que estava acontecendo. Olhei para a tela e vi a inexplicável mensagem de “Fora da área de cobertura”.
Não se dizem que funcionam no mundo todo? Contrariada, desliguei e voltei a tentar outra vez, esperando obter um resultado diferente, mas a mesma mensagem voltou à tela.
Tremendo, tentei ligar para qualquer número da minha lista, tentei entrar em contato com qualquer pessoa que pudesse pedir ajuda, mas nada, a mesma mensagem.
Eu estava com tanto medo, pois até então, sempre que eu usava o telefone, havia alguns amigos do outro lado com quem eu podia compartilhar meus momentos bons ou ruins, mas agora, que eu tanto precisava, não havia ninguém.
Irritada, joguei o aparelho na cama com desprezo, e tentei deixar a casa para seguir a outro lugar mais seguro, na corrida frenética que só fora interrompida pelos breves minutos que tentei usar o telefone.
Eu quase caí quando cheguei à rua de paralelepípedos, quando pensei ter reconhecido um grande edifício branco, que se destacava em altura em meio às demais casas por conta de seu campanário. Eu corri, meu corpo envolto em suor e a respiração acelerada, queria me refugiar naquele templo, onde supus que sempre deveria haver alguém, em uma celebração ou apenas rezando.
À medida que me aproximava, suas dimensões aumentavam e, com muita estranheza, eu me senti mais calma e segura, tanto que até diminuí o passo antes de chegar às portas.
Puxando os anéis que ficavam no centro das grandes portas, abri-as depressa e entrei em busca de um dos moradores locais, porque o susto que havia sentido no lago havia se tornado uma estranheza e depois em medo pela ausência de qualquer vida naquela cidade.
E para minha surpresa também não havia ninguém lá, depois de inspecionar o confessionário, corri por entre os bancos e fui à sacristia para ver se pelo menos o padre estava lá, mas também não o encontrei.
Sozinha, exausta e assustada, parada no meio da igreja, minhas forças me derrotaram e deixei meu corpo cair, como chumbo, em um daqueles bancos longos. Chorando de nervosismo, com as mãos machucadas pela queda, fiquei onde estava, tremendo pelo esforço feito.
E naquele momento de desespero, com fiz tantas vezes quando era criança, olhei para o Cristo, que havia sido pregado na cruz, e estava pendurado no alto do teto, suspenso sobre o altar. Inspirei fundo, fechei os olhos devagar e me preparei para rezar e pedir por ajuda, quando de repente… senti que algo ou alguém estava tocando meu ombro enquanto ouvia,
— Acorde, senhora! Está na hora de comer. — sussurrou uma voz rouca, falhada pela passagem do tempo.
— O quê? Onde? O que aconteceu? — perguntei, intrigada quando me recuperei, olhando em volta.
Depois de alguns segundos, quase o suficiente para me recompor, percebi que tudo havia sido uma espécie de sonho, embora parecesse mais um pesadelo, porque eu estava sentada em frente ao lago, na mesma pedra em que fiquei por horas, aquela pedra que antes me pareceu oca.
Olhei em volta e não vi nada no lago, nenhuma imperfeição em sua superfície e do outro lado, a cidade e seu povo à distância, esse morador ao meu lado, e era o homem que me havia recebido em sua casa que agora me avisava que a comida estava pronta.
Não sabia o que dizer, porque não conseguia entender o acontecido, não me lembrava de ter passado por tal experiência antes, nada que pudesse ser comparado. Bem, sonhava como todo mundo, mas tudo havia sido tão real que fiquei surpresa por não ter de fato acontecido, mas é claro que não poderia ter me vindo tão rápido da igreja até aqui, então aceitei que era sonho.
Olhei para as mãos e não havia vestígios dos hematomas que arrumei ao descer da pedra, inspecionei minhas roupas e não havia a menor sugestão da queda, apesar de sentir uma estranha aceleração na respiração.
Toquei uma das carótidas com a mão, as artérias que percorrem a face externa do pescoço de cada lado e que costumamos sentir para medir o pulso. Depois da contagem de um minuto, percebi que estava acelerado demais. Quase excessivo. Isso poderia explicar por que eu estava encharcada de suor, apesar de tudo indicar que eu não havia saído daquela rocha.
Depois de me certificar de que tudo estava como antes do sonho, desci com cuidado daquela rocha, para evitar cair e fui com o homem até a cidade. Fiquei tão feliz por poder ver alguém que me dava a sensação de segurança, de modo que, durante todo o caminho de volta, eu o segurei pelo braço, algo que o homem não parece ter se importado, porque não fez nenhum gesto de desaprovação, pelo contrário, parecia feliz com a minha decisão.
Apesar da intensa e detalhada experiência que tive, eu não sabia se deveria contar a alguém, quem iria acreditar em mim? Nem meus amigos entenderiam tudo o que eu havia sentido naqueles momentos de grande solidão e desespero.
Havia tantas emoções e memórias vívidas que eu me senti estranha. O sonho havia despertado sentimentos que eu pensava terem sido esquecidos e outros da infância que considerava perdidos no tempo.
A angústia vital causada pela solidão, por não encontrar quem me entendia e compreendia; o desespero para encontrar uma saída, de fazer o meu caminho na vida, apesar dos muitos obstáculos e preconceitos que tive que superar; a dor da perda abandono dos entes queridos; a devoção religiosa em que fui educada e que não pratiquei mais… tantas emoções vieram ao presente como um dilúvio sem poder entender o motivo disso.
Mesmo com essas sensações à todo o vapor, quando chegamos ao chalé, larguei o braço daquele homem e fui depressa ao meu quarto fazer aquilo que fiz durante o sonho de instantes antes, pegar meu telefone.
Tirei da mochila, liguei, disquei o número de emergência, e o coloquei no ouvido. Um toque, dois toques…
— Bom dia, emergência, como podemos ajudá-lo? — era a voz de uma mulher de meia idade do outro lado da linha.
Fiquei surpresa pela saudação, suponho que seja o que deveriam dizer, mas, como já havia tentado sem sucesso, nem sequer havia preparado o que dizer.
— Desculpe, estava testando o aparelho. — respondi hesitante. Não aconteceu nada, desculpe.
Dito isto, desliguei sem dar tempo para que a senhora me dissesse mais alguma coisa, coloquei o telefone no peito e respirei fundo. Fiquei tentada a ligar para um de meus amigos, mas não vi a necessidade de incomodá-los apenas para ouvir a voz de um deles, pois já havia verificado que o celular funcionava bem, sinal forte a e boa comunicação com o mundo exterior.
Depois de trocar de roupa, fui para a cozinha, onde o homem havia me deixado um prato de comida pronto, surpresa com a atitude de ir me buscar para comermos juntos.
— Muito obrigada, mas fiquei com fome enquanto preparava. — disse o homem, recusando meu convite.
Dito isto, ele pegou uma cadeira e saiu de casa para ficar ao lado da porta e, sentando-se sossegado, começou a aproveitar o sol, me deixando sozinha na cozinha para que eu pudesse comer.
Embora o café-da-manhã tivesse sido bastante escasso, a comida de agora parecia desproporcional. Além de outro pedaço do mesmo pão duro, havia o que parecia uma sopa de legumes, embora parecesse água com pedaços quase transparentes de cebola flutuante.
Nada a ver com a multiplicidade de vegetais esmagados, como cenoura, tomate, cebola, pimentão ou couve-flor, que poderiam estar ali para torná-la uma verdadeira sopa juliana e não um caldo simples de cebola. Deveria ser um consomê típico da região ou algo assim.
Então, em vez de uma salada abundante e brilhante, com todos os tipos de vegetais cortados em pedaços grandes, com alface, pimentão, pepino, tomate, cebola, cenoura e salsa, havia apenas uma pequena escarola com azeite
No prato principal, por mais que eu chafurdasse, não havia sinal de nada, nem um bife feito na grelha, nem peixe fresco fumegante e grelhado, ou nem mesmo um ensopado simples com linguiça e bacon.
E ainda por cima, não vi nada para a sobremesa, apesar de gostar de uma fonte colorida de uma variedade de frutas de todas as cores imaginadas, com peras, maçãs, laranjas, tangerinas, bananas, damascos, pêssegos, uvas, melancias, melões, abacates, nêsperas, cerejas, morangos, cerejas, figos… ou qualquer outro fruto selvagem, mas não havia nada.
Acho que o homem também comeu pouco, pois para compensar a escassez, encontrei um punhado de pinhões, como se fossem um pedido de desculpas ou algo parecido.
Acredito que foi por causa da minha chegada imprevista àquela cidade que meu anfitrião se viu obrigado a improvisar e não tivesse alimentos suficientes para me receber, como seria normal em outra hospedagem. Mas, em vez de comprar outra coisa para me oferecer, ele estava sentado pacificamente ao lado da porta, então, temo que ele não tenha muito interesse em resolvê-la, então prevejo um jantar bem ralo à minha espera esta noite.
Embora fosse possível, que esta era a única coisa que comiam nesta cidade, por ser tão alto e com uma terra tão austera e cheia de pedras, talvez fosse difícil para o campo produzir qualquer coisa.
Não seria de esperar que eles pudessem tirar muito proveito daquelas árvores circundantes, além dos pinhões, pois não era lugar propício à árvores frutíferas.
Além disso, estando tão isolados e sem uma estrada adequada, seria muito difícil chegar cargas com regularidade e, portanto, se acostumaram a lidar com a escassez, a fim de sobreviver entre cada distribuição.
Com uma dieta como essa, não me surpreende que os habitantes desta cidade pareçam tão bem de saúde, porque, apesar da idade que aparentam, se movem com bastante agilidade, tanto que podem até competir comigo.
O dono da casa, que apenas alguns minutos atrás havia me deixado na cozinha, me trouxe tão rápido desde a rocha que eu quase pensei que estávamos competindo. Um passo constante e acelerado que me custou para seguir de braços dados com ele. Ele manteve o ritmo durante a caminhada sem mostrar sinais de fadiga.
Algo me incomodava com essa situação, de que a comida rala era me dada de forma intencional para eu não me recuperar e continuar com minha viagem. Poucos alimentos que, apesar de bem preparados, não eram um manjar para os olhos.
Eu era uma daquelas pessoas que, mesmo sem comer demais, precisavam da ingestão de muitos nutrientes diariamente, não poderia faltar frutas e legumes em meu prato, e mesmo assim nunca ganhei peso.
Minha figura, quase estilizada, não era o resultado de uma daquelas dietas que costumam ser seguidas pelas modelos, na qual elas se alimentam de um único alimento, seja uma fruta ou vegetal, apenas ele quantas vezes você desejar por dia, como a dieta de bananas, maçãs ou melões.
A esse respeito, ouvi dizer que, embora aparentemente os resultados desejados possam ser alcançados, pois perdemos rapidamente muitos quilos, a descompensação que ocorre no corpo através da remoção de substâncias necessárias para o bom funcionamento pode levar a problemas, até graves, para a saúde.
Também não sou uma dessas mulheres que passam horas e horas na academia, tentando queimar qualquer indício, por menor que seja, do acúmulo de gordura que poderia ser produzido. Além disso, eu não teria paciência suficiente para realizar exercícios com pesos todos os dias, apesar das mudanças por causa dos grupos musculares trabalhados; nem acredito que seria capaz de cumprir um desses circuitos exaustivos, nos quais a cada cinco minutos você deve passar de um dispositivo para outro, que, se você andar pela esteira pela primeira vez, depois pedalar com a bicicleta, então… exercitar o maior número de músculos do corpo em um único dia; eu não conseguia nem terminar uma só com sucesso, e sem me perder pela metade, uma daquelas sessões de aeróbica ou em qualquer uma das modalidades modernas que surgiram com base no mesmo princípio de realizar numerosos movimentos coordenados no menor tempo possível e tudo frente ao espelho.
Sou simplesmente assim, uma mulher delgada, como toda a minha família, então suponho que tenha muito a ver com a genética. Portanto, manter a linha sempre foi algo que nunca me preocupou em excesso, ao contrário de alguns de meus amigos, que estão sempre discutindo o mesmo tópico, analisando o que podem comer ou não e quantas calorias tem em cada refeição, quais alimentos comer para saber se não vão exceder o máximo permitido por dia.
Também acho que ajuda a me manter em forma o fato de que quase todo fim de semana vou fazer caminhadas nas montanhas e, por qualquer motivo, não me apetece ir tão longe, ou se está chovendo e com mau tempo, faço uma rápida sessão de caminhada na pista coberta do centro esportivo ao lado de minha casa.
Um pouco de exercício sempre me ajuda a me sentir bem comigo mesma e, se puder ser no meio da natureza melhor ainda, é algo que me revitaliza e me enche de energia, expelindo do meu corpo qualquer toxicidade que possa ter acumulado durante meu dia de trabalho.
Mas eu não como fora de hora, nem petisco já que tento trazer algum equilíbrio para a vida, valorizo o que faço e como, guiada por essa máxima nutricional que gosto de lembrar pelo menos uma vez por dia, “mens sana in corpore sano”, cuja tradução seria “mente saudável e corpo saudável”.
Apesar de ter tido provas, em mais de uma ocasião, que eu posso comer qualquer coisa, proteína, carboidratos ou gorduras, pois tudo se queima rapidamente com minhas atividades diárias. E se restava alguma reserva, eu a eliminava nas minhas escapadas de fim de semana, nas quais o corpo consumia tudo o que podia.
Por isso, me acostumei a boa comida, não que fosse muito exigente em termos de variedade de pratos, mas em relação à quantidade, tentando comer pouco, mas tudo.
Para mim, a pior coisa quando se tratava de comer e, portanto, que eu costumava evitar ao máximo eram aquelas saladas cheias de grandes folhas, tão pesadas para digestão e com tão poucos nutrientes.
Então, com tudo à minha frente, fiz coragem e comecei a comer devagar, sabendo que o velho havia preparado com o pouco que deveria ter, então não queria desprezá-lo.
Além disso, como havia feito no café-da-manhã, fui para meu quarto quando terminei tudo e complementei com alguns dos alimentos ricos em minerais que trouxe na mochila.
Desde que descobri uns biscoitos desidratados que os militares costumam consumir nas competições e que são recomendados nos manuais de sobrevivência, nunca me deixei ficar sem eles e os levo comigo aonde quer que eu vá, na mochila quando vou caminhar, na bolsa do trabalho ou no bolso da calça em uma rápida saída para compras.
Para mim, era um tipo de seguro-saúde, porque era uma fonte de energia nos momentos em que eu sentia as forças me escapando por causa do esforço ou, simplesmente, para reunir uma boa quantidade delas durante o descanso.
Eles eram tão importantes para mim que eu sempre trazia muitos, a data de validade era longa e pesavam tão pouco, que eu não precisava calcular tanto a quantidade e correr o risco de ficar sem.
Especialmente porque nas montanhas é comum compartilhar suprimentos com outros viajantes ou alpinistas que se encontra no caminho, que por qualquer motivo perderam ou consumiram todos os seus recursos. Por esse mesmo motivo, sempre carregava o dobro da quantidade de água necessária para a viagem de ida e volta. Dessa maneira, antes mesmo de sair, era possível minimizar os efeitos de qualquer imprevisto que possa surgir, daí o ditado “mulher cautelosa vale por duas”.
Depois que terminei de comer o que podia e com a sensação de estômago pesado, fui para o meu quarto suplementar meus nutrientes com os biscoitos desidratados. Algumas pessoas riam porque parecia comida de cachorro, mas eu preferia compará-los à comida dos astronautas.
Depois de recolher tudo no meu quarto, quis dar um passeio, porque o costume quase religioso de tirar uma sesta após o almoço me parecia quase que perda de tempo, porque o corpo, pelo menos o meu, se recupera da fadiga à noite e não ao meio-dia.
É possível que, em alguns países mais quentes, perto do equador, ou perto de algum deserto, esse costume seja uma espécie de defesa natural para evitar a exposição ao sol nas horas de maior intensidade, mesmo que seja bom para facilitar uma digestão pesada como a que eu estava sofrendo agora; mas não era costume para mim ou minha família, então não o fazia.
Saí com cuidado para não interromper o sono profundo de meu anfitrião improvisado, que dormia pacificamente sentado em uma cadeira ao lado da porta, e olhei para os dois lados da cidade para decidir qual caminho seguiria.
À minha esquerda, o caminho das pedras descia como uma rua, para fora da cidade e seguindo até chegar ao lago grande e preto, uma ideia que eu logo descartei, porque ainda sentia calafrios ao me lembrar dos momentos vividos antes de comer.
Do outro lado, subia a estrada para a parte superior da cidade, que eu ainda não havia explorado, porque, quando cheguei, mal tive que percorrer alguns metros antes de descobrir onde dormiria. Também era um pouco tarde e à luz do sol estava para desaparecer por detrás dos penhascos das montanhas circundantes, então eu preferi me abrigar e descansar para hoje.
Eu não precisei pensar demais para decidir sobre a segunda opção. Sem me despedir do meu anfitrião e tentando não fazer muito barulho ao sair, ele ainda soava aquele cântico inconfundível de inspirações forçadas e sons bufantes, o que denotava alguma paz interior e absoluto desprezo pelos problemas mundanos.
Caminhei com calma pela avenida de paralelepípedos ladeada de casas, sem parar demais para contemplá-las, pois do lado de fora eram todas iguais, então, quem via uma, via todas. Casas de um pavimento com telhado alto e telhas duplas. Telhas comuns a lugares que nevam muito com certa frequência. Evitam o acúmulo dos flocos no telhado e o problema que isso traz por causa do peso.
Além disso, é claro, todas tinham uma chaminé fina e alta de um lado, o que garantia a sobrevivência de seus inquilinos quando a temperatura caía vários graus abaixo de zero, fundamental para as noites frias de inverno.
Quase que por instinto, olhei para o céu claro acima da minha cabeça e imaginei, por um momento, como seria uma daquelas raridades da natureza daqui, um presente caprichoso da vida que apenas alguns têm o privilégio de poder contemplar, uma aurora boreal. Iluminando o céu frio de inverno, quebrando a monotonia da escuridão da noite, limpando o horizonte com as estranhas mas maravilhosas silhuetas.
Um dos fenômenos da natureza mais atraentes em que tanto a Terra e o Sol se envolvem em termos iguais. O produto da colisão de elétrons do vento solar com os da atmosfera da Terra. Uma dança indescritível de cores maravilhosas, mais típica de histórias ou sonhos de crianças, que cativa e até hipnotiza quem tem a sorte de contemplá-la e que não se cansa ou se exaure, por mais que esteja sendo observado. Aqui, entre esses picos majestosos e diante de um céu claro, certamente seria uma experiência extraordinária e inesquecível, especialmente se as imagens daquelas ondas sinuosas de cores vivas e luminescência fulgurante fossem refletidas na superfície polida do lago, retornando parte de sua cativante imagem, iluminando assim todo o contorno das montanhas adjacentes, tornando-se um espelho espetacular na escuridão da noite, exatamente como eu havia visto com a passagem das nuvens. Um jogo de cores digno de ser contemplado, onde a imagem poderia ser confundida com um reflexo, formando uma sucessão de luzes e sombras entre as árvores e rochas circundantes, sem dúvida causando uma das experiências mais cativantes e irreais que se possa ter.