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“Este castelo não vai ficar aqui muito mais tempo, a não ser que eu consiga mudar o futuro.” A sua voz assumiu o tom de raiva que sentia enquanto combatia a dor. “Antes de ter decidido trazer-te aqui, fui ao futuro várias vezes, apenas daqui a uns anos. Em todas as vezes encontrei um resultado diferente e isso deve-se a um desvio dimensional, ou vários, a acontecer aqui mesmo, em LA.”
Storm limpou o sangue que lhe começava a pingar dos olhos e do nariz. “Da última vez que vir até aqui a pé, parte do castelo tinha colapsado e as paredes que tinham resistido tinham sangue seco pelo sol, embutido no tijolo.”
“Cala-te” – Ren olhara para ele e não gostara da forma como a cor se tinha esvaído do seu rosto quando o sangramento começara. Storm sempre tinha feito piadas sobre não poder contar a ninguém o seu futuro. Dizia que isso o mataria, mas Ren não achava graça nenhuma a esse cenário, já que era verdade. “Já percebi a ideia geral, o resto vou descobrir por mim mesmo.”
Storm inclinou-se para trás na cadeira que apoiava a sua cabeça – “Estou a tentar equilibrar as probabilidades, elevando LA tanto quanto possível.”
Ren levantou-se e contornou a secretária, agarrando o ombro de Storm e, num instante, eles estavam de volta à ilha. “Se alguma vez voltares a tentar contar-me o futuro, vou dar-te uma coça.”
Quando Storm se voltou a equilibrar e perceber onde estava, já Ren tinha desaparecido. Sentindo a dor de cabeça lancinante, que provavelmente iria durar dias, sorriu, pois sabia que tinha valido a pena. Ren já estava a postos e, agora que Angelica estava dentro dos limites da cidade, ela poderia extrair outro poder oculto que poderia virar completamente o jogo a favor deles. Precisavam dos deuses do seu lado.
*****
Ren passara a última semana a mapear a cidade caminhando pelas ruas. Sabia, pelos documentos que tinha transferido da PIT, onde estavam alguns dos não humanos, mas enquanto caminhava ou conduzia a sua mota, conseguia pressentir poderes que não pertenciam às coisas daquela lista.
Virou-se para o enorme ecrã que cobria uma das paredes do escritório, abrindo o mapa de grelha sobre ele e inclinando-se para trás na cadeira por trás da secretária. Para qualquer outra pessoa, o mapa poderia fazer lembrar uma decoração natalícia, já que estava repleto de pioneses com luzes coloridas.
Eram as cores que ele estava a estudar agora. Conseguia ver exatamente onde estavam os metamórficos. Até tinha visitado o Moon Dance e o Night Light. O canto do seu lábio estremeceu com a recordação. Tinha cometido o erro de pedir um Heat e tudo tinha corrido bem, até decidir terminar a noite e voltar para casa. Quando vinha a meio do caminho, já estava bem fora do alcance dos metamórficos, mas completamente bêbado.
O território dos metamórficos estava iluminado sobretudo por luzes verdes com alguns pioneses vermelhos e azuis. Os azuis representavam a equipa PIT posicionada nessa zona e tudo o que lá acontecesse, era com eles. O mesmo se aplicava à alcateia.
Para ele, Michael, Damon e Kane eram uns descontrolados, o que lhes valera a cor amarela e a sua prole desalmada, esgueirando-se pelas sombras da cidade, tinha uma adequada cor vermelho-sangue. Pelo menos, esses cobardes tinham a simpatia de se recolher em grupos durante o dia e tendiam a manter-se em grupos à noite, tornando mais fácil detetar o seu território de alimentação.
Com os caídos, a história era bem diferente. No início, tinham sido difíceis de localizar, mas recentemente andavam tão instáveis que ele desistira, embora soubesse quando eles estavam por perto – podia senti-los. Pensou na lição de história que tinha recebido de Storm.
A versão resumida era que os caídos quase tinham destruído o seu próprio mundo ao invadir a nossa dimensão e roubar algumas das nossas mulheres, só porque achavam que elas eram lindas. Roubar humanos ainda só tinha sido o seu primeiro erro. Uma vez chegados ao outro lado do buraco de minhoca, os caídos tinham feito turnos a procriar com as mulheres roubadas.
O problema é que as crianças que nasceram dessas uniões não eram o que eles esperavam e o nascimento matava sempre as fêmeas humanas.
Apenas uma pequena percentagem das crianças nasciam caídos de sangue puro e apenas uma em várias centenas era fêmea. O resto eram demónios – híbridos que não sangue puro de nada. A maioria dos híbridos era aquilo a que os humanos chamavam de monstros. Quando esses monstros se viraram contra os seus próprios criadores, os caídos começaram a erradicar todos os híbridos do seu mundo, quer eles fossem monstros ou não.
Uma vez acabado aquele genocídio, perceberam que agora tinham dezenas de machos para cada fêmea no mundo. Por isso, os idiotas tinham voltado pelo buraco de minhoca, desta vez mantendo as suas criações do nosso lado, ao mesmo tempo que acasalavam com o máximo de mulheres que podiam, o mais rapidamente possível.
À medida que as crianças nasciam e as mães morriam, os caídos recolhiam os caídos de sangue puro e levavam-nos para o seu mundo, deixando para trás os híbridos. Como não precisavam das crianças do sexo masculino que nasciam, treinavam-nas para lutar contra os seus irmãos mestiços.
Mesmo antes desses rapazes chegarem à puberdade, os líderes dos caídos enviaram-nos de volta para cá e fecharam o buraco de minhoca entre as duas dimensões, encalhando todas as crianças aqui, à exceção das fêmeas caídas, por quem tinham sacrificado tantas vidas.
A história não acabava ali. Esses jovens guerreiros tinham sido treinados para fazerem a mesma coisa que os seus pais tinham feito – rasgar aberturas para a dimensão vizinha, desde que não fosse aquela que levava ao seu mundo de origem. Esse novo mundo existia tão próximo de nós que ficava apenas a um piscar de olhos de distância. Seria de presumir que fora daí que surgira a teoria sobre o Inferno. Tão perto que alguns humanos com sentidos mais apurados podiam por vezes vê-lo e senti-lo.
Ao procurarem os híbridos, os guerreiros descobriram que muitos dos seus rivais eram tão poderosos como os caídos de sangue puro. Houve derramamento de sangue de ambas as partes e também foi documentado que alguns dos caídos foram arrastados para a dimensão alternativa com os híbridos.
As grandes mentes por trás desses assassinatos que tinham enviado para cá os seus filhos sabiam que era uma sentença de morte. Tinham planeado que os seus descendentes se matassem entre si e limpassem a desordem que eles tinham deixado para trás.
Apenas uma mão cheia desses rapazes ainda deambulavam pela terra e a maioria era mais nova que a primeira remessa, tendo chegado depois do rescaldo da guerra e dos híbridos se terem dispersado. Na opinião de Ren, era aqui que as coisas se complicavam. Nem todos os híbridos eram propriamente demoníacos. Se não fossem detetados, poderiam misturar-se com os humanos e os animais, uma vez mais reproduzindo-se durante mais de um milénio.
O grande segredo que Storm tentava proteger era o facto de a maioria das criaturas, metamórficos e lobisomens, ou humanos com a mais pequena capacidade anormal, serem muito provavelmente descendentes de um desses híbridos, incluindo os poderes de súcubo que ele próprio usava para os encontrar e enfrentar. Ren ainda se sentia incomodado com a ideia de ele próprio ser parcialmente híbrido.
Em sua defesa, Ren tinha quase a certeza de que os demónios que matara no passado não tinham qualidades de redenção, ou então poderia sempre alegar autodefesa, porque eles tinham certamente tentado matá-lo.
Para tornar tudo ainda pior, Storm ainda tinha largado a bomba de que alguns híbridos originais não eram maléficos, embora transmitissem a mesma aura que um demónio de alto nível. E se isso não lhes desse dores de cabeça suficientes, ainda se juntava o facto de um vampiro nem ser de todo um híbrido, mas algo totalmente diferente que tinha invadido a terra.
Ren esfregou a têmpora esquerda enquanto olhava para o mapa de grelha. Todas as zonas que encontrara onde sentira um aumento de poder estavam iluminadas com uma luz negra e, tendo em conta que Misery nunca ficava no mesmo lugar, constituíam a maior parte da cidade. Porém, considerando que ela tinha um fetiche por vampiros sem alma, ele só a podia deixar reclamar zonas próximas do ninho dos vampiros.
Isso deixava muitos poderes por enumerar e algures pelo meio deles estava a razão para a profecia sangrenta de Storm. Por falar em Storm, já não o via desde que tinha levado os seus poderes divinatórios de volta para a ilha e até agora ainda não tinha aparecido ninguém que pertencesse à equipa PIT.
Ren esboçou um sorriso afetado, sabendo exatamente como atrair a atenção de Storm. Estava tão sintonizado com o sistema informático de alta tecnologia que já não tinha de fazer mais nada a não ser estar na mesma divisão em que ele estava. Observou o ecrã do computador a piscar enquanto se ligava ao sistema principal da PIT, depois introduziu o mapa de grelha por entre as densas firewalls que apenas ele e Storm conseguiam contornar.
Geralmente, apenas esperava alguns minutos até Storm responder ou aparecer, por isso quando os minutos foram passando sem resposta, Ren ficou preocupado. Depois o ecrã piscou.
Storm surgiu no ecrã para que Ren o visse e baixou um pano manchado de vermelho do seu nariz, antes de se reclinar na cadeira e sorrir para Ren através da webcam.
Ren franziu o sobrolho perante a cena e reparou que Storm estava em casa, na ilha. “Estou surpreendido por não teres aparecido em pessoa, mas realmente parece que andaste outra vez a quebrar as regras” – censurou Ren, com uma sobrancelha levantada.
“O fluxo de tempo na tua zona está a impedir-me de saltar e a dar-me uma dor de cabeça do caraças.” Storm explicou-se segurando no lenço ensanguentado no punho.
“Então pára de tentar” – retorquiu Ren.
Storm acedeu – “Vamos ter de nos manter em contacto desta forma até as coisas acalmarem um pouco do teu lado. Por agora, vais ter equipas PIT a chegar e está na altura de aprenderes a trabalhar com eles para o bem de todos. Já que tens memória fotográfica e já leste os ficheiros deles, de certeza que vais saber mais sobre eles do que eles sabem sobre eles próprios.”
“Então vais finalmente pôr-me no meio de um monte de pessoas com poderes? Isso será uma jogada inteligente? E se eu não me conseguir controlar?” Ren fez a pergunta desagradado com a ideia de trabalhar com mais alguém para além de Storm.
Storm sorriu e encolheu os ombros – “A prática leva à perfeição, Ren e tu estás prestes a ter um curso intensivo sobre interação humana. O Zachary e a Angelica vão mudar-se para aí para poderem aceder ao banco de dados e a todo o equipamento que guardei no castelo. Também vão tratar da maioria das equipas PIT que vão chegar aí. Quanto a ti, o teu trabalho é tentar descobrir o que raio é que está a provocar o fluxo de tempo e a barrar-me o acesso à zona.”
Fez uma pausa de alguns segundos antes de se inclinar na direção do ecrã. “Tens gente à tua porta.”
O vídeo perdeu a ligação subitamente, deixando Ren a olhar para o ecrã com ar surpreso. Uma batida forte na porta fê-lo olhar para a entrada e depois de volta para o ecrã vazio.
“Detesto quando ele faz isto.” Ren resmungou e levantou-se da cadeira, pegando nos óculos de sol para esconder os olhos.
Passando pelas portas duplas abertas que levavam ao hall de entrada, Ren abriu a porta e fitou os seus visitantes, que viriam a ser os seus colegas de casa.
Zachary sorria enquanto olhava para o homem do outro lado da entrada. “É bom finalmente conhecer o verdadeiro ‘ás na manga’ de que o Storm fala desde que o conheço.”
Ren rangeu os dentes, mas aceitou a mão estendida de Zachary e acenou a Angelica antes de se afastar para o lado para os deixar entrar. Conhecia todas as caras do elenco da PIT e quais eram os seus dons. Tinha feito questão de memorizar os perfis de todos os membros da PIT pouco depois de Storm o ter acolhido.
Storm tinha adicionado notas à versão bloqueada dos perfis, que Ren transferira mentalmente também. Storm tinha razão – provavelmente sabia mais sobre eles do que eles sabiam sobre eles próprios.
Zachary era um miúdo meio rebelde, com o que Storm tinha descrito como uma dupla personalidade – num minuto, Zachary estava a brincar e no seguinte já era capaz de ser tão mortífero como uma cobra assanhada. Tinha visto notícias sobre o incêndio que destruíra a casa de um barão da máfia há uns tempos atrás e toda a situação tinha o nome da PIT, mais especificamente do Zachary, muito bem estampado. Na manhã seguinte, Zachary submetera o relatório no sistema da PIT e confirmara as suspeitas de Ren.
O poder de Angelica era um pouco mais complicado, sendo capaz de matar demónios usando a magia com que tinha nascido. Uma vez, Storm referira-se a ela como ‘a chave’, mas nunca disse o que é que ela abria.
O ficheiro dela era o maior de todos, como se Storm tivesse documentado todos os movimentos dela desde a nascença. Ren não percebia porquê, mas de momento também não queria saber. Sem uma palavra, fechou a porta e dirigiu-se à divisão que servia de escritório. De alguma forma sabia que o iriam seguir.
“Então…” – disse Zachary ao fim de menos de um minuto de silêncio incómodo – “Gostas de viver aqui sozinho?”
“Não” – disse Ren. “Tenho novos colegas de casa.”
Angelica esboçou um sorriso ao ver a expressão perplexa que surgiu no rosto de Zachary. “Acho que ele está a tentar quebrar o gelo.”
“Não está a correr muito bem” – respondeu Ren, sentindo-se já apertado.
“Eu sei” – admitiu Angelica. Reconhecia um tipo solitário quando o via.
Zachary dirigiu um olhar de gozo a Angelica. “Ei, era suposto estares do meu lado.”
“Porquê?” Angelica riu. “Acredites ou não, alguns de nós podem passar dias de boca fechada. Já tu… É uma grande sorte passar dois segundos sem te ouvir a tagarelar sobre qualquer coisa.”
“Também sei ficar calado!” Zachary exclamou. “Vais ver!”
Zachary começou então a esticar-se no sofá e cruzou os braços sobre o peito, com os lábios comprimidos numa linha fina. Angelica revirou os olhos antes de se levantar para ver melhor o sistema informático que Storm tinha criado.
Ren observou-a de perto, pronto para responder a quaisquer questões que ela pudesse ter e olhou de relance para Zachary. Por algum motivo, o outro homem tinha encontrado algo muito fascinante nos botões da sua camisa. Ren fez uma contagem mental de cinco para um antes de ocorrer a inevitável explosão.
“GAH!” Zachary gritou. “Não aguento isto.”
Ren riu-se, fazendo com que Angelica e Zachary olhassem para ele com surpresa. Não durou muito e Ren passou a mão pelo cabelo antes de receber os outros. “Estejam à vontade para explorar o castelo, há imensos quartos.” – disse ele assim que os vestígios de humor desapareceram do seu rosto.
Angelica acenou – “Vou buscar a minha mala.”
Quando ela saiu, Ren olhou para Zachary e deu por si frente a frente com o outro lado da sua personalidade borbulhante. “Estou curioso. Quais são os teus poderes?”
“O teu” – Ren esboçou um sorriso afetado – “e o da Angelica e o de qualquer pessoa que estiver ao alcance do meu súcubo.”
Zachary virou a palma da mão para cima e abriu-a, visivelmente satisfeito por ainda ter os seus poderes.
“Eu não disse que retirava o teu poder” – Ren encolheu os ombros, recusando-se a fazer truques de cortesia para demonstrar o que estava a dizer. Fixou o olhar nos olhos de Zach e viu o homem perturbado por trás da máscara. “Ao aproximares-te de mim, estás a dar-me o mesmo poder” – afirmou ele para ser mais claro.
“Eu tomo conta da Angelica enquanto ela estiver aqui” – anunciou Zach do nada.
“Eu não sou ama de ninguém, podes tomar conta de toda a gente que aparecer” – corrigiu Ren. “Não é esse o meu trabalho.”
Zach acenou como se tivesse acabado de ganhar uma guerra de estratégia – "Eu sei que o Storm está a reunir um exército."
Ren assentiu – “Sim.”
“Ele vai precisar” – Zach esfregou as mãos nas pernas e levantou-se. “Quem mais é que ele chamou para isto?”
“Tanto quanto sei, quase toda a gente” – respondeu Ren. “Mas há alguns que ele não conseguiu localizar.”
“Há alguma coisa que eu possa fazer para ajudar?” Perguntou Zach.
Ren fez um gesto com a cabeça na direção do computador. – “Encontra aqueles que o Storm não conseguiu encontrar. Ele fez uma lista de todos os que ainda estão desaparecidos em combate.”
Zach sorriu e caminhou na direção do computador. “Vejamos quem é que o todo poderoso não encontrou.”
Ren observou, completamente fascinado com a sua total mudança de atitude. Não sabia de que lado gostava mais – mas sabia em qual é que confiava mais.
Capítulo 4
Angelica deitou-se na cama com um par de almofadas apoiadas contra a cabeceira da cama para tentar evitar dormir, o seu novo passatempo favorito. Assim que voltou para dentro com a sua mala, percebeu que Zachary tinha ligado o interruptor com Ren, pois este estava sentado no sofá a observá-lo. Zachary tinha-lhe dito para escolher um quarto e dormir um pouco, por isso ela tinha alegremente fingido fazê-lo.
Tinha percorrido os longos corredores durante alguns momentos antes de escolher aleatoriamente uma porta e abri-la. Ao ver o interior, sorriu e pousou a sua mala na cama. O quarto estava decorado em tons de roxo com detalhes dourados e em tons mais claros de lavanda.
A cama era enorme, provavelmente de tamanho imperial, com um belo dossel, almofadas decorativas em tons de dourado e lilás e um edredom. Os lençóis e as fronhas eram em tom de lavanda e quase que se riu das pequenas borlas douradas nos cantos das almofadas.
Havia um grande armário no lado oposto do quarto. Quando o abriu, esperava vê-lo repleto de vestidos de baile antiquados. Para sua desilusão, estava vazio. Na parede oposta à da cama, havia um antigo toucador com um espelho enorme.
Junto à cama, havia uma escrivaninha com algumas canetas e uma pilha de papel, juntamente com uma nota a informar que a porta de dados para o seu portátil estava junto à parede por baixo da secretária. Angelica quase se rira ao ler isto e dobrou-se para espreitar. Viu logo o ponto de acesso e imediatamente retirou o seu portátil e ligou-o.
Da sua posição preguiçosa na cama, tinha uma vista perfeita através das portas da varanda para o luar refletido no oceano. Sorriu, pois era uma varanda mesmo fantástica.
A maioria das pessoas que a conhecia acharia que ela não era dada a essas coisas femininas. Mas todas as meninas têm a fantasia de serem princesas num castelo e ela não era exceção. Até costumava fingir que era a Cinderela ou a Bela Adormecida, esperando que o seu príncipe chegasse e a levasse para longe.
Era uma pena que já não acreditasse na teoria de um cavaleiro com armadura reluzente que a viesse salvar dos demónios maus que rodeavam o castelo.
Com um suspiro, Angelica olhou novamente para o seu desenho e esboçou mais algumas linhas antes de pousar o lápis na mesa de cabeceira ao lado da cama. Com ele pousado no colo, levantou a mão e estudou a sua palma onde o símbolo estava impresso. Não era uma queimadura ou uma tatuagem de qualquer tipo, estava simplesmente ali.
Voltando a pegar no papel, olhou para a imagem que tinha desenhado de Syn e adicionou o símbolo no canto inferior direito da página. Piscou o olho quando a imagem começou a ficar desfocada e voltou a pousá-la no colo, fechando os olhos por um momento só para que parassem de arder.
Syn apareceu ao lado da cama de Angelica assim que ela adormeceu. Entrara silenciosamente no castelo e na cidade, tocando as mentes de toda a gente com quem ela tinha interagido. Precisava de obter conhecimento sobre a vida dela para saber exatamente com que é que estava a lidar. Até agora, a informação mais interessante que obtivera tinha sido da mente de Zachary.
O homem loiro era mordaz como um chicote, mas ocultava esse aspeto sob várias camadas. Também tinha os seus próprios poderes como híbrido. Zachary tinha sido nomeado como seu protetor e levava a tarefa muito a sério. Syn sabia que Zachary teria de ultrapassar rapidamente a sua paixoneta por Angelica, ela não pertencia ao híbrido.
Zachary lera o dossier dela nos arquivos da PIT, que a acompanhara desde o nascimento até aos dias de hoje. Os detalhes eram muito rigorosos e ao retirar essa informação da mente de Zachary, Syn ficara a saber que havia várias pessoas do passado dela, mais precisamente da sua infância, que mais tarde tiveram um destino muito desconfortável.
Syn prometera silenciosamente que os eliminaria da existência sem o conhecimento dela. Ela nunca mais conheceria a dor da rejeição ou de qualquer tipo de violação.
Syn observara, através dos olhos de Zachary, as memórias de Angelica a combater os monstros deste mundo e sabia que tinha sido por mera sorte que ela ainda estava viva. Ele tinha a certeza de que ela também sabia disso, embora, com a sua interessante perspetiva sobre o mundo, ela nunca o admitisse. O seu olhar deslizou até aos lábios dela, sabendo a verdadeira razão pela qual tinha vindo ter com ela esta noite.
Dobrando-se sobre ela, Syn apoiou suavemente as mãos na almofada de cada lado da sua cabeça e deixou os seus lábios pairarem de forma provocadora perto dos dela. Quando ela inspirou profundamente no seu sono, os lábios dele separaram-se e ele soprou levemente. Ele observou os fios prateados de energia a fluir dos seus lábios para os dela. Era a sua promessa: o presente de um deus-sol para conceder o sopro de vida à sua alma gémea para sua proteção. A partir de agora, qualquer lesão que ela sofresse seria curada tão rapidamente quanto surgia e ela deixaria de envelhecer.
Voltou a erguer-se e admirou-a com um olhar enternecido. Os seus cabelos louros escuros escorriam pelas almofadas, refletindo a luz suave do quarto. O brocado rico das almofadas fê-lo lembrar de quando a observou pela última vez a dormir na cama deles, no seu mundo de origem.
A palma da mão direita dela estava virada para cima, revelando a marca que ele lá tinha colocado. Já tinha começado a cumprir a sua função, despertando os poderes dela, e em breve o seu desejo por ele surgiria também.
Tentou mais uma vez ler-lhe a mente, mas a capacidade dela de o bloquear era tão forte nesta vida como tinha sido na vida passada. Deu por si cheio de ciúmes sabendo que Zachary podia ler a mente dela e ele não conseguia. Pensou um pouco nisso, mas chegou à conclusão de que isso tinha a ver com uma questão de confiança. Ela confiava em Zachary o suficiente para baixar a sua guarda perto dele. Ele planeava conquistar a mesma quantidade de confiança.
Se ela alguma vez lhe ensinou alguma coisa, foi que deveria ter uma quantidade obscena de paciência, coisa que ultimamente se apercebera que quase não tinha. Neste momento, os escudos mentais dela estavam altos, mas ele estava ansioso por ultrapassá-los e convencê-la a deixá-lo entrar outra vez. Agora que ela estava protegida pelo seu poder, teria todo o tempo que precisava.
Syn sentou-se na beira da cama e pegou no caderno para ver em que é que ela tinha estado a trabalhar. Uma sensação intensa de calma apoderou-se dele quando viu a sua imagem detalhada no papel. Ela já estava a chamar por ele e nem sabia.
Angelica sentiu movimento ao seu lado e abriu os olhos pensando que era Zachary. Só mesmo ele teria a lata de entrar no quarto dela enquanto ela dormia.
Piscou os olhos ao ver o homem de cabelo escuro que tinha acabado de desenhar, sentado na beira da sua cama a segurar no desenho que tinha feito. Angelica agiu por instinto, atirando-se na direção dele com a palma esticada para a frente para o exorcizar, como faria com qualquer outro demónio.
“Olá, esposa” – Syn agarrou-lhe no pulso, sem levantar os olhos do desenho, e terminou de o examinar antes de erguer o seu olhar de ametista escuro para encontrar o dela.
Angelica fixou a posição do cotovelo, tornando o seu braço tenso. Ela ergueu uma sobrancelha de forma elegante, decidindo ignorar o comentário da esposa. Os demónios tinham delírios.