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CAPÍTULO DOIS
— Aaaaai! — Eu segurei minha cabeça quando o tal ping começou novamente. Eu me perguntei pela milionésima vez se este era um sintoma da pré-menopausa. As ondas de calor estavam acontecendo cada vez mais e eu encontrei um cabelo grisalho ontem, então não me surpreenderia se fosse. Dizem que os quarenta são os novos trinta e na época eu concordei. Aos quarenta, não havia muito o que diminuísse o meu ritmo. Aos quarenta e cinco, já não tenho tanta certeza. Em certos momentos eu me sinto uma anciã.
Eu empurrei a irritação de lado e forcei meus pés a me levarem até a cafeteira. Na semana passada, percebi que precisava encontrar algo para fazer com meu tempo. Sempre trabalhei em tempo integral e não suporto a ideia de ficar sem ter o que fazer. Até tenho gostado de não ter o estresse do hospital, mas preciso de algo.
Eu gostaria que Violet tivesse mais tempo. Era bom morar na mesma cidade que ela agora, mas ela tinha uma livraria e não tinha tempo para ficar comigo o dia todo. Pensei em perguntar se poderia ajudar na loja, mas não queria me impor. Uma coisa era falar diariamente no computador e outra era visitá-la o tempo todo.
Além disso, não ajudava em nada o fato da recepção calorosa que experimentei quando cheguei a Pymm's Pondside ter diminuído. Era mais como se alguma força estivesse tentando me fazer ir embora. A casa parecia me querer ali e querer me afastar ao mesmo tempo. Era um jogo cansativo de puxa-empurra.
Consegui respirar fundo quando o ping em minha cabeça parou. Foi quando a batida começou. Parecia que o aquecedor de água estava prestes a explodir, mas eu estava relutante em chamar o encanador da cidade para voltar aqui. A última vez que ele veio, ele me disse que não via razão para os sons. Não ajudou que durante a hora e meia em que ele esteve aqui, não ouviu nada.
Decidindo não pensar duas vezes, eu enchi uma xícara do meu pretinho básico e tomei um gole da bebida cafeinada enquanto olhava para a lagoa pela janela. As manhãs aqui eram absolutamente as minhas favoritas. A vegetação ao meu redor despertava com uma parte de mim que raramente conseguia alimentar quando vivia em Salisbury. Não que lá fosse tão árido quanto o Texas, mas Cottlehill Wilds deixava no chinelo as duas áreas em termos de vida vegetal.
A solidão silenciosa me cercava. Eu tinha me acostumado a viver sozinha, mas sempre havia barulho ao redor. Eu morava perto do centro da cidade, o que significava que ouvia veículos passando o dia todo. Nunca notei quanta poluição sonora havia onde eu morava.
Abrindo a porta dos fundos, saí e cruzei até a mesa colocada sob um grande bordo. Sentada à mesa de ferro trabalhado, bebi meu café enquanto planejava meu dia. Eu precisava descobrir se havia algo que eu pudesse fazer na cidade. Era outra coisa que adorava sobre morar aqui.
Havia uma rua principal cheia de lojas pitorescas. A padaria tinha o melhor creme de leite que já provei, e a livraria de Violet era muito bem abastecida. Talvez eu perguntasse se eles precisavam de ajuda na loja de bebidas. Eles possuíam uma seleção fabulosa de merlots.
A empolgação com essa nova fase da minha vida ainda borbulhava em mim. Nunca antes passei tanto tempo pensando no que eu queria para mim mesma. Parecia decadente passar tanto tempo imaginando o que eu queria fazer com meu tempo agora. Até este ponto, as decisões sempre foram tão naturais. Escolher a faculdade que eu queria frequentar foi fácil e conheci Tim durante meu primeiro ano. As coisas simplesmente aconteceram a partir daí.
Não que tenha sido amor à primeira vista, mas eu sabia que íamos nos casar. Quando ele fez o pedido no nosso último ano, foi mais uma formalidade do que qualquer outra coisa. Ter três filhos, uma carreira e um marido me mantiveram ocupada o suficiente que acabei não trazendo os meus gêmeos para visitar minha avó com muita frequência. A culpa por isso tirou um pouco da minha empolgação. Eu deveria ter visitado mais.
Eu deveria ter feito um esforço para vir pelo menos a cada dois anos. Tinha que ter me esforçado, pois sabia que me arrependeria depois. Quando meus pais morreram em um acidente de carro durante meu segundo ano na faculdade, me arrependi de não ter escolhido uma faculdade mais perto de casa. Eu perdi muito dos últimos anos da vida deles.
Isso me fez pensar na decisão de ficar aqui. Eu não veria muito meus filhos. Eu tinha dinheiro suficiente para comprar passagens de avião para eles uma vez por ano sem esgotar minhas economias, e muitas coisas aconteceriam em suas vidas entre as visitas.
Pelo menos eu tinha Violet por perto. Ela e eu éramos amigas desde que eu conseguia me lembrar. Eu a conheci durante minhas primeiras visitas à minha avó e mantivemos contato ao longo dos anos. Ela era a primeira pessoa para quem ligava quando algo acontecia, e um grande motivo para minhas poucas visitas aqui em minha vida adulta.
E então havia Aislinn. Eu não tinha passado muito tempo com ela na semana passada, mas ela apareceu várias vezes e eu a observei cuidar do jardim enquanto conversávamos. Eu gostei de como ela falava o que pensava, mesmo que ela fosse estranha e falasse sobre poções. Eu ainda estava me ajustando aos termos que o Ingleses usavam para remédios caseiros.
Então havia o homem misterioso que eu tinha visto no dia em que meus filhos foram embora. Violet me informou que seu nome era Sebastian e que morava perto de Pymm's Pondside. Eu o vi espreitando várias vezes, mas ele nunca disse nada enquanto ficava lá parado me olhando.
Meus olhos percorreram a floresta ao meu redor. O cara havia me assombrado quase todos os momentos em que eu estava acordada. Eu não sabia nada sobre ele, mas sua expressão séria e corpo sexy não me deixavam em paz, então continuei pensando no porquê. Eu odiava não compreender algo. Quando ganhava um quebra-cabeça, não conseguia largá-lo antes de resolvê-lo.
Com um suspiro, levantei-me e fui pegar um biscoito para o café da manhã. No segundo em que entrei em casa, as batidas começaram, seguidas pelas escadas rangendo. Os cabelos da minha nuca se arrepiaram. Era a primeira vez que a escada fazia barulho.
Minha respiração ficou presa na garganta quando peguei uma faca do faqueiro de madeira. Segurando-a na minha frente, procurei por um intruso. Saindo da cozinha na ponta dos pés, eu enfiei minha cabeça pela abertura da porta. Não havia nada nas escadas.
Um grito deixou-me quando uma das portas do armário da sala de estar abriu sozinha. Este lugar é definitivamente assombrado! — Vovó, é você? Me desculpe por não ter vindo mais vezes nos últimos dez anos. — Minhas bochechas coraram e eu revirei os olhos para mim mesma.
O lugar não era assombrado. Mas eu adoraria poder falar com a vovó novamente. Ela sempre tinha resposta para tudo e no momento a única coisa da qual tinha certeza era que eu estava esquecendo algo, mas não tinha ideia do quê. Subi as escadas correndo e chequei os cômodos do andar de cima. Não tinha ninguém na casa.
De volta à sala eu parei ao lado do sofá desgastado com as mãos nos quadris. — Eu não sei o que está acontecendo, mas esta é a minha casa agora e eu não vou tolerar mais essa merda. Isso significa que você pode parar com os ruídos e ficar abrindo portas. Eu sou uma Shakleton e eu não vou a lugar nenhum.
Eu expirei lentamente, mas antes que pudesse dar a volta e ir pegar a minha comida, fui tomada por uma onda de eletricidade. Aquilo me atingiu em cheio, me levando a ter uma taquicardia. Eu não conseguia erguer o braço para checar meu pulso, mas tinha certeza que meu batimento cardíaco era bem mais que duzentos e trinta por minuto. Foi tão rápido que não consegui recuperar o fôlego.
Tentei dar um passo e no começo, achei que não tinha conseguido me mover um só centímetro. Então meu braço bateu em algo que me fez cambalear para trás. Eu saltei quando senti algo atrás de mim logo em seguida. Meus olhos estavam bem abertos, mas não vi nada na minha frente. Poderia jurar que havia um campo de força invisível me cercando e eu podia ver os motes de poeira caindo ao seu redor. Garota, você precisa dar um tempo de Guerra nas Estrelas e parar de falar consigo mesma Está começando a soar como uma louca.
A eletricidade virou energia que tomou todas as células do meu corpo. Senti como se elas passassem de passas enrugadas para uvas gordas em segundos. Nunca percebi que estava desidratada ou esgotada até ser restaurada. Só que não foram os fluidos que me encheram… Poder. Eu tremi quando a palavra passou pela minha mente.
Tinha que ser uma reação retardada à cafeína, essa era a única explicação. Já os sons da casa, minha mente analítica me dizia que o encanamento era a razão daqueles barulhos, mas o encanador me garantiu que os canos da minha casa estavam em uma condição impecável. Foi quando a influência da minha avó subiu para minha cabeça e eu conjurei espíritos como a verdadeira razão.
Será que eu irritei o fantasma? Será que fiz isso enquanto falava comigo mesma e declarava que a casa provavelmente me deixou louca, mas é que a minha mente reagia antes de ter tempo de censurar o que saía da minha boca. Rangendo meus dentes contra a contínua inundação de energia, eu me recusei a recuar. A casa era minha, assim como tudo nela. Tinha a herdado da minha avó e pretendia me orgulhar por isso.
As luzes piscaram ao meu redor e parecia que eu tinha passado por um funil. Tornou-se ainda mais difícil respirar. Eu estava sofrendo um ataque cardíaco? Mas eu não sentia como se fosse isso. Os sintomas de uma mulher sofrendo um infarto agudo do miocárdio são: náusea, azia, tontura, suores frios e ficar extraordinariamente cansada.
O suor que escorria pelas minhas costas estava tão quente quanto o rabo de um diabo, e eu não estava sentindo vontade de vomitar. Quando dei por mim, manchas negras dançavam na minha visão como a pressão construída no meu corpo. Meus olhos se fecharam lentamente e a escuridão tomou conta de mim.
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* * *
— Fiona! Fiona, você está bem? Você tem que acordar.
— Aaaai — resmunguei com a voz frenética. Minha cabeça estava me matando e eu queria dormir um pouco mais.
— Oh, graças aos Deuses. Achava que você estava morta. — A voz era familiar, mas minha mente demorou a processar além do fato de que alguém estava na minha casa.
Meus olhos abriram de uma só vez e eu me sentei rapidamente. Minha mão foi para minha cabeça enquanto eu escaneava o lugar. — Aislinn? O que diabos aconteceu? — Meu sangue parecia espesso enquanto corria pelas minhas veias. Minha mente estava lenta e eu estava tendo dificuldade em me concentrar em qualquer coisa no momento.
Aislinn sentou-se no chão ao meu lado e deu um profundo e pesado suspiro. — Não faço ideia. Vim ver se você queria almoçar comigo. Quando você não atendeu a porta e eu vi o velho carro que você comprou do George na garagem, então eu verifiquei a fechadura e entrei quando ela girou na minha mão. Te encontrei inconsciente no chão.
Como se em resposta à observação dela, minhas costas começassem a reclamar alto e claro. Meu lado e ombro doíam, como se eu fosse um diabo atropelado. Não havia dúvida de que eu estava no chão há algum tempo. Deus, não era divertido envelhecer. Se eu me sentasse em qualquer lugar por mais de cinco minutos, eu precisava de um guindaste para me levantar.
— Fui eletrocutada. — Passei a mão nos meus cabelos, surpresa que não estavam totalmente arrepiados.
Aislinn inclinou a cabeça e olhou para a tomada mais próxima de nós. Estávamos no meio da sala de estar a pelo menos um metro e meio de cada parede, sem aparelhos ou lâmpadas por perto. — Hum, isso não faz o menor sentido. O que realmente aconteceu?
Meus ombros levantaram e caíram. — Eu estava convencida há alguns minutos de que a casa era assombrada e por um segundo pensei que talvez um fantasma tinha me atacado, mas isso não faz sentido.
Aislinn riu e se levantou. — Não é assim que os fantasmas funcionam. Eles não são capazes de produzir energia assim e eles não são condutores também. Eles mal têm vitalidade suficiente para se manifestarem na maioria das vezes.
Eu aceitei a mão dela e grunhi quando finalmente consegui ficar de pé também. Ela fez o ato de se erguer do chão parecer muito mais fácil do que realmente era. — O que você quer dizer com eles não têm poder suficiente? Fantasmas realmente existem? — Lembrei-me de todas as histórias que minha avó me contou, mas nenhuma delas girava em torno de espíritos.
Aislinn me observou de perto por vários segundos. O silêncio somado a maneira como ela estava olhando para mim era altamente desconfortável. — Fantasmas existem e eu venho pensando há semanas que sua avó deve estar andando por aqui de alguma forma. É a única explicação para isso. Você não mostrou poder até agora e algo tem que ser responsável por sustentar as proteções no lugar.
Um milhão de pensamentos e perguntas se embolaram na minha mente de uma vez só. O que ela quis dizer com a vovó ainda estava por perto? E, que poder? Eu não conseguia decidir qual pergunta fazer primeiro, então eu fui para a cozinha e peguei o pote de chá do armário. Depois de encher a chaleira com água, a coloquei para ferver.
Respirei fundo, virei-me e vi que Aislinn tinha me seguido e estava sentada na ilha como eu costumava fazer quando criança. — Certo, Você vai ter que me explicar isso lentamente. Sei que algo está acontecendo aqui, mas fantasmas não existem. Certo? Mas o que quer que seja, eu quero entender.
Aislinn sorriu e balançou a cabeça. — Eu provavelmente não sou a melhor pessoa para explicar tudo isso, mas darei o meu melhor. Violet está na livraria ou eu ligaria para ela para me ajudar. Você sabe que a magia existe, certo? E, que você possui magia.
— Não… não existe. — A parte científica de mim falou. Eu queria rir da cara dela e fingir que aquilo não passou de uma brincadeira antes de pedir à senhora louca para sair. Mas eu me forcei a realmente considerar suas palavras. — Desde que me mudei para cá, não tenho tanta certeza de que estou certa quanto a isso. Coisas que eu não consigo explicar continuam acontecendo.
Ela tinha que estar errada. Eu não passo de uma viúva comum de meia-idade. Me lembrei de algo de quando eu era criança. A menos que minha memória estivesse pregando peças em mim minha avó costumava acender velas com um estalar de dedos. E então houve a vez que ela fez a lagoa ficar da cor turquesa. Por muito tempo acreditei que ela era uma bruxa. Então comecei o ensino médio, fui para a faculdade e percebi que ela tinha usado algum tipo de corante para mudar a cor.
— Sua avó era uma das bruxas mais fortes da nossa cidade. Ela superava qualquer outra pessoa e todos esperamos que você também. Embora, admito que alguns assumiram que você não é nada mais do que uma mundana já que não mostrou nenhuma habilidade ou produziu poções para vender em Fogueiras e Fogões.
Peguei duas canecas e coloquei os saquinhos de chá nelas. — Vovó não era nada mais do que uma normal, mas excêntrica, avó. O que é Fogueiras e Fogões? E o que você quer dizer com poções? Não sou muito a favor de remédios caseiros. Estou firmemente do lado da medicina moderna. Embora eu admita que muitas plantas têm propriedades curativas e são usadas em muitos medicamentos.
Aislinn riu e balançou a cabeça. — Uma coisa de cada vez. Primeiro, você já fez algo estranho ou fez algo acontecer quando você estava com raiva ou com medo?
Eu pausei o turbilhão de pensamentos que estava tendo e considerei sua pergunta. Não havia verdade no que ela estava dizendo. Ou havia? — Explodir pneus conta? — Meu tom era provocante quando escolhi um fenômeno irrealista, quando me dei conta que a razão pela qual escolhi esse exemplo muito peculiar foi por causa de um incidente que eu não consegui explicar na época da faculdade.
Aislinn arqueou uma sobrancelha enquanto sorria para mim. — Agora que você tem que explicar.
A chaleira começou a assobiar e eu derramei a água quente nas canecas e depois entreguei-lhe uma. Adicionei três colheres de açúcar e um pouco de leite enquanto tentava lembrar de tudo e silenciar a negação gritando em minha cabeça.
— Quando eu estava na faculdade havia essa garota que morava no meu dormitório. Ela acreditava que o mundo deveria girar em torno dela. Um dia ela pediu ao meu marido Tim, só que ele não era meu marido na época, para encontrá-la no restaurante onde ela trabalhava e levá-la para dançar depois do turno. Ela não sabia que eu estava ouvindo do meu carro que estava estacionada há duas vagas de distância dela. Estava tão brava que desejei que o pneu dela furasse e ela faltasse ao trabalho. Para minha surpresa alguns segundos depois o pneu do lado que ela estava encostada estourou, fazendo ela cair de bunda no chão.
Aislinn estava rindo no final da minha explicação. — Isso foi definitivamente magia. Pneus não explodem assim do nada. Você fez isso acontecer. Parece que herdou a magia da sua avó no final das contas. Eu tinha razão. E o resto do que aconteceu esta manhã é provavelmente porque você acabou de ser nomeada como a nova Guardiã. Mas não deve ser só isso. Ou eu não teria sentido o fluxo de antes.
— Guardiã? Do que diabos você está falando? — Eu estava rapidamente chegando ao meu limite. Eu não queria ficar chateada com a única outra pessoa na cidade que falava comigo, mas eu odiava ser feita de tola.
Abri minha boca para dar uma boa tirada nela por me achar ingênua o bastante para acreditar na história da carochinha que ela acabou de contar, mas preferi fechar a boca e não falar nada. A energia borbulhando pelo meu corpo me dizia que ela estava certa. Ela efervescia como comprimidos antiácidos na água. Aquilo não era normal. E, nem você. Eu me encolhi ao ouvir aquela voz dentro da minha cabeça. Parecia muito com a da vovó.
— Como eu disse, não sou a melhor pessoa para explicar tudo isso, mas você é a Guardiã do portal. Sua família tem sido responsável por garantir que os Feéricos Sombrios não cruzem para este reino por mais de cem anos. Agora esse papel é seu.
Minha mandíbula despencou e meu coração parou por um segundo. Havia uma parte de mim que sabia que ela estava certa, mas minha mente científica se recusou a acreditar. Eu fiquei parada lá enquanto minha mente lutava contra si mesma. A parte de mim que me fez uma excelente enfermeira racionalizou que eu provavelmente bati minha cabeça e ainda estava inconsciente sofrendo de uma hemorragia cerebral. Que nada disso era real.
Uma parte escondida de mim subiu à superfície. Era algo que só surgia quando eu estava em Pymm's Pondside. Essa parte lembrou de todas as estranhezas feitas pela minha avó que eu tinha visto, além dos incidentes que ocorreram desde que eu assumi a casa.
Eu belisquei meu braço para ver se eu estava, de fato, acordada. — Ai! Ah meu Deus! Por isso fui atingida pela eletricidade depois que informei à casa que ela agora pertencia a mim e que ela não conseguiria me afastar. Embora, eu não tenho certeza se acredito em magia ou algo assim. Tudo isso é demais para mim.
Aislinn pegou o pote de biscoitos que eu mantinha no meio da ilha da cozinha e levantou a tampa. Pegando um biscoito de passas com aveia, ela deu uma mordida. — O que você quer dizer com isso é demais para você? Isidora nunca te contou nada? Como ela poderia deixá-la no escuro quando ela sabia que isso passaria para você?
Balancei a cabeça. — Então, magia existe? E Feéricos? São tipo como a Sininho?
A boca de Aislinn escancarou e ela balançou a cabeça de um lado para o outro. — Nem todos da nossa espécie se parecem com a Sininho. Eu sou uma Feérica. Bem, metade na verdade. E há todos os tipos de criaturas em nosso mundo. Duendes, pixies, ninfas, tanto de floresta quando de água, barghests, grimms, e muito mais. A propósito, foi uma pixie que se revelou para Walt Disney anos atrás que inspirou a Sininho.
Eu franzi meus lábios e estreitei os olhos. — Você é uma desses Feéricos? Suas orelhas são pontudas?
Aislinn terminou seu biscoito e esfregou as mãos. De pé, ela caminhou até a pia. — Na verdade sou. Não sou tão poderosa quanto um sangue puro, mas tenho algumas habilidades. E não, eu não tenho orelhas pontudas. Meu lado humano diluiu essa característica. — Ela estendeu a mão e tocou a ponta da babosa que estava meio morta quando cheguei. A coisa se ergueu e ficou verde vibrante instantaneamente. As hastes caídas e marrons não existiam mais.
Eu caí contra o balcão e mal consegui me segurar para não cair no chão de madeira pela segunda vez naquele dia. — O que diabos eu devo fazer com tudo isso? Isso é insano. Espere… — engasguei quando dei por mim e foi como ser atingida por uma tonelada de tijolos. — Todas as histórias da minha avó são verdadeiras! Não havia dúvida que se o que Aislinn estava dizendo era verdade, então minha avó estava me preparando a vida toda sem dizer diretamente. — Puta merda!
— Conhecendo Isidora, essas histórias foram realmente de experiências que ela teve. Eu adorava ouvir sobre todas as criaturas que ela tinha encontrado. Ela era infame por chutar a bunda de Feéricos e negar-lhes permissão para entrar em nosso reino.
— É isso que uma Guardiã faz? É isso que eu devo fazer agora? — A ideia soou emocionante. Eu estava entediada até dizer chega e considerando procurar um emprego trabalhando na loja de vinhos.
Aislinn acenou com a cabeça e pegou sua caneca. — Você decidirá qual Feérico permitir cruzar e qual manter fora.
Meu coração acelerou com a simples ideia de negar a algum idiota malvado a habilidade de vir para a Terra. — Eu não sei o que é mais chocante, se o fato que existem outros mundos além do nosso ou que cabe a mim dizer quem pode vir aqui. Ou que magia existe. Eu não conseguia assimilar tudo isso.
Aislinn riu. — Eu não gostaria de ter essa função, mas sei que é importante. O Rei Voron tenta colocar os pés aqui há séculos. Se ele conseguir, ele dominará este reino também.
Terminei meu chá, passei água na minha xícara e olhei para Aislinn. — Eu perguntaria como eu deveria tomar essas decisões, mas cheguei ao meu limite. Que tal aquele almoço agora? — Eu estava faminta e tinha inadvertidamente pulado o café da manhã. Eu precisava fazer algo normal por um tempo antes que minha mente voltasse para o balde de irrealidade que tinha acabado de ser despejado em mim.
CAPÍTULO TRÊS
— Tem certeza que quer ir a pé para casa? Fica há quase três quilômetros daqui. — perguntou Aislinn, erguendo o olhar de sua bolsa, com as chaves do carro na mão e uma expressão cética.
Sim, eu duvidaria da minha capacidade também se eu estivesse no meu juízo perfeito, mas não estava. E eu odiei que a pergunta dela me fizesse sentir como se eu fosse velha. — Tenho certeza. Preciso tomar pouco de ar fresco e o exercício será bom para mim. — Tudo isso era verdade, mas não era realmente o motivo.
Uma vez que eu estivesse sozinha em casa, todos o turbilhão de pensamentos que consegui manter à distância na minha mente voltariam desenfreados e eu não tinha certeza se não acabaria tendo um colapso. Minha cabeça virou sem permissão e se concentrou no interior da cafeteria que acabamos de sair. Será que Bruce, o dono do Xí Cara, era um anão sobrenatural? Ou um outro tipo de Feérico? Ele tinha que ter algum tipo de magia para fazer sanduíches tão gostosos.
— Ele é um tipo de Feérico que chamamos de anões. Muito diferente das pessoas pequeninas — disse Aislinn, como se estivesse lendo minha mente. Espere. Será que ela realmente lia mentes?
— Você pode ler minha mente? — Aquilo seria terrível. Eu teria que parar de passar tempo com ela, o que seria uma droga porque eu realmente gostava daquela mulher briguenta.
Aislinn riu. — De jeito nenhum. É bem óbvio o que está passando pela sua cabeça. Mas não te culpo. Se eu não tivesse crescido sendo ensinada sobre um mundo oculto, que existe apenas em poucos lugares fora de Cottlehill Wilds, eu já teria dado entrada em um hospital psiquiátrico.
Uma gargalhada explodiu de mim. — Confie em mim, estou perto disso. Mas minha avó sempre me contava histórias sobre Feéricos e magia. Só nunca imaginei que era tudo verdade. De qualquer forma, obrigada pelo almoço. Te vejo em breve.
Eu me forcei a começar a caminhada de volta. A cidade estava movimentada enquanto eu caminhava lentamente pela rua principal e passava pela praça no centro. À primeira vista o lugar era como qualquer outro pequeno município, no entanto, tudo parecia diferente para mim hoje.
Havia um brilho em torno de algumas lojas e nada em outras. O restaurante Ostra de Safira pulsava com energia ao passar por ele. O Hora do Chá era cercado por plantas que lhe dava uma aura verde e uma sensação vibrante. Quando cheguei ao desvio que cortava caminho para os penhascos e a minha casa, estava convencida que havia algum tipo de fenômeno presente nesses locais. Era quase como se fosse uma indicação de que o lugar era propriedade de um sobrenatural.
No meio do caminho me virei para a esquerda em vez de direita e parei na beirada de um penhasco, observando o oceano que se estendia à distância. Quando eu estava em casa, em Pymm's Pondside, era impossível dizer que o oceano estava a apenas um quilômetro e meio de distância. Parada lá, sentia como se estivesse literalmente em outro mundo.
Além disso, senti que minhas pernas estavam quase desmoronando depois da caminhada que tinha acabado de fazer. Não é como se eu estivesse fora de forma, mas as dores que eu já estava sentindo eram suficientes para me fazer arrepender de não ter aceitado a carona de Aislinn até em casa.
Balançando a cabeça, me virei e comecei a descer a estrada que me levaria para casa. A agitação da cidade de repente ficou para trás, deixando-me cercada por árvores e arbustos. As casas a essa altura eram bem mais afastadas em vez de uma ao lado da outra, ou até mesmo parede com parede.
Eu não tinha visitado ninguém por aqui e não fazia ideia de como as propriedades deles se pareciam por trás das paredes de plantas e arbustos, que agiam como sentinelas fornecendo-os privacidade. Chutando uma pedra, eu observei ela bater em uma barreira invisível à minha direita. Eu mal consegui desviar quando ela foi atirada de volta em minha direção.
Eu me perguntava onde Sebastian morava. Violet me disse que ele vivia perto da minha casa. Eu fiquei chocada quando decidi me aventurar no mundo da perseguição e perguntar a Aislinn e Violet quem era o cara misterioso. Não passou despercebido por mim que no momento em que o descrevi com seus olhos azuis penetrantes e corpo musculoso, ambas as mulheres sabiam de quem eu estava falando. Fiquei surpresa que elas o conheciam o bastante para se referirem a ele pela versão abreviada de seu nome. Ele não parecia do tipo que falava com as pessoas, com ninguém na verdade.
A imagem dele cruzando os braços e olhando feio para mim passou pela minha mente. Bas, como Violet e Aislinn se referiam a ele, fazia até uma carranca parecer sexy. Eu não conseguia imaginar que alguém fosse capaz de sorrir, mesmo assim aquilo não me impediu. Eu estava atraída por ele, de uma forma ou de outra. Eu não poderia negar que estava curiosa se o rosto dele suavizaria quando ele me beijasse. O quê? Não, nem em sonho!
Eu alcancei minha casa rapidamente e parei para olhar para o jardim. As ervas daninhas estavam começando a crescer, então atravessei o portão e peguei as luvas da mesa montada à minha direita.
— Droga — gemi ao ficar de joelhos. Aquilo provavelmente foi um erro. Eu nunca mais conseguiria me levantar. Sem mencionar que a dor nas minhas juntas me manteria acordada a noite toda. Enquanto eu ficava ajoelhada lá arrancando as ervas daninhas do chão, Sebastian invadiu os meus pensamentos, de novo.
Droga. Foi por isso que tinha vindo até aqui. Para ter uma distração.
Agarrando as teimosas ervas daninhas, puxei uma atrás da outra enquanto forçava minha mente a focar na atividade que estava fazendo. Infelizmente, fazia muito tempo desde que eu tinha sido de alguma forma beijada ou tocada. Desde que o Tim morreu, nenhum homem tinha despertado o meu interesse. E certamente nunca tinha ficado tão atraída a ponto de querer levar um para a cama.
Estava acostumada a viver com essa parte de mim morta e enterrada. Porém, ver Sebastian parado lá com sua carranca tinha mudado algo em mim. Agora meu corpo estava desperto e não me deixava ignorar minhas necessidades.
Sentando-se para trás em meus tornozelos, eu fechei meus olhos e suspirei, tentando expulsar aquele calor latejante de dentro de mim. Era algo do qual eu tinha ficado muito boa em fazer durante o período em que Tim ficou doente. O som de algo agitando a água me assustou e eu fiquei de pé com um pulo. — Merda! — gritei quando meus joelhos começaram a reclamar na mesma hora. Ficar velha era uma merda.
A visão de flores desabrochando nas vitórias-régias apagou qualquer pensamento sobre meu corpo rangendo. Manquei até o portão e passei por ele apressadamente. O que diabos eu fiz? E… como? Eu já tinha feito pequenas coisas acontecerem algumas vezes na vida, mas nada neste nível.
A lagoa era pelo menos uns nove metros de comprimento e uns sete metros e meio de largura, e coberto por vitórias-régias que agora tinham deslumbrantes flores brancas nelas. Minha mente se recusava a acreditar que eu era a responsável pelo aparecimento delas.
Eles tinham que estar à beira de florescer antes. Era um dia ensolarado e brilhante. Os raios tinham que ter persuadido os botões a abrirem. Só que não havia nenhum botão antes, ou qualquer indício deles. Parada ali, minha boca escancarada em descrença, não havia outra explicação já que elas definitivamente não existiam momentos atrás.