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Ainda que pudessem ter incluído muitos outros lugares nessa lista, a verdade era que apenas foram essas quatro possibilidades e dentre elas foi eleita Roma, uma vez que nenhum, exceto um, a conhecíamos, enquanto as demais eram vários os que tinham estado em um ou em outro lugar.
Naquela época, não sabíamos muito bem o que iríamos enfrentar, tudo estava organizado como uma viagem de grupo, os traslados, a estadia e até a comida, e só precisávamos levar algumas liras, a moeda local, para comprar alguma lembrança.
Para isso, vários de nós trocamos uma pequena quantia no banco antes de partir, embora houvesse quem preferisse fazê-lo no aeroporto de chegada, porque esperava que o câmbio fosse mais favorável no país de destino.
Era uma daquelas coisas que nós, jovens, acreditávamos que, ao ganhar um pouco de dinheiro, economizando ao máximo em algumas pequenas coisas, poderíamos fundar no dia de amanhã uma grande empresa.
Agora que me lembro que vários de meus colegas de turma foram altos executivos de grandes empresas, inclusive um deles foi diretor do FMI. (Fundo Monetário Internacional), cargo que nenhum de nós nem sonhava em alcançar, apesar da influência, do poder e do dinheiro de alguns de nossos pais. Mas, daqueles jovens impetuosos e ambiciosos, o que resta agora?
De vez em quando, uma parte da turma se reunia para celebrar a passagem das décadas desde que nos formamos, mas desses, que eram os que tinha mais contato, não resta mais ninguém.
Os anos atingiram a todos, apesar das grandes fortunas que alguns acumularam ou das muitas cirurgias feitas por alguns, para trocar um baço, fígado ou até o coração, tentando remediar os excessos da sua juventude, tentando enganar a morte, mas mais cedo ou mais tarde ela chega a todos nós. Não sei por que não me alcançou, talvez ainda tenha algo a fazer, mas não saberia dizer o quê.
Agora que me lembro, conheço um amigo que após gastar a sua fortuna em doações para centros de pesquisa para que lhe buscassem uma cura para essa terrível doença que é a velhice, tudo o que conseguiu foi um solitário e frio caixão, com um metro e oitenta de comprimento por setenta de largura, em um centro experimental onde conservam o seu corpo congelado.
Lá, permanece inerte como se estivesse dormindo profundamente, esperando que, passados uns anos, talvez umas décadas, a tecnologia avance tanto que lhe consigam reanimar para lhe conceder a tão almejada longa vida.
Pessoalmente, e após ter sobrevivido a tanto, entendo que poucos anos já teria sido suficiente… se eu tivesse percebido o que é realmente importante.
Tanto tempo desperdiçado buscando e desejando, sem saber o verdadeiro valor de cada instante. Muitas vezes pensei que, se tivesse uma segunda oportunidade, mudaria muito do que fiz. Não é que me arrependa, pois tenho a consciência tranquila, mas faria de outra maneira, e inclusive, em outra ordem.
Tantas lembranças, tantas vivências e, agora, são só fotos num álbum antigo acumuladas em alguma caixa, ou algumas emolduradas e penduradas na parede à espera de que alguém venha e me pergunte sobre ela.
Nunca fui muito bom em contar histórias, pois minha pressa sempre me aconselhava que fosse direto ao ponto, omitindo os detalhes, mas agora, mesmo que eu quisesse, esses detalhes já não existem, só as fotos e algumas anotações. O resto fica como se eu estivesse atrás de uma espessa névoa da manhã, que oculta a paisagem.
O que me dá uma estranha sensação, as vezes de admiração e outras de impotência, sabendo que há tesouros detrás da névoa, você tem certeza de que estão lá, mas são inacessíveis.
Minha mulher, ela sim era excepcional para recordar até os mínimos detalhes de qualquer viagem, reunião ou conversa. Era incrível a clareza com que os narrava, era como se eles estivessem a sua frente, o que lhe permitia descrevê-los.
Ainda me surpreende quando me lembro de como ela era capaz de reconhecer pessoas que não via há anos e, simplesmente, ao vê-las, sabia perfeitamente quem era e sobre o que tinham falado da última vez.
Uma memória prodigiosa que a permitia aprender sobre qualquer assunto, praticamente ao vê-lo uma só vez.
Ela me dizia que isso era porque tinha uma memória fotográfica, mas eu ria dizendo que não havia nenhuma câmera, nem sequer das modernas, que pudessem gravar tantas imagens como ela.
Ah, minha mulher! Não creio que houvesse sobre a terra um ser tão especial como ela, é uma pena que tivesse que ir tão cedo, com tanto o que nos restava compartilhar, tantas viagens por fazer… parece que foi ontem quando a encontrei pela primeira vez e por outro lado agora…
Que estranha é a memória! Que para o que quer, lembra de tudo e no instante seguinte só fica o vazio, se pudesse apenas guardar minhas lembranças durante um momento! De que me serve tudo o que vivi se não posso recordá-lo? Menos mal que meu legado ficará em meus alunos.
Graças a eles e aos seus filhos, tudo o que eu soube, permanecerá para as gerações futuras. De fato, me sinto satisfeito mesmo que apenas um deles possa aplicar em algo o que lhe foi ensinado e com isso melhorar a sua vida.
Bem, que assim volto a enrolar…, menos mal que tenho aqui aberto diante de mim o meu diário de viagem para me lembrar onde estava, deixe-me ver… O que tenho anotado daquela época em meu diário?
“23 de abril de 1953. Hoje saímos às dez e fomos à Paris para trocar de avião até Roma. Na chegada, um ônibus nos levou até o hotel. Um estabelecimento pitoresco com quartos pequenos e camas um pouco duras, mas com vistas incríveis e uma localização excepcional na área turística. Primeiro dia de aventura, dividindo o quarto com Arthur, que ronca tanto que não me deixou dormir”
Isso é o que tinha anotado junto com um símbolo que havia na porta do hotel, o brasão da família do proprietário do estabelecimento.
Não me lembro muito bem do que aconteceu, mas o que está claro é que nenhum de nós passou a noite no hotel, mas sim, que queríamos aproveitá-la para percorrer a cidade e conhecer o que não estava nos livros.
Ao final, tivemos que voltar ao hotel desanimados e com o corpo cansado de uma exausta e infrutífera noite, após muito andar, perambulando por aquelas escuras e mal iluminadas ruas, com uma penumbra constante quebrada unicamente por uma ou outra lanterna, como pequenas chamas prestes a se apagarem.
E toda essa caminhada para nada, pois não conseguimos chegar ao nosso ponto de destino, onde nos tinham assegurado que poderíamos encontrar uma atmosfera festiva em qualquer época do ano.
Talvez tenha sido um erro na escolha da rua, uma esquina errada, uma praça que viramos na direção oposta, o que nos desviou de nosso objetivo, fosse o que fosse, nenhum de nós ficou aborrecido porque foi uma experiência e tanto poder ver a cidade com outras cores, privilegiados por uma bela e luminosa lua cheia que refletia nas paredes sinuosas, sombras das estátuas e decorações das casas da época medieval.
Nossos sonhos partidos naquela noite não nos desencorajaram a visitar uma boa parte do centro na manhã seguinte, e para isso, tivemos a ajuda de uma pessoa que nos havia disponibilizado a embaixada.
Ele era um homem mais velho, de físico forte e um certo ar boêmio, por sua maneira de se comportar e usar aquele lenço chamativo no pescoço, dobrado para fora.
Que eu me lembre, era a primeira vez que via um homem usando um lenço como uma peça de roupa, diferente das garotas que costumavam usar para cobrir a cabeça, quando ventava muito, impedindo que seus cabelos fossem despenteados.
Esse senhor nos servia tanto como guia turístico quanto para controlar nossas ações, uma em especial lhe haviam encarregado: que nos cuidasse, para que não nos metêssemos em muitas confusões enquanto estivéssemos na cidade.
Embora não achasse necessário, pois todos estávamos conscientes da situação política do momento, do quão delicada era a nossa presença devido às implicações internacionais que poderia envolver, tentamos nos ater ao que havia sido o plano aprovado, mas tudo saiu do controle quando tivemos o primeiro acidente grave da viagem.
Apesar dos muitos avisos de que nossa presença naquele lugar poderia levantar suspeitas e desconfianças entre seus habitantes, não tínhamos visto um único gesto incorreto. Além disso, não esperávamos que isso nos afetasse muito, pois vínhamos com poucos dias para ver tudo e íamos conforme o plano, mas um incidente com um dos colegas, quando lhe roubaram o pouco dinheiro que tinha, fez com que o grupo se desfizesse e se desagregasse.
Alguns colegas, incluindo o afetado pelo furto, iniciaram a perseguição atrás daquele malfeitor, guiados mais pela indignação que lhes havia provocado do que pela quantia, pois ele tinha se virado e rido a alguns metros após tê-lo roubado, mostrando com provocações seu saque, mas todas as tentativas de encontrá-lo foram em vão.
Não que ele corresse muito, mas conhecia cada um dos cantos e segredos daqueles becos, além de sem saber de onde, surgiram alguns colegas seus que dificultavam a corrida, colocando-se no caminho, interrompendo as possibilidades de que se alcançasse o delinquente.
Mesmo aqueles que já haviam saído em sua perseguição, não creio que tivessem muito claro o que fariam quando o encontrassem e recuperassem o dinheiro, só reagiam instintivamente como cães de captura em busca de seu troféu.
Aquilo causou uma sensação desagradável no grupo, quebrando a harmonia que até então tínhamos.
Alguns decidiram voltar ao hotel para ligar para a embaixada, alertá-los sobre as circunstâncias ocorridas, e pedir novas instruções sobre o que fazer. Alguns poucos pressionaram nosso guia para que fizesse a polícia intervir, os carabinieri, mas ele negava com a cabeça pois parecia que aquilo era mais normal do que nos tinham dito.
Me incluo entre os poucos que ficaram alheios à situação, e preferimos continuar com a excursão, sabendo que não tínhamos muitos dias antes de terminar a estadia, já que a perda provocada, afetou mais que nada o orgulho daquele jovem que havia sido violado em sua privacidade com aquele furto, e por isso, não acreditávamos que tínhamos que parar nossas atividades culturais visitando os lugares mais interessantes da cidade.
O guia, vendo essa desordem, nos indicou aos poucos, que queríamos seguir a visita, por onde deveríamos ir e a que horas deveríamos voltar para comer, pois ele, afinal, tinha decidido voltar ao hotel com os colegas que queriam avisar a embaixada.
Alguns, mudando de opinião, ficaram bastante incomodados porque ele não quis envolver as autoridades locais e continuaram a excursão conosco.
Não éramos nem metade do grupo, um ou outro ficou no local esperando que, aqueles que tinham saído correndo atrás do criminoso, retornassem para que pudessem indicar onde estava o resto de nós e, assim, nos encontrarmos antes de comer novamente.
Agora sim estávamos em uma aventura, em um país do qual não compreendíamos o idioma, e que, para onde quer que olhássemos, a cultura local era totalmente desconhecida para nós.
Já havíamos visitado com o guia os monumentos mais importantes, o Coliseu e o Fórum, e agora estávamos indo conhecer uma das muitas igrejas que estão distribuídas aleatoriamente pelo centro, como gotas de orvalho no campo, aguardando serem descobertas pelo visitante.
Aquelas visitas de conteúdo religioso não faziam muito sentido para mim, pois havia muito que abandonara minhas crenças, então não encontrava nenhum significado em entrar em toda igreja para contemplar retábulos pintados séculos atrás ou para admirar uma estátua ou ícone por muito mais notável, antiga e bem feita que fosse.
Mas, para minha surpresa, as igrejas não só continham arquitetura e vestígios religiosos, como também eram um refúgio para muitos outros elementos, restos arqueológicos ou pertencentes à cultura popular independentes de sua origem, pois se tornaram lugares de refúgio de peças artísticas, sem a necessidade de que a temática fosse exclusivamente religiosa.
Um exemplo disso foi a visita que fizemos à igreja de Santa Maria em Cosmedin, em cujo exterior está o resto arqueológico de uma grande roda entalhada com a imagem de uma pessoa idosa de cabelos desarrumados e a barba emaranhada, com um olhar fixo e perturbador, com a boca aberta.
A princípio, ficamos um pouco surpresos, dos que íamos na frente da fila e diante de nossa perplexidade, um de nós se atreveu a colocar a mão ali e nada aconteceu; depois disso, todos também a colocamos com o mesmo resultado, sem entender completamente o significado daquilo nem para o que servia.
Mais tarde no hotel, o guia nos explicaria que se tratava da Boca da Verdade, na qual ao introduzir a mão direita na abertura, se a pessoa que o fazia não dizia a verdade, a perdia.
Depois disso, continuamos perambulando pela cidade, maravilhados com a quantidade de vestígios artísticos e culturais que haviam sobrevivido o passar dos anos.
Eu tinha ouvido falar dos castelos medievais, daquelas suntuosas e grandiosas construções, fortificações erguidas para salvar os pertences dos reis e senhores feudais do lugar, junto com os habitantes dos povoados vizinhos, mas estar lá era como viver em uma cidade medieval onde se mantinha ainda a mesma arquitetura em suas ruas, fontes e praças.
Não importa para onde olhássemos, fosse uma varanda ou a verga de uma porta, nos impressionava a imponência dos detalhes lavrados, esculpidos ou pintados, lembranças de uma gloriosa era artística anterior. Além disso, conforme soubemos depois, a cultura das diferentes artes era algo que se mantinha vivo nas escolas, consideradas uma das mais prestigiadas do mundo, um bom lugar para se viver, se for amante da história.
Mas eu era mais pragmático, preferia aquilo que tivesse alguma tecnologia e todas as vantagens que isso implicava. As avenidas amplas e planas, onde você poderia se deslocar com seu veículo de um lugar para outro em pouco tempo, sem precisar subir e descer as ruas de paralelepípedos.
Uma maneira diferente de ver e considerar a vida, preferia as grandes cidades, onde era fácil acessar todos os serviços em minutos. Eu nunca tinha pensado que alguém pudesse viver em um lugar tão peculiar.
Levantar-me pela manhã e ver tudo isso parecia bastante inusitado e confuso; não me imagino viver desde criança ali, seria como estar permanentemente em um museu, sabendo que tudo o que tocasse tinha centenas de anos.
Mesmo que em relação às pessoas as diferenças entre nós não fossem tantas, no entanto, alguns nos olhavam com cara de estranheza, de desconfiança, o que nos fazia sentir como estrangeiros ali, quase como uma força de ocupação.
Talvez fosse apenas impressão, pode ser porque estivéssemos vestindo roupas diferentes daqueles que estávamos acostumados a ver por lá.
O que quer que seja, com o desgosto do furto que havíamos sofrido durante a manhã, andávamos com o cuidado de que não se produzisse nenhum outro desentendimento ou problema parecido, sabendo que agora éramos menos.
Talvez nossa viagem tenha sido muito precipitada devido às circunstâncias sócio-políticas do momento, mas era um sinal de boa vontade por parte do nosso colégio, uma demonstração de cooperação e troca.
Não sei se algum grupo de estudantes italianos iria visitar nosso país, suponho isso, mas minha informação não chegava a tanto.
Talvez fosse parte de uma política de abertura com o resto do mundo, não sei, o que estava claro é que nunca tinha visitado o país e que era uma grande oportunidade para fazê-lo, por isso não queria que nada nem ninguém me atrapalhasse.
Se o colega que teve a sua carteira roubada tivesse me dito a quantia que lhe faltava, eu mesmo a teria desembolsado para poder continuar com tranquilidade aquela excursão.
Não imagino que outro elemento de valor poderia ter nela, já que toda a documentação tínhamos guardada na embaixada. Aqui, para nos movermos pela cidade, tinham nos fornecido uma ficha na qual vinham nossos dados, o endereço do hotel onde estávamos hospedados e o telefone da embaixada. Apesar de estarmos em plena primavera recém-chegada, fazia bastante calor e não estávamos acostumados a temperaturas tão elevadas nessa época do ano, e era difícil para nós encontrarmos fontes para beber.
Das que havia, não estávamos seguros de que fossem potáveis, apesar de que as pessoas dali bebiam sem nenhuma preocupação, mas nós, por prudência, preferimos apenas refrescar as mãos e a cabeça, pois uma fonte que tem funcionado há tantas centenas de anos, não pode estar tão limpa quanto gostaríamos.
Talvez fosse diferente, mas aquelas pessoas nos pareciam bastante inocentes, longe das grandes cidades cheias de fumaça das fábricas próximas, à qual estávamos acostumados, mas algo parecido deviam pensar de nós, quando nos fascinávamos com os detalhes que eles contemplavam todos os dias.
Gostávamos tanto do que víamos, que alguns de meus colegas para não esquecerem, se dedicavam a recordá-lo em seus cadernos de desenho, preenchendo-os com a forma mais ou menos traçadas dos edifícios mais significativos e importantes. Outros, pelo contrário, parece que lhes ia melhor a escrita e paravam em cada rua tentando relatar, em alguns parágrafos, aquela maravilha que víamos. Apenas alguns colegas conseguiram trazer câmeras fotográficas.
Não sei como eles teriam passado pela alfândega, porque nos tinham dado instruções concretas antes de partir de que não poderíamos tirar nenhuma tecnologia de nosso país, mas suponho que o sobrenome dos pais desses colegas pesasse mais do que qualquer outra norma escrita.
De vez em quando eles nos pediam que parássemos para tirar algumas fotos em que aparecêssemos todo o grupo e atrás o edifício em questão.
Talvez tenha sido mais inexperiente que o restante no quesito viajar, já que tinha trazido apenas um pequeno caderno de anotações, no qual pretendia reunir todo dia o que era mais importante sem tentar captar naquelas poucas linhas a admiração que a cidade despertava em mim a cada passo.
Um dos aspectos que me pareceram mais curiosos pelo contraste com o que conhecia, estava relacionado à maneira de vestir das mulheres. As mulheres mais velhas, usavam um lenço preto na cabeça e vestiam o mesmo tom. As jovens o faziam com cores discretas e lenços muito chamativos.
Acostumado a ver as do meu país maquiadas, com grandes saias rodadas, com mangas curtas onde se viam os braços e apenas algumas usando o lenço para um detalhe decorativo.
Além disso, parecia que havia uma clara diferenciação entre sexos quanto ao que se podia fazer ou não, de modo que os homens desfilavam pela rua em seus trajes que pareciam os melhores estilos, onde a maioria, quando não estava no trabalho, usava uma simples camisa devido ao calor predominante, mas era uma atitude um tanto estranha para nós, os homens pareciam ser os que mandavam na sociedade, enquanto as mulheres recatadas tentavam passar completamente despercebidas, como se não tivessem nada para demonstrar ou contribuir.
Aquilo me parecia bastante surpreendente, é como se todos tivessem ficado presos no tempo, me refiro à como se vestem, pois não acho que seja algo religioso, como acontece com os quakers, uma comunidade que tinha se isolado do mundo, mantendo sua cultura sem querer progredir, prova disso era a roupa que utilizavam que não estava muito longe da que víamos agora.
Bem, essas eram as minhas impressões naquele momento; com o tempo, chegaria a entender a cultura que estava vendo, e era tudo fruto da minha inexperiência, pois segundo me revelaram os colegas que haviam viajado pela Europa em outros momentos, dependendo do país que se fosse, havia costumes e maneiras de vestir totalmente diferentes.
Até o tratamento entre homens e mulheres era bem diferente dependendo do país onde se estivesse, então eles me falaram sobre a exuberância da mulher francesa, que exibia suas qualidades sem modéstia, assim não esperava que o homem fosse em sua busca, mas era ela quem escolhia aquele que lhe parecia mais galã.
Mesmo em outros lugares em que compartilhávamos uma cultura e um idioma em comum, pareciam ainda manter tradições muito características, ao contrário do que vinha acontecendo em nosso país há muito tempo; as mulheres ainda não tinham conseguido ter um nível suficiente de independência econômica e política, como na Inglaterra, onde ocorreram os primeiros movimentos para obter o sufrágio universal, ou seja, que as mulheres pudessem votar na eleição dos seus representantes legais e com isso as reconhecesse uma série de direitos que lhe equiparavam ao homem. Mas tirando o aspecto político, ainda havia muitas que não trabalhavam mais além dos setores minoritários e em suas casas.
Aquelas comparações não deixaram de me surpreender, parecia que essa parte do mundo evoluía mais lentamente do que pensava.
Pelo menos no meu país, um esforço importante tinha sido feito para compartilhar sua cultura com o resto, uma vez que tinha integrado à sociedade todos os emigrantes que nas últimas décadas tinham chegado provenientes de todos os países da Europa, refugiados políticos, acolhidos ou simplesmente familiares, que desta forma se reencontravam.
Muitos tinham vindo fugindo de um sistema político que não os convencia, outros procurando melhores condições de vida e oportunidades de trabalho, e todos foram acolhidos sem diferença de sexo, raça ou religião.
Em pouco tempo haviam assimilado a cultura do país sem perder a sua própria, por isso era difícil distingui-los nas ruas, nem nas escolas, nem nos locais de trabalho.
Talvez o que mais se destacasse fosse a cor de sua pele ou algumas fisionomias, mas como já havia tantos que estavam neste país há gerações e gerações, isso não era indicativo de nada.
O que sim eles mantinham como sinal de identidade, eram seus ritos e cerimônias ao casar-se ou despedir-se de seus entes queridos quando morriam, alguns dos quais havia assistido mais de uma vez, as primeiras por curiosidade e as demais por amizade.
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