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A Lista Dos Perfis Psicológicos
A Lista Dos Perfis Psicológicos
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A Lista Dos Perfis Psicológicos

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― Há alguma coisa que o possa ter provocado? Refiro-me às primeiras vezes em que se apercebeu deste problema. Sabe se houve alguma alteração na sua vida, que em consequência a faça sofrer disso?

― Bom, nada de que me lembre, ou talvez sim, não sei se tem alguma coisa a ver, é uma caixa que encontrei num parque. Não me leve a mal, mas com o pouco que ganho da minha reforma, às vezes recorro ao que encontro a ver se me pode ser útil. Sei que acumulo demasiado, mas não sabe o que passei na minha juventude.

― Acumula? ― Perguntei surpreendido com aquele comentário.

― Sim, você sabe, tem um nome muito estranho, mas não o consigo evitar. Tudo o que encontro tem um lugar especial na minha casa, sei exatamente onde colocar.

― Sofre de Síndrome de Diógenes?

― Sim, foi algo do género que os senhores dos Serviços Sociais me disseram, daquela vez que foram esvaziar o meu apartamento. Consegue imaginar… você passar uma vida inteira a guardar coisas, para que da noite para o dia deixem tudo vazio, sem um mínimo objeto?

― Mas você sabe que isso não é saudável, não sabe? ― Salientei, estranhando o rumo que aquela conversa estava a ter.

― Sim, eu sei, mas sou muito limpinha, embora um pouco descuidada, mas sempre tive tudo organizado, e nunca ninguém se tinha queixado.

Não quis aprofundar mais naquilo, primeiro porque parecia ser um tema doloroso para a senhora e pelo qual se sentia um pouco envergonhada, e segundo, porque não entendia o que é que aquilo tudo tinha a ver com as insónias, o que me levou a tentar aprofundar um pouco mais esse segundo aspeto.

― E então? Que relação acha que existe entre a sua falta de sono e esse objeto que encontrou?

― Ah! Sim, isso ― respondeu um pouco confusa. ― Sabe, eu acho que é valioso, mas nem sequer me atrevi a abri-lo. Está tão bem embrulhado que me deu pena rasgar o papel que tem em volta.

― Mas se não sabe o que é, como é que isso lhe pode tirar o sono? ― Respondi, deixando em evidência a incoerência das suas palavras.

― Precisamente por não saber o que é, já viu se são uns sapatos novos?

― Uns sapatos? ― Perguntei confuso.

― Sim, ou um lindo lenço para a cabeça. Nem sabe a falta que me faz. ― Respondeu emocionada com um largo sorriso.

― E porque não abre para ver o que é? ― Indiquei, perplexo.

― Porque está coberto com este papel de embrulho tão bonito.

― Como o de um presente? ― Perguntei, tentando obter mais informações daquele objeto.

― Sim, isso mesmo, e de cor vermelha, um pouco vistoso demais para o meu gosto, e nota-se que tinha um laço, mas agora já só resta um pequeno pedaço ali colado.

― Mas, havia alguém lá quando o encontrou?

― Não, não, até fiquei com ele um pouco na mão enquanto me pus a observar, mas ninguém que passava por mim parou para o reclamar.

― E o que quer que eu faça? ― Perguntei um pouco confuso com a situação.

― Que me ajude a dormir.

― E com o embrulho? ― Insisti naquele detalhe.

― O que tem o embrulho?

― O que vai fazer com ele?

― Ah! Pois, não sei, vou deixá-lo onde estava. Acha que faço mal?

― Não, de maneira nenhuma, é que pensava que, como isso poderia ser a origem da sua insónia…

― Sim, diga… ― interrompeu-me, prestando muita atenção.

― Pois bem, se assim for, creio que tudo voltará à normalidade se se desfizer do embrulho.

― Acha que sim?

― Com certeza! ― Afirmei com convicção, embora no meu interior não tivesse tanta certeza.

A senhora olhou para mim com pena, como se aquela notícia lhe tivesse causado muita dor ao chegar ao coração.

― O que acha que devo fazer?

― Não sei, mas para resolver a situação, terá de o abrir.

― Ao embrulho?

― Sim, ao embrulho ― esclareci.

― Mas, como vou abrir um presente que é para outra pessoa?

― Se é você que o tem então ele nunca chegará ao seu destinatário, e provavelmente a pessoa já o deve ter dado como perdido ― comentei, tentando evidenciar o quão absurda era toda aquela situação.

― Prefiro que seja você a ficar com ele ― afirmou a mulher depois de pensar um pouco.

― O quê? ― Perguntei, surpreendido com a decisão da mulher.

― Sim, assim você poderá dizer-me o que é e voltar depois a embrulhá-lo, e eu deixá-lo-ei onde o encontrei. ― Respondeu com um sorriso nervoso.

― Mas se eu o abrir…

― Com muito cuidado ― interrompeu a mulher, com os olhos arregalados e um olhar penetrante.

― Sim, está bem, mas se eu o abrir, não perderá o seu encanto?

― Não, você vê o que tem no seu interior, diz-me o que é e depois volta a fechá-lo, tal como estava. Penso que assim já poderei dormir melhor.

Pessoalmente, não estava nada convencido que a solução fosse aquela, mas era óbvio que a senhora estava disposta a tomar-me o resto da tarde se não atendesse ao seu pedido.

Na verdade, nunca tinha passado por uma situação tão absurda e desconcertante como aquela. “Podia ela mesma abrir o embrulho sem necessidade de vir à minha consulta!”. Mas como queria dar o assunto por terminado, disse-lhe:

― Deixe-me ver esse presente!

A senhora retirou uma caixa branca com uma tampa vermelha, e um laço da mesma cor, de dentro de um saco de supermercado. “Realmente parece uma caixa de sapatos”, pensei para mim.

Retirei, com cuidado, o laço que ainda tinha e entreabri a caixa, de costas para a senhora, tal como me tinha pedido. Qual não foi o meu espanto ao ver o que continha no seu interior.

― O que vem a ser isto? ― Perguntei em voz alta, entre um tom de alarme e surpresa.

― São uns sapatos? ― Perguntou a senhora, ansiosa e emocionada.

― Não, é um anel de noivado e um convite para um espetáculo de balé.

― De balé? ― Perguntou a senhora, desiludida com as minhas palavras.

― É o que parece, além disso, tem uma dedicatória. “Embora não nos conheçamos ainda, tenho a certeza de que os nossos caminhos se cruzarão”.

― Não disse que era um anel de noivado? ― Ressaltou a mulher, tentando olhar por entre as mãos, pois tinha tapado os olhos para não ver o embrulho.

― Sim, porquê? ― Perguntei sem entender a sua expressão.

― Como pode ser um anel de noivado se não conhece a outra pessoa? ― Questionou a senhora.

― Não faço a mínima ideia! ― Eu disse desnorteado, sem saber se aquilo se tratava de alguma brincadeira ou algo do género.

Tudo me levava a crer que ninguém tinha perdido aquela caixa, mas sim, que a tinham deixado lá de propósito para que alguém a encontrasse. Uma espécie de “mensagem na garrafa”, como se lê nos livros. Mas o convite para o balé era o que mais me intrigava. Seria um encontro às cegas? Mas quem é que estaria disposto a ir a um encontro com alguém que nunca tinha visto?

― Que desilusão! ― Afirmou a senhora, preparando-se para abandonar a consulta. ― Esperar tanto tempo para isto.

― Bom, pense pelo lado positivo, agora que já sabe o que é, já vai poder dormir melhor. ― Afirmei com um sorriso forçado.

― Pois já! Mas se ao menos fossem uns sapatos, mesmo que não fossem o meu número ― protestou a senhora.

― Tome a sua caixa! ― Eu disse com a intenção de a devolver uma vez que já estava fechada tal e qual como estava antes.

― Não a quero. Que bela perda de tempo! Adeus ― concluiu a senhora, enquanto fechava a porta atrás de si.

Fui atrás dela, com a intenção de que voltasse para levar a caixa consigo e a colocar de volta no lugar onde a tinha encontrado, mas a senhora não quis mais saber do assunto, e metendo-se no elevador, fechou as portas de ferro e pressionou o botão para descer.

Aquela foi a última vez que vi aquela mulher estranha, que em vez de pedir ajuda para o seu problema de acumulação de lixo, tinha perdido o sono por causa de uma caixa, que só estava associada ao prazer.

“Boa, e eu a pensar que tinha acabado!”. Disse para mim próprio enquanto regressava ao escritório, sentindo-me satisfeito por ter feito uma boa ação por uma desconhecida. “Agora já pode dormir tranquila”.

Olhei pela janela do escritório quando o vistoso relógio de parede soou. “Caramba! Já é tão tarde”, pensei enquanto levava as mãos ao casaco para me certificar de que tinha as chaves do escritório.

“Agora sim terminei por hoje”, disse a mim mesmo enquanto olhava ao meu redor para me certificar de que estava tudo em ordem antes de deixar o meu local de trabalho, que era como uma segunda casa para mim. Se bem que, na verdade, passava mais tempo ali do que em casa.

Aquelas quatro paredes, carregadas de títulos e de livros, tinham-se tornado tão habituais, que às vezes nem sequer me dava conta de que ali estavam. Só quando alguma coisa estava fora do lugar, é que parecia que se tinha quebrado o ponto de equilíbrio da sala até que a voltasse a colocar no seu devido lugar.

De repente, já com a mão no interruptor, prestes a apagar as luzes, vi sobre uma das cadeiras do escritório aquela caixa de embrulho que tinha desiludido a minha última visita.

“Às vezes é mais importante a ilusão que temos das coisas do que aquilo que realmente podemos esperar delas”, pensei para mim, tendo em conta as circunstâncias em que aquela senhora tinha perdido o sono fantasiando sobre o conteúdo daquela caixa.

“Se ao menos tivesse espreitando antes, teria evitado muitas voltas na calma”, refleti sobre o que aquela caixa tinha representado para aquela mulher, “mas entendo que, por vezes, a ilusão seja a única coisa que nos resta. E perdê-la talvez seja o mais difícil”.

Fiquei a observar a caixa, pensativo, e disse “E agora?”. Não sabia se devia desfazer-me dela ou deixá-la ali a ver se a senhora voltava no dia seguinte para a levar. Curioso, voltei para o escritório, aproximei-me daquela caixa tão bem embrulhada e chamativa, e voltei a abri-la.

Procurei certificar-me se havia mais alguma coisa entre o papel de oferta e aqueles três objetos, mas não encontrei nada. Depois verifiquei se algum dos bilhetes, o do espetáculo e a nota, tinham mais alguma coisa escrita para além do que já tinha lido antes, e surpreso, reparei que a data e hora do espetáculo de balé era para hoje, dentro de uma hora.

“Bem, pelo menos sei onde posso encontrar o dono desta caixa! É melhor devolvê-la, embora não me tenha ficado esclarecido a sua intenção ao deixar a caixa abandonada à sua sorte. Por isso, vou ao balé!”. Eu disse decidido, enquanto pegava na caixa, fechava-a da melhor forma possível e saía do escritório, apagando as luzes atrás de mim.

“Eu a ir ao balé? Há que anos que não vou a um evento artístico como este…muitos anos mesmo”, eu disse tentando-me lembrar da última vez que tinha ido a um. Talvez me tivesse focado demasiado nos meus pacientes, a quem acudi como se se tratasse de um encontro, e quando se atrasavam sem me avisar, ficava nervoso.

Já fazia tanto tempo que não tirava férias, visto que, por diversas vezes, quando regressava de uma viagem de lazer, encontrava um paciente que tinha piorado, pelo simples facto de não ter recebido aconselhamento semanal comigo.

Por isso mesmo, e pela minha forte convicção de que a saúde devia estar em primeiro lugar, fui aos poucos abandonando as viagens de lazer de que tanto gostava. Não tanto pelo facto de poder apanhar banhos de sol numa praia paradisíaca, até porque a minha pele era clara e queimava facilmente quando exposta ao sol, mas para poder fazer visitas culturais a lugares diferentes, aventurando-me pelos seus museus.

Embora que para alguns aquilo pudesse ser enfadonho, para mim era enriquecedor ver como pensavam e atuavam em outras latitudes, com costumes e formas de expressão tão singulares e características. Mas bem, tudo isso tinha ficado para trás e tudo o que restava agora era algum álbum de fotos ou coisa parecida.

― Táxi! ― Gritei ao sair do edifício, depois de me ter despedido do porteiro, com o qual tinha desenvolvido uma boa relação, pois embora não me quisesse meter nos seus assuntos pessoais, vez por outra, procurava-me para o consultar a respeito disso.

Por vezes, custava-me manter a distância dos outros, principalmente quando tinham conhecimento da minha profissão e queriam consultar-me devido a algum caso pessoal ou de algum familiar.

A verdade é que não os podia censurar, embora por vezes fosse desconfortável ter que me negar a atendê-los no meio do corredor ou na rua, sem se darem conta de que existe todo um protocolo estabelecido para que cada paciente usufrua de um tempo, espaço e tranquilidade durante a sua consulta.

Jamais ocorreria a alguém pedir a um cirurgião que lhe operasse no meio da rua, pois era exatamente isso que me pedia, que “operasse a sua alma” em qualquer sítio.

― Táxi! ― Voltei a gritar, enquanto levantava a mão.

― Para onde quer ir? ― Perguntou o condutor quando entrei no seu carro.

― Ao balé, para ver esta obra ― referi, enquanto lhe mostrava o bilhete que tinha deixado fora da caixa, a qual eu levava comigo.

― Vai ser uma longa noite? ― Interrogou o taxista com um sorriso matreiro.

― O quê? ― Falei, estranhando o seu gesto.

― Esta noite vai engatar, de certeza ― respondeu, piscando-me o olho.

― Está a referir-se à caixa? ― Perguntei, reparando que não tirava o olho dela ― pois saiba que não é minha e que tenho que a devolver ao dono, embora não saiba quem ele é.

― Claro! Claro! ― Disse o motorista enquanto remexia na sua camisa ― Olhe, esta é a minha mulher, já estamos casados há dez anos e conhecemo-nos num sítio como esse. Quer dizer, foi numa ópera, embora não me agradem essas coisas, ela adora tudo isso de se aperaltar e ir a sítios elegantes. Estive quase três meses a poupar para poder ter uma noite inesquecível, e no fim, deu tudo certo. A única coisa que lhe disse foi para se vestir de forma elegante e tirar a tarde de folga no trabalho. E foi lá que lhe fiz a derradeira pergunta, e desde então, estamos juntos até hoje ― comentava o taxista enquanto olhava com ternura para a foto desgastada da sua mulher.

― Bom, eu vou fazer perguntas, mas não vai ser essa ― esclareci, embora sem sucesso.

― Chegámos. ― Disse o taxista com um largo sorriso no rosto. ― Boa sorte!

― Sim, obrigado ― respondi sem querer entrar em mais detalhes acerca daquela tarde anormal, em que tinha aceitado consultar de improviso uma mulher com uma caixa, que eu agora trazia comigo e que me levava até um espetáculo de balé que eu desconhecia.

Não é como se eu fosse fã desta arte, mas em certas ocasiões, sobretudo quando ia a congressos, organizavam-se eventos culturais lá perto, dignos de se contemplar pelo grande esforço feito por parte dos seus organizadores.

Estava diante da porta de um teatro, algo que me chamou à atenção, pois não era habitual haver uma apresentação de balé num lugar daqueles. E chegada a hora de entrar, apresentei o bilhete e o porteiro disse:

― Boa noite! Esperávamo-lo com algum nervosismo.