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Tess
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Tess

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Tess sabia que Carmen era obstinada, e tão vulnerável quanto ela mesma. Deu mais um passo na direção da moça.

- Venha cá, moça. Solte essa coisa que tem na mão. Você é jovem demais para morrer. Aqueles homens não vão mais poder lhe fazer mal. Vamos levar você de volta para casa, para junto de sua família.

Alice traduziu.

A moça começou a tremer. Os soldados nigerianos ainda estavam com as armas apontadas para ela.

- General, mande seus homens baixarem as armas. Estão deixando a moça nervosa. Eu estou cuidando disso.

O general fez sinal para seus soldados baixarem as armas.

- Viu só? Não tem motivo para ter medo.

Com cuidado, Tess deu mais um passo à frente. Estava quase a ponto de tocar a moça.

Carmen sentiu náusea, e lutou para controlar seu estômago, impensadamente tendo posto em risco a si mesma e o bebê que carregava dentro de si. Colocou as mãos sobre a barriga e tentou conter as lágrimas. Tess deu-lhe um olhar rápido e percebeu o que acontecia.

Então abriu um largo sorriso e deu o último passo que faltava para chegar à garota, que parecia estar saindo de um transe. Tess não tinha certeza de se isso seria um bom sinal, e foi rápida em tirar o detonador da mão dela. A moça desmaiou em seus braços.

As tropas vieram correndo para arrancá-la do abraço de Tess.

- Deixem-na em paz! – gritou ela, mas não adiantou.

Os soldados agarraram a moça e a passaram para os especialistas em demolição, que removeram o cinturão de explosivos amarrado em seu corpo e a levaram embora.

Tess deu meia-volta e viu Carmen vomitando no chão. Ela e Claudine a colocaram num jipe.

- Vá com ela, Claudine. Nós nos veremos logo em seguida.

Então foi atrás do grupo de soldados que levava a moça suicida, e viu Alice dando conselhos a ela, confortando aquele farrapo humano.

- Ela me contou a história toda, Tess. O Boko Haram a sequestrou uns meses atrás, e ela passou uns tempos no inferno. Então eles a drogaram e amarraram um cinturão suicida nela. Contou que esta é a nova tática do Boko Haram. Pretendem soltar mais mulheres assim, porque acham que é mais difícil elas serem notadas. Era uma monstruosidade, até mesmo para os padrões deles.

O General Okafor se aproximou.

- É verdade Andamos recebendo vários relatórios de mulheres-bomba em diversos vilarejos. Essas meninas são vitimadas duas vezes. São capturadas, sofrem toda sorte de abuso, e então são forçadas a se matar, levando mais pessoas inocentes consigo.

Antes de retornar à base, Alice levou Tess a um campo em Yola, no nordeste da Nigéria, onde muitas das meninas sequestradas e resgatadas ficavam abrigadas. Infelizmente, nem tudo terminava bem, visto que muitas delas ainda tinham de enfrentar o estigma da “noiva libertada”.

Conversaram com uma jovem, chamada Zara, e seu tio. Ela tinha 17 anos quando o Boko Haram a sequestrou, junto com muitas outras. Como milhares de outras moças, livres ou ainda em cativeiro, ficara profundamente traumatizada. Alice pediu que ela contasse a sua experiência horrível um ano depois de ter sido libertada, e o sofrimento que ela continuava tendo de enfrentar.

- O Boko Haram nos deixava escolher: casar-se com um de seus combatentes ou ser escrava. Eu escolhi me casar. – contou Zara.

No final, a diferença era pequena, descontando a criança que ela daria à luz em breve. A vida no cativeiro era terrível e perigosa, porque os aviões da força aérea vinham regularmente bombardear a grande floresta de Sambisa, onde os militantes armavam seus acampamentos. Depois de alguns meses, foi salva por soldados nigerianos e devolvida à sua família.

- As mulheres lá em casa logo perceberam que ela estava grávida de três meses. – disse seu tio Mohamed, que continuou a história. - Somos uma família mista, alguns cristãos e outros muçulmanos. Antes de ser raptada, Zara era cristã, mas o Boko Haram a casou com um deles e a tornou muçulmana. A família ficou dividida entre o que fazer, e pensaram seriamente num aborto. No final, decidiram manter a gravidez, e Zara deu à luz um menino. Foi então que começaram os problemas, porque Zara foi banida da comunidade.

- As pessoas na minha vila me chamam de esposa do Boko Haram. Não querem que eu chegue perto. Não gostam de mim. – disse Zara enquanto uma lágrima rolava pelo seu rosto.

Ela precisava ficar dentro da pequena área murada em torno da sua casa, com medo de sair e ter de enfrentar os insultos cruéis das crianças do bairro, as mensagens de ódio que seus pais haviam lhes ensinavado.

- O pessoal da vila não gosta do meu filho. Quando ele ficou doente, ninguém quis me ajudar a cuidar dele. – ela contou.

- No último fim de semana fez muito calor. Zara foi dormir com o filho na área murada, uma cobra entrou lá e matou o menino. Ele tinha apenas nove meses de idade.

- Alguns dos familiares ficaram contentes por ele ter morrido, dizendo que foi a vontade de Deus. – prosseguiu Zara. - Ficaram contentes que o sangue do Boko Haram foi retirado da família, que Deus atendera suas preces.

O tio prosseguiu.

- Às vezes ela pensa em ir à escola para se tornar médica e ajudar as pessoas. Mas quando a insultam, ela fica brava e com vontade de voltar para a floresta. Sempre fala do marido dela no Boko Haram. Contou que ele era gentil, e queria que ela voltasse para ele. Esse tipo de conversa não era nada mais do que um sinal de desespero, porque a vida de Zara se tornara tão ruim, que às vezes ela tinha vontade de embarcar numa missão suicida.

- E ela vai fazer isso no dia em que lhe derem essa oportunidade. –concluiu.

Alice discordou.

- Há tanta confusão no rosto e nas respostas dela; não é uma assassina, é apenas uma criança.

Zara olhou para Alice com lágrimas nos olhos, e fez um comentário final.

- Muitas vezes tenho um desejo enorme de sumir na floresta, mas espero que com o tempo eu consiga esquecer o que o Boko Haram e o pessoal da minha vila fizeram comigo. Mas ainda é cedo para isso.

Triste, com raiva e confusa, ela se sentia abandonada pela família e estigmatizada pela sua comunidade.

Ao sair, Alice expressou sua preocupação.

- A comunidade é responsável por continuar abusando de meninas que não foram quem gerou essa situação. Se continuarem estigmatizando pessoas traumatizadas, podem estar criando algo que será muito, muito mais problemático no futuro do que o Boko Haram é hoje. Sem terem tido culpa nenhuma, essas vítimas não são bem recebidas de volta pela sociedade, e ninguém quer ajudá-las. Estou tentando fazer o governo ajudar as vítimas na sua reintegração, demonstrando preocupação e compreensão.

Tess saiu, abanando a cabeça. Entrou no carro de Alice e voltaram para a base. Na última vinda à Nigéria, depois da operação a equipe se recolheu no bar do hotel, e desta vez não foi diferente, à exceção de Tess pedir um uísque duplo com gelo. Tomou o segundo, até começar a acalmar seus nervos costumeiramente inabaláveis. Carmen havia parado de beber por causa do bebê, mas nesse dia resolveu abrir uma exceção. Até Alice tomou um copo de vinho. O trio havia superado o fato de terem passado tão perto da morte.

- Não sei o que houve com vocês, garotas. - começou Claudine, assim que as coisas se acalmaram. - Não sou avessa a se arriscar, mas desta vez vocês passaram dos limites.

- Não posso discordar de você, Claudine, - respondeu Tess – mas eu não poderia aceitar a ideia de uma menina da idade da Aara se explodindo. Então ela encarou Carmen, que estava pálida.

- Carmen, se você fizer isso de novo, vou lhe dar uma surra.

Ainda tentando controlar o enjoo, Carmen fingiu um sorriso.

- Não me venha com lorotas, Tess. Você sabe que acreditamos nos quatro mosqueteiros, tipo “um por todos, todos por um”.

- Daqui para a frente, você está de castigo. Aposto que o Nicola vai concordar comigo. Tenho certeza de que ele quer ver o filho dele nascer.

- O nome dele é Luca. – disse Carmen casualmente.

- É um menino? Por que esperou tanto para me contar?

- Sei guardar segredos. Nem o pai dele ainda sabe.

Antes que Tess pudesse dizer qualquer coisa, Alice disse que tinha uma notícia. Iria se casar com o General Okafor.

- Isso é ótimo, Alice. Você sempre dizia que não queria se casar. O que a fez mudar de ideia?

- Somi é um homem moderno, bem educado. Eu o respeito e tivemos a mesma ideia sobre como levaríamos a nossa vida de casados.

Claudine ficou perplexa.

- E que método é preciso para isso?

- Vou manter a minha independência, continuar tocando música junto com as Valquírias. O Somi e eu vamos ficar em pé de igualdade, e eu não vou aceitar ordens sobre o que devo fazer.

- Fico surpresa com o general ter aceito isso. – comentou Tess. - Pelo andar da carruagem, ele está prestes a se tornar um homem muito importante no governo, e vai precisar de uma esposa bela e submissa para conduzir pelo braço.

- Não vou ser submissa, mas vou apoiá-lo se ele me apoiar da mesma forma. Não acho que vamos ter qualquer problema, nós nos amamos.

Galina ergueu a mão.

- Este casamento eu não perco!

- Nem eu! – concordaram Tess, Carmen e Claudine.

Todas se abraçaram e começaram a discutir os detalhes do casamento.

Jake e Nicola entraram no bar, com cara de cansaço de quem passara o tempo mexendo com motores. Seus rostos tinham borrões de fuligem, e os macacões pareciam ter levado um banho de óleo.

- Lá vêm os mecânicos! – disse Carmen. - Não resistiram à tentação de meter a mão na graxa?

- Estávamos ensinando ao pessoal daqui o modo correto de consertar os aviões. Tivemos de dar uma incrementada num dos motores. É praticamente certeza que o pessoal local consegue assumir isso daqui por diante. Mais à frente, vou voltar para a Nigéria, ver como estão se saindo.

Tess ergueu o copo.

- Um brinde aos homens lambuzados de óleo. Agora já podemos voltar para casa.

- Nós precisamos de uma cerveja bem gelada. – disse Jake.

Enquanto a equipe conversava sobre suas aventuras, Jake pegou Tess pela mão e a levou a um canto mais discreto do bar.

- Tess, contaram-me o que aconteceu. Não acredito que você arriscou a sua vida e a das suas amigas para desarmar uma mulher-bomba suicida. O que lhe passou pela cabeça?

- A menina estava drogada e apavorada, então eu me arrisquei, e consegui convencê-la a não detonar os explosivos que estavam amarrados ao seu corpo.

- Tess, deve ter percebido que a chance de isso dar certo era mínima, e mesmo assim entrou com tudo. Em que universo disseram que você é indestrutível? Não percebeu que estava pondo em risco as vidas de Carmen e Alice? E iria querer que Aara e eu enterrássemos o que restasse de você? Você foi valente, porém irresponsável. Às vezes eu gostaria que pensasse um pouco, antes de cometer loucuras.

- Jake, você está fazendo tempestade num copo d’água. Eu precisava fazer alguma coisa, e no fim deu tudo certo, então me dê uma folga.

Jake se afastou, ainda furioso... e abalado.

Claudine observara a discussão entre Jake e Tess do outro extremo do bar. Ela entendia o que Jake vira em Tess: ela era linda, destemida e carinhosa. Mas também era impetuosa, e às vezes isso aborrecia o metódico Jake. Esta era a oportunidade dela. Claudine tinha planos concretos para roubar o marido de Tess.

6. ARMAS PERDIDAS

O

repositório de armas nucleares da Coreia do Norte ficava num bunker profundo, de segurança máxima. Um comboio levando um pelotão de soldados parou no portão, e o coronel no comando desceu do primeiro caminhão para mostrar os papéis aos guardas. Após um rápido exame, deixaram-no entrar.

Lá dentro, o coronel foi levado à sala do comandante da unidade. Depois das saudações de praxe e elogios ao Líder Supremo, o coronel informou ao comandante que viera buscar duas armas, para levá-las a um local secreto onde passariam por testes especializados.

O comandante da unidade já havia recebido a autorização para essa transferência algumas horas antes de o coronel chegar, e estava pronto para a entrega. Um caminhão do comboio entrou na unidade, e soldados carregaram as armas na sua plataforma. Ao sair, os soldados do coronel repentinamente sacaram suas armas e mataram, não só o comandante da unidade, mas todos os seus soldados. Os atiradores partiram rapidamente com sua carga, duas bombas nucleares de cinco quilotons cada.

Na cabine do primeiro caminhão, um jovem oficial não estava muito satisfeito.

- Teria sido melhor não ter de matar todos aqueles camaradas na unidade. – disse o Major Pang, subalterno do coronel.

- Você sabe tão bem quanto eu que esta operação precisa parecer um sequestro de armas feito por alguma entidade inimiga. Nossos camaradas pereceram defendendo sua unidade, e é assim que irá parecer. Tenho certeza de que serão tratados como heróis por terem morrido defendendo a sua base. Agora, prepare-se para carregar o navio.

O comboio dirigiu-se celeremente até o porto de Haeju, no sul, e parou num cais onde uma banheira enferrujada havia atracado. Marinheiros do contingente local ajudaram a passar as armas nucleares do caminhão para a embarcação. Assim que o barco ficou pronto para partir, o coronel deu a ordem para seus soldados executarem os marinheiros.

A embarcação partiu imediatamente com rumo oeste, sem ser importunada pelas autoridades portuárias. Elas também haviam sido dizimadas.

O pequeno e velho navio fora registrado em Serra Leoa, usando o que é conhecido como bandeira de conveniência, uma tática comum usada por empresas marítimas para se esquivarem de regulamentos ou taxas. Neste caso, o objetivo era encobrir o fato de que aquele barco enferrujado efetivamente partira da Coreia do Norte.

O navio seguiu rumo ao seu destino no Oriente Médio. Foi contornando a costa da China, virando para o sul nas ilhas Paracel, seguindo a costa do Vietnã, atravessando a Malásia, passando pela Índia, cruzando o estreito de Ormuz, e chegando a uma praia deserta perto de Basra, no sul do Iraque, onde desembarcou sua carga oficial de diversas mercadorias. Pouco depois, transladaram furtivamente as armas até a costa, onde as trocaram com membros do grupo terrorista chamado Estado Islâmico por uma mala repleta de dólares americanos. Os norte-coreanos deixaram lá dois técnicos com a missão de ensinar aos terroristas como usar essas bombas. O restante da tripulação partiu de regresso para o seu país, para entregar a mala de dinheiro ao governo de Kim. Embora tivessem ganas de desertar, precisavam voltar à Coreia do Norte, pois suas famílias estavam sendo mantidas em cativeiro até que eles retornassem depois de uma missão bem sucedida.

Tão logo entregaram o dinheiro, as autoridades os elogiaram pelo seu patriotismo, e os executaram a tiros. Suas famílias inteiras já haviam sido assassinadas, antes mesmo de eles porem os pés em terra firme.

Alguns dias depois, o nome daquele barco apareceu numa lista do Conselho de Segurança da ONU impondo sanções a 31 embarcações norte-coreanas. Infelizmente, já era tarde demais. A carga mortal havia sido entregue.

Enquanto isso, um alerta norte-coreano revelou que as armas nucleares haviam sido roubadas por extremistas islâmicos que, ao fazê-lo, mataram todos os soldados coreanos que defendiam o local onde estavam guardadas. O comunicado ficou restrito às poucas agências governamentais que era preciso informar, e não foi ostensivamente revelado a embaixadas estrangeiras, com a explicação de permitir que o governo da Coreia do Norte pudesse conduzir suas investigações. A notícia vazou deliberadamente um pouco depois, lançando uma série de alertas a todos os países potencialmente ameaçados pelo ocorrido. Até então, tudo ocorrera conforme planejado. O governo da Coreia do Norte era visto como vítima de um ato odioso, o roubo de armas nucleares cometido por terroristas. Não é possível dizer se alguém no Ocidente acreditou nessa história quando ela finalmente foi publicada.

7. UM RIO DE IMIGRANTES

D

epois do projeto na Nigéria, Tess não havia desistido de sua ideia de ajudar a resolver a crise dos refugiados na Europa. Jake continuava se negando a considerar a possibilidade de envolvimento numa empreitada dessas, porém Tess acabou por convencê-lo a, pelo menos, passar pela Alemanha para ver a situação em primeira mão. Foram até algumas cidades menores onde havia muita atividade de imigrantes. Chegaram à catedral de Colônia bem na hora de ver imigrantes muçulmanos fazendo tumulto durante as comemorações de Ano Novo. Muitas mulheres alemãs haviam sido assediadas, intimidadas e até estupradas. Tiveram as mesmas ocorrências em Hamburgo. A polícia local não estava equipada para lidar com um evento inédito como esse, e Colônia logo se tornou o símbolo dos problemas que uma imigração maciça de homens muçulmanos causaria à segurança das mulheres alemãs.

Depois de Munique, Tess e Jake passaram alguns dias em Erfurt, na Alemanha. Deixada praticamente incólume pela II Guerra Mundial, a pequena cidade parecia um vilarejo de conto de fadas congelado no tempo, com ruas de pedra no centro, casas antigas pintadas em tons pastel, e igrejas com algumas das torres mais bem conservadas na Alemanha.

Depois de terem se hospedado num pequeno hotel, Tess e Jake percorreram as ruas daquela cidade aprazível, e perceberam uma multidão se formando no ginásio da escola. De curiosidade, resolveram entrar. A prefeitura havia comunicado que, na noite anterior, um grupo de imigrantes sírios havia sido abrigado na vizinhança. Os moradores não pareciam nada contentes. Na verdade, parecia que o povo estava ficando revoltado.

Uma senhora idosa ergueu a mão:

- O que vamos fazer com toda essa gente? Precisamos construir uma mesquita? Eles vão nos acordar com suas orações toda manhã?

Outra mulher perguntou:

- O que será das nossas crianças? Como vamos protegê-las?

Um homem jovem gritou:

- É preciso acabar já com isso! – e recebeu uma calorosa salva de palmas.