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Escada E Cristal
Escada E Cristal
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Escada E Cristal

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Eram botas femininas, confortáveis, e tinham a elegância das antigas botas para Cowboy. O próprio pensamento atenuava as reflexões na solidão, a pontada fria e profunda da nostalgia e os pensamentos íntimos e tristes. Era certamente esta intimidade que sentia no profundo daquela estranha floresta de carvalho vermelho, onde as folhas caiam e eram vermelho de sangue.

Todavia me sentia seguida, espiada.

Esta sensação de ser espiada, a percepção que algo de obscuro estivesse apinhando-se e estivesse projectando-se nas minhas costas, a tivera anos depois da adolescência, quando alguém tinha ocultado as minhas estranhas mensagens no correio, mensagens que pareciam de amor, porém não eram claras e por isso mais perturbadoras ainda.

Não obstante aqueles obscuros pressentimentos, avançava no bosque e muitas vezes virava para trás para controlar porque não me sentia tranquila; notava a neblina, o orvalho e não percebia o que era.

Depois, de repente, a incerteza e o receio materializaram-se e foi verdadeiro medo, terror como aquele que só as crianças podem sentir.

Senti-me pequena e fugi daquele homem com as botas altas pretas que me seguiam, questionando-me como um doido:

«Por quê?»

Mas como por quê?

Porque pelo contrário és tu a fazer-me esta pergunta? Disse para mim.

Enquanto corria para não cair em pânico, pensava de como organizar-me para sobreviver: era o instinto de sobrevivência, era uma espécie de frieza natural e orgulho.

Podia matar-me mas não teria entrado por acaso na minha cabeça.

A minha cabeça concentrava-se no momento em que o meu corpo fugia.

Corria sobre as raízes esperando que o homem feroz que me seguia caísse. Não o reparava por acaso nos olhos, aqueles olhos que te controlavam furtivamente, olhos de crocodilo que apontam a presa por baixo do nível mais alto da água.

Por intuição tinha percebido que o meu seguidor era diabético. Tinha-o notado graças a uma das minhas estranhas intuições e graças a algumas vozes provenientes de outras dimensões muito distantes. Ainda mais sabia que era diabético porque tinha os pés atormentados por chagas; em breve deviam ser cortados.

A minha esperança vinha da minha alma tenaz e esperava que se esgotasse, esperava que a estranha doença da qual provavelmente sofria o atingisse de repente na corrida, que lhe paralisasse o metabolismo dos açúcares, ou que tivesse uma crise e acocorar-se no chão.

Corria e no entanto os ramos faziam-se mais baixos e emaranhados. Abaixei-me esperando que ele tivesse mais dificuldade, sendo mais alto do que eu; puxava os ramos para comigo desejando que lhe atingissem na cara.

Odiava profundamente aquilo que me estava a fazer. O meu ódio era provocado, especialmente, pelo medo que sentia.

Era em parte orgulho, admito: quem estava para forçar-me à fuga, para afligir os meus membros na mordaça atormentadora do medo?

Entretanto continuava a correr e ele, com o seu físico robusto, parecia tolerar que aquela corrida de velocidade estivesse transformada numa corrida de resistência.

O meu suor caia no chão juntamente com enormes lágrimas, e sentia que a esperança estava a abandonar-me… mas eis que vi algo novo: o meu avô, diante de mim.

Vendo-me preocupada, o avô teria me projectado numa outra situação, numa dimensão muito mais íntima e menos perigosa, e me teria tranquilizado, estava certa.

A minha certeza bem cedo teria tido tempo para materializar-se ou destruir-se.

2º CAPITULO

«O futuro pertence a quem crê na beleza dos próprios sonhos» (Eleonor Roosevelt)

A CONSOLAÇÃO E PROBLEMAS ALTERNATIVOS

Era próprio o meu querido avô, tenro na velhice, terrível na juventude. Tinha sido sempre um indivíduo difícil, implicativo, pungente, e por alguns gestos era o típico macho italiano.

Desde jovem tinha sido moreno de cabelos, olhos escuros como dos espanhóis, pele olivácea queimada pelo sol, ombros largos como de um camponês. Não era alto, mais ou menos como eu, mas muito mais robusto. Apenas as mãos as tínhamos iguais, mãos compridas e afuseladas, mãos que os inglese definem como de forneiro, de padeiro, e efectivamente tinha sido propriamente esta a sua profissão durante a sua vida. Levantava-se antes do canto do galo para trabalhar duramente, e não tinha necessidade do rádio: tinha efectivamente uma voz viva e completa como de barítono, uma voz que te acompanha a te tranquiliza ao longo do caminho, e ao longo do meu caminho nos meus sonhos o tinha reencontrado.

O nosso encontro tinha sido tranquilizador. Tinha colocado a sua mão calejada e comprida nos meus ombros e tinha sussurrado para não me preocupar, que tudo se teria ajustado e que me entendia, consolava-me e sabia como tivesse sido difícil o meu percurso. Verdade, ao longo do meu trajecto emotivo havia moitas e picos, e os meus pés estavam repletos de vesículas. Moralmente estava muito abatida.

Ele sabia o que estava a pensar. Tinha sido chefe partidário, tinha lutado contra a opressão de Mussolini. Amava a liberdade e propriamente este nome lhe tinha sido dado: chamava-se livre. Era livre, era aeriforme; era um espírito enfim, depois que em 1996 um enfarte tinha-o levado, subitamente e velozmente.

Tão rápido que não tivera a coragem de vê-lo na capela mortuária. Todavia agora estava diante de mim, como o recordava: ainda oliváceo, sempre activo, e com a preocupação de ver a neta tornar-se rapidamente uma jovem mulher.

Certo, uma mulher, dentro de mim teria me tornado uma mulher. Sentia-me inocente e ingénua, mas sabia que muitas coisas deveriam ainda acontecer comigo, que a vida era longa e cheia de perseguições, de chatices, chicote. O chicote é dado pela autoflagelação e esta última tem um nome: para mim, chama-se sentimento de culpa.

Os sentimentos de culpa tinham me provocado sempre os pesadelos, e, efectivamente, ter sido sempre, durante a minha vida, muito compreensiva com as crianças, levara-me ao sucessivo pesadelo com olhos abertos.

As pupilas viam materializar-se uma criança que me seguia, mas não era uma criança sorridente: tinha unhas e dentes, garras que podiam morder e rasgar. A pequena criatura podia dilacerar-me. Chorava mas o seu choro era quase um horrível latido, e eu ficava aterrorizada, transpirava e tremia. Tinha sido sempre emotiva, efectivamente representava-me bem a descrição do feeler, neste caso apavorada.

Os feeler são emotivos e empáticos. Amam a vida tranquila, os sorrisos e as crianças; afectos dos sentimentos de culpa, evitam todo contacto com os outros dentro de si.

Eu não podia fechar-me dentro de mim mesma porque a criança enfurecida seguia-me e chorava, gritava como o uivar do vento.

Tinha medo de enfrentar o bicho e a minha inocência que não tinha preservado. Não tinha salvado o que deveria salvar e a minha consciência me molestava e me seguia, e eu não podia fazer nada se não fugir, uma outra vez.

Não teria tido o coração de dar murros a uma criança, assim corria, mas encontrava-me a correr com as botas altas com biqueiras desconfortáveis. Estas provocaram-me uma dor surda a cada passo, dilaceravam-me atormentando a minha pele e abriam-me velozmente as chagas. Eram uma tortura sem fim.

Depois caí de cotovelos e comecei avançando com ainda mais fadiga no pavimento de madeira castanho-escuro, escorregadio e hostil, gélido como os olhos da criança que me seguia. Sabia que os merecia, aqueles olhos, não tinha defendido suficientemente as crianças na vida, não os tinha amado o suficiente e através deste infinito monstro eles voltavam visitando-me. Uma visita amarga mas construtiva: devia pagar o preço dos meus erros e estava pronta para reconhecê-los.

Depois daquela perseguição houve uma outra perturbante visão: uma criança que ressaltava contra as paredes e eu não conseguia evitar que se fizesse mal. Era repugnante, coberta de ódio, e mudava de direcção. Era imprevisível.

Representava exactamente a confusão que tinha dentro.

Não sabia se pudesse proteger a ela ou salvar-me do monstro que estava ainda a seguir-me, a criança que uivava questionando-me o porquê, tentando agarrar-me e me chamando MAMÃ.

Assustadora palavra para mim que, se bem que amo as crianças, não considerei seriamente por acaso a possibilidade de ser mãe e de construir uma família. Vi-a sempre como uma coisa distante no futuro, distante de mim, limitadora para a minha possibilidade e mesmo, ódio tê-lo de admitir, destrutiva para o corpo feminino tão delicado. Tenros são as crianças que necessitam de cuidados, e cada vez mais que via as filhas das minhas amigas mover os primeiros passos circundava-me pensativa, temendo que a peste de cada vez quebrasse ou se fizesse mal; depois existem crianças e crianças. Existem crianças que não nascem normais.

Quer dizer, todos temos a nossa individualidade, mas existem crianças que maltratam os animais e este é um primeiro sinal preocupante. Muitos seriais killer desde criança maltratavam os animais, e era certamente o caso da criança que me perseguia naquele lugar imundo, aquela barraca lenhosa cheia de cubículos.

Percebia pela sua violência, pelo modo com o qual quebrava as coisas, que não tinha recebido amor, mas sentia mesmo que a semente do mal estava enraizado nela: tinha sido abusado e agora se divertia abusando. Era o mal que se expandia como uma doença que não deixava salvação, que te perseguia e que acabaria por destruir-te lentamente somente tocando-te. Era atormentador e sempre presente. Não podia continuar a fugir, tinha que reagir, todavia não sentia ainda as pernas suficientemente fortes, embora que, antes ou depois, uma decisão tinha que ser tomada.

A decisão era vital, não podia deixar que a criança me destruísse, mas tinha mesmo de fazer parar a criança que continuava a resvalar-me e a ressaltar contra nas paredes.

Tinha que esboçar um plano, uma estratégia para tornar inofensivo o monstro e salvá-la.

Entretanto me causavam mesmo dor nos ombros; era uma minha típica reacção ao stress.

A tensão nervosa, por exemplo, antes dos exames na universidade, levava-me a contrair os músculos dos ombros com resultados péssimos para as omoplatas e para os membros cervicais.

Todavia tinha que fazer algo, devia horrivelmente fazer alguma coisa.

Afastei-me, de forma que a criança não esbarrasse contra a parede mas contra a minha pessoa; esperava que algum tempo depois com a inércia teria cessado. As cordas rasgadas que a agitavam estavam desarticuladas, em parte arranhadas e não íntegras; todavia eram resistentes. Tentei cortá-las com um canivete apanhado na minha sacola, mas ela tendia escapar-me da mão e era muito viscoso por causa do óleo espesso e impenetrável. Uma substancia oleosa semelhante ao betume.

Estava escuro e aquele negócio causava-me fadiga. Sentia-me observada pela criança que estava a perseguir-me, sentia os calafrios nas costas e temia a morte em cada momento, em cada minha única respiração… a criança era a minha consciência e não me dava paz.

A consciência é aquela coisa que te mantém acordado de noite e te faz observar durante muito tempo um tecto sempre igual.

Faz-te percorrer o passado e o futuro num instante, vês toda a vida num instante e depois deves decidir, tens de decidir segundo a consciência.

E decidido: teria tentado de salvar a criança. Eu podia morrer, podia ser despedaçada mas devia superar o teste; devia mudar e ser mais forte.

A força aprende-se mesmo criando o caminho e eu queria que fosse assim para a minha vida, não queria mais fugir se não quando tivesse sido extremamente necessário, algo em mim estava a mudar e no fim, talvez, era justo assim. Era um desejo de paz e justiça que paradoxalmente forçava-me a lutar, um misto de bondade e dignidade que está enraizado nos bons guerreiros das histórias que me narravam desde criança.

Era a não-aceitação do mal, nunca e sem nenhum compromisso, porque de compromissos por demasiada bondade tinha possuído bastantes e tinha recorrido à fuga, à humilhação e a um depressivo sentimento de baixa auto-estima. A depressão não a queria mais, queria combatê-la. Queria salvar a criança que baloiçava, porque naquele pêndulo de incertezas via eu mesma, a balançar entre uma decisão e outra, confusa e insegura.

Devia agir instintivamente quando a criança teria chegado no meio percurso. Teria tentado com o canivete com o qual cortava a carne seca ou então ramos das plantas de baga onde andava muito ávida. Era uma pequena navalha e estava suficientemente em mau estado… portanto tinha que agir apressadamente e ser precisa, porque tinha um outro monstro não distante de mim.

Atirei-me de cabeça baixa, pensando que podia ser minha filha e que tinha o dever moral de salvá-la, ou pelo menos de tentar. A faca cortou rapidamente a primeira parte da corda pois que macilenta, mas depois parou.

Mais tentava e menos conseguia cortar.

Sentia que estivesse a rir nas minhas costas e sentia um gelo dentro de mim, um calafrio que me percorria a coluna deixando-me tremer os braços. Os meus ombros tremiam mas não a minha vontade, e percebi que a obscura criança era a criança que me perseguia e que naquele momento apresentava-se diante de mim, os olhos verdes e terríveis.

Tinha escondido na corda uns pequenos alfinetes.

Estando furioso comecei a tirá-los, procurando de equilibrar a rotação com o meu peso. Estava desesperada, mas tentei e tentei de novo, furando-me as mãos e praguejando pelas picadas.

E a corda cedeu. A criança caiu no chão mas pelo menos podia dizer que o seu eterno baloiçar tinha cessado.

Acabado de ver aqueles horríveis olhos verdes ficara confusa, mas ganhei força e comecei a gritar contra o monstro, não tinha outra coisa que a minha voz. Lhe disse, mostrando a criança que jazia no chão: «eis o que fizeste, não me resta mais nada, NADA! Tiraste tudo de mim porque sei que esta criança teria sido ligada a mim num futuro. Agora acaba comigo se te convém… faz aquilo que queres, o que queres ainda, o meu sangue?»

Desafiava-o como uma doida, mas ele tinha mudado. Apertou-me a mão e me disse que tinha feito a coisa certa, que tinha superado o teste e que estava tornando-me mais forte.

A força a tinha temperado dentro de mim forjando-a com a paciência, como os ferreiros quando batem o ferro e o moldam até obter uma espada afiadíssima e objectos de raro valor. Mas também quem forja, espreme e dedica-se pode falhar, e é talvez esta a origem de toda a insegurança que nos obrigam a fugir ou a atacar; a render-se ou a vencer.

Desta vez vencido, mas a viagem devia continuar e outros desafios se teriam apresentado diante de mim. Dum lado não via a hora de bater-se com eles, mas do outro sentia outra vez o calafrio gélido do medo para com o desconhecido. Apesar disto prossegui com as minhas botas altas consumidas para outros desafios e outros territórios.

Os territórios atormentados típicos duma tundra nórdica pareciam estar nas costas, com o seu denso cheiro de bétula e os altos pinheiro-alvar acossados pela neve do inverno. As sempre-verdes, que antes estavam todos ao meu redor, dispersaram-se para dar espaço a um misterioso labirinto. Encontrei-me de repente próximo das emaranhadas ruínas que carregavam muitos anos tanto que eram as camadas de líquenes que as cobriam. Estavam em más condições mas desenhavam ainda os seus contornos. Se queria embrulhar-me no labirinto, devia seguir a direcção daquelas ruínas; pacientemente, com afinco e com espírito de sacrifício, devia curvar a minha vontade àquela do destino. O destino não devia ter sido muito generoso até agora visto a sequência dos desafios que tinham endurecido o meu espírito e a minha pele, fortalecendo o meu físico mas cansando-me terrivelmente.

A fadiga era uma sensação que bem conhecia, uma amiga e uma companheira de todos os dias. Era como uma mulher que não mente: linda e terrível ao mesmo tempo. Não tanto quanto sedutoras eram as escritas que encontrava nas paredes, escritas terríveis e formulas magicas que pareciam traçados com restos humanos e sangue.

Controlando as escritas assustavam cada vez mais: diziam para não entrar e para não aventurar-me, para não experimentar aquele caminho terrível; diziam para largar os próprios desejos porque não se realizariam, porque simplesmente estaríamos mortos.

Rastos humanos, crânios e corpos martirizados não muito distantes de mim. Sentia-me observada e vigiada. Tudo, precisamente tudo poderia acontecer naquele momento. Sozinha atravessava aquele novo território hostil feito de arreia, pequenos espaços pavimentados e musgo que crescia entre fissuras das velhas ruínas.

Naquelas ruínas havia crânios abandonados, alguns com os cabelos ainda intricados, cabelos já amarelecidos pelo tempo.

De repente, um rangido suspeito e depois um estrondo. Diante de mim apareceu uma porta giratória, que empurrei.

E o que encontrei deixou-me sem palavras.

Era eu mesma. Era eu mesma, mas num certo modo diferente.

Era eu mesma, era eu mesma que via e não podia crer naquilo. Finalmente teria tido alguém com quem falar e comparar-me. Poderia dizer-me donde vinha, o que fazia.

Ela assemelhava-me em tudo, apenas estava vestida mais elegantemente. Tinha encarado muitas peripécias, como eu, mas não quanto perigosas. Encontrando-se num lindo jardim, numa dimensão distante, tinha caído e tinha topado na porta dimensional que tinha aberto. Tinha passado desta forma de um mundo para o outro, achando-me confusa e sob choque pela novidade.

Agora éramos dois naquele mundo paralelo, éramos duas heroínas na noite, no gelo daquelas congelantes ruínas. Éramos dois mas também sempre duas gémeas, duas pequenas almas na noite, duas velas acesas que podiam ajudar-se uma e a outra ou decidir para morrer competindo.

A competição feminina era algo mortífera, que tinha levado as mulheres a pegar-se pelos cabelos por amor de um traidor ou a perder o trabalho pelo qual não tinha conseguido granjear a simpatia do chefe; a competição era potente e mortífera como ampola de veneno. Não podia que temê-la.

Avaliava atentamente as atitudes do meu clone, da minha gémea, mas ela demonstrou-se sempre muito afável e compreensiva. Seguia-me sempre e tinha uma atitude gentil e aberto no que me diz respeito. Enquanto nos aventurávamos cada vez mais para o interior das ruínas, a nossa sintonia crescia.

Aquele breve instante de tranquilidade, aquele breve instante em que dei-me conta que não estava mais sozinha, que podia ter um futuro, portanto fui logo assolado.

OS MONSTROS DAS CAVERNAS

Era monstruoso, barulhento e nutria-se de medo. Tinha o corpo avermelhado com as veias em vista pela queimadura total da sua pele. Era altíssimo, cerca de quatro ou cinco metros, com pés grandíssimos e robustos que se moviam fazendo o ruído de uma rocha que se esmigalha no chão. Tinha a boca repleta de dentes para morder e gostava da carne humana.

Tinha vivido ali durante séculos, e escondido esperava jovens e idosos no centro das ruínas, no ponto onde faziam-se mais articuladas; tinha vivido nas ruínas desde quando elas eram um castelo fantástico. Era o filho não querido de uma violência e tinha sido maldito desde o primeiro momento. Era o fruto de um estupro bem combinado com sete maldições antigas. Tinha os olhos amarelos e luzentes e podia ver no escuro, pressentir no escuro.

Tinha feito um pacto com uma outra criatura diabólica: um monstro que odiava a inocência.

Os seus nomes eram Danação, o resultado das maldições, e Vingança, aqueles que odiava a inocência.

Vingança era um assassino silencioso, refinado, inteligente e psicopático que, vendo-se morrendo na fogueira, tinha feito um pacto com Danação antes de ser queimado vivo. Danação tinha estado em condições de pegar de novo os despojos de Vingança e trazê-los de novo neste mundo. Este último, depois da queimadura na fogueira, tinha voltado com uma sede de sangue sempre maior.

Vingança vestia uma camisola esfarrapada sobre a qual se podia ler ainda o seu nome: estava escrito com giz branco e contornado com o vermelho das suas vítimas.

Os dois assassinos logo sentiram a presença de dois humanos e esconderam-se na obscuridade sem proferir uma palavra, sem um único momento de hesitação. Sabiam do nosso medo, estavam em condições de farejá-lo, e sentiam no ar todo o cheiro, insegurança, já sabiam que havia ali duas boas almas vagantes que tinham perdido a orientação.

Eu com a outra (eu mesma) estávamos felizes de estarmos juntos mas próprio aquela sensação nos traiu, no sentido que inicialmente tínhamos explorado com receio as antigas ruínas com as ameias arruinadas e decadentes, mas depois, talvez, tínhamo-nos deixado possuir pelo entusiasmo e tínhamos avançado, mas sem um mapa. Muitas vezes nos tínhamos encontrado nos becos cegos, e no fim, depois de ter girado em círculo mais vezes, nos tínhamos apercebido de termo-nos perdido.

Não sabendo mais como recuar tínhamos que procurar uma saída. As ruínas estavam cada vez menos danificadas e mais compactas, como se estivéssemos entrando numa ala relativamente mais nova. As paredes eram espessas, cinzentas e húmidas, a água filtrada a partir do tecto criando uns charcos no chão.

Dentro daquele labirinto havia grandes compartimentos meio vazias, cinzentos, húmidos e obscuros. As vezes a condensação depositava-se na parede, outras formava-se uma neblina distante de nós. Tornados curiosos, procurávamos de perceber o que estivesse a originar a névoa e o porquê nos sentíamos terrivelmente vigiados.

Naquele labirinto misterioso dois sentimentos opostos impregnavam as nossas almas: medo e vontade de explorar.

A vontade de exploração de novos territórios é um impulso que se sente especialmente durante a puberdade, e de qualquer forma éramos de novo umas adolescentes, contra a nossa vontade lutando mutuamente com novas explorações.

As nossas emoções eram opostas mas sabíamos que, se bem que o perigo fosse iminente, éramos seres humanos e devíamos comer. Eram dias de escassez mas tínhamos ainda umas reservas de carne seca porque quando a outra (eu) estava fora das ruínas, tinha caçado e colhido bagas.

Recolhemo-nos num cantinho para mastigar aquela sóbria refeição que aos meus olhos podia ser que saborosa. Os nossos dentes funcionavam como laminas que cortam tudo e a nossa comida desapareceu muito rapidamente. Limpamos a zona e continuamos a nossa peregrinação esperançosa em não ter maus encontros. Durante a viagem tínhamos recomeçado a ver imagens horríveis desenhadas, escritas que nos forçavam a ir embora, a fugir, mas para onde podíamos fugir?

Onde é que podíamos encontrar um refugio? Como é que podíamos sair daquele labirinto?

Prosseguimos e felizmente encontramos armas e projécteis; apanhamo-los pensando que no futuro poderiam ser-nos útil. Descobrimos também uma espécie de acampamento destruído. Parecia que tivesse sido atacado e que os cadáveres tivessem sido arrastados dali: viam-se claramente vestígios de sangue provocadas pelo arrastamento dos corpos, todavia não encontramos nenhuma das vítimas.

Recolhemos todas as armas possíveis e também o pequeno kit do pronto-socorro: não sabia o que nos esperava e por isso queríamos nos preparar. Se quisessem matar estas duas mulheres sós, pois bem, deveriam esforçar-se.

Estávamos armadas e, esperando de ajudar aqueles que tinham sido atacados, avançamos seguindo os rastos de sangue. Todavia, logo começamos a temer o pior para os coitados mal-aventurados: deviam ter perdido muito sangue e o seu fim ou já tinha acontecido ou então estava muito próximo.