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Vida De Aeromoça
Vida De Aeromoça
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Vida De Aeromoça

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Ela não se farta por acaso de me olhar e acarinhar-me, eufórica e emocionada ao único pensamento de ver-me de novo.

Também as minhas tias e primas demonstraram o seu afecto com todo o gesto todas as vezes que me viam, querendo ouvir tudo sobre as minhas viagens e sobre o meu trabalho.

Eu sou, no imaginário delas, uma parte do mundo delas que foi para um outro: aquele mundo feito de sonhos diante de uma revista, atraente todavia descrito como perigosa, tentacular, capaz de impelir-te irreversivelmente. Eu sou a prova viva de que o mundo sim, muda-te, mas permanecendo tu mesma, porque aquilo vai depender apenas de como és feito por dentro. E elas são, para mim, a parte mais importante daquilo que aprendi durante todas estas viagens: que podes ir longe só se tens um lugar interior donde partiste, e onde regressar. Aprendi que poderás estar em toda a parte, mas na verdade ficarás sempre onde estão as tuas raízes emotivas.

Ficaram maravilhadas pelas fotos que tirei em New York e gostariam de partir comigo para visitar a Grande Maçã. Desejariam também que as levasse para Hong Kong para dar uma volta de passeio ao Starley Market e ao Lady´s Market, os mercados nocturnos dos quais falei para elas muitas vezes e com entusiasmo, ou passar da Casablanca onde existia a Medina com as suas cores e as suas especiarias, onde a hortelã para o chá tem um sabor mais forte e um cheiro mais persistente da nossa hortelã local, e saborear aquelas tâmaras excepcionais que lhes tinha oferecido regressado dum voo. Ou passear comigo nas ruelas fervilhantes de shanghai, mergulhados naquela enchente variegada e aquelas mil cores que tento descrever, e não consigo por ventura como gostaria.

Elas têm um grande sentimento de hospitalidade, uma arte natural de acolhimento transmitida no decurso de séculos, e me saúdam sempre com o habitual beliscão nas bochechas, atirando não próprio delicadamente de ambas as partes, e com um abraço seguido pela mesma frase desde quando era criança: Annuzza bedda, sangu mil!, Zzuceberu mil!

O meu pai, mesmo estando feliz vendo-me de novo, fica sempre muito silencioso, pouco comunicativo e extremamente reservado.

Temos a mesma cor dos olhos, azul celeste, mas nos seus uma ligeira tonalidade violácea faz transparecer constantemente reflexos que as vezes me entristecem.

Ele é frequentemente inclinado a fazer previsões desfavoráveis, impregnadas de ânsia e preocupação, como a minha melhor amiga Stefania, também ela siciliana.

É um homem muito instruído, gosta de estudar e está sempre informado sobre todos os acontecimentos sociopolíticos actuais.

Discreto nos modos e formal no seu comportamento, fica durante horas fechado no seu escritório, mas na hora do almoço e do jantar junta-se a nós e todos juntos à mesa.

O que os meus pais, parentes e a sociedade onde vivi ensinaram-me é a grande importância da família, o respeito das regras e, em particular, o vínculo inviolável do casamento: um valor para defender sempre, a todos os custos, frequentemente com enormes sacrifícios.

Uma união para salvaguardar de todas as formas, mesmo na presença de problemas, que terão de ser superados ou combatidos, as vezes até ignorados.

Esta ligação indissolúvel tem um carácter sagrado absoluto que apenas a morte pode desatar.

Até que a morte nos separe.

Uma promessa que não pode ser mais negligenciada, a partir do momento em que é estipulada.

Uma tarefa rigorosa e constante, oportuno para conservar firmemente as raízes da família.

Não são somente o sentimento de afecto, a cerimónia oficial, o profundo dever que te é incutido com a educação desde criança, a ligar a relação matrimonial, mesmo o juízo premente da sociedade onde vives te induz e trabalha assiduamente até que se mantenha integra a ligação familiar.

No casal, a figura feminina tem um papel muito importante: a lealdade, para com o esposo e os filhos, é absoluta.

O homem dedica-se conduzindo melhor o papel de chefe da família, tem a obrigação de tomar o seu cargo de tutela e de suporte da mesma.

Lealdade e obrigações, amor e respeito.

Não importa se não for notáveis as duas últimas rubricas, entendidas que possam enfraquecer-se.

O casamento é algo sobre o qual contar durante toda a vida, os filhos são o bastão da velhice, o fim não é permitido, ou apenas uma coisa de loucos, algo que vai fora da ordem pré-estabelecida, que é preciso evitar, encontrando qualquer remédio: no ritual do casamento a declaração da fidelidade é uma promessa que se honra, na sua forma absoluta.

Estas são as normas que me foram incutidas desde criança. Sobre o meu destino estava certa, teria respeitado estes ensinamentos.

Tive uma educação muito rígida, feita de atitudes autoritários, ordens, obrigações e punições sem ter a possibilidade de replicar ou de pedir esclarecimentos, chegando, enfim na adolescência, para ter serias dúvidas e confusões no que fosse realmente justo ou precisamente errado.

As rígidas regras seguiam as directivas da educação que foi transmitido ao meu pai nos anos 40, sem se aperceber das profundas transformações sucedidas e dos movimentos dos anos 68, aos quais presenciei apenas com o meu nascimento.

Mesmo assim, a revolução social dos anos 70 parecia não alcançar minimamente a nossa realidade, nessa altura.

Tudo era preto ou branco, justo ou errado, concedido ou proibido e não existiam cores matizados, renuncias, meios-termos.

Os modelos e o estilo de vida acompanhados eram antiquados e ultrapassados, a meu ver.

Para mim o branco e o preto eram apenas os extremos de uma múltipla variedade de cores, contudo os ensinamentos deviam ser seguidos, sem réplicas e oposições.

A partir da orientação escolar e até às amizades, aos horários, aos lugares por frequentar, ao vestuário, ao desporto, todas as decisões seguiam pareceres, tendências e gostos não meus e nem sequer iguais às minhas inclinações: apenas àquelas do meu pai.

Ele deliberava as pessoas que podia frequentar, depois de uma cuidada selecção antecipada por uma conversa de apresentação inicial, cujos pré-escolhidos deviam sujeitar-se.

Questionei-me muitas vezes qual fosse o meu caminho, o que fosse realmente importante, quais os meus reais desejos e objectivos, e frequentemente as minhas respostas eram totalmente diferentes daquelas impostas pelos meus pais, que certamente agiam para o bem e para uma melhor formação da minha pessoa, espelhando somente sonhos: deles.

Seguia diligentemente as direcções sugeridas e frequentemente me encontrava ocupada a recitar um papel que certamente agradava aos outros, mas não a mim, e sentir nascer e desenvolver-se desejos que não representavam o papel que interpretava, e que não poderia desvendar, porque sabia que seriam mal suportadas: estava maravilhada pela liberdade e pela independência, pelas viagens e pelos lugares longínquos.

Quase sempre tentei de fechar com a chave estes desejos e sonhos, como um caixote, com um grande cadeado, dentro de mim, dentro da minha mente, dentro do meu coração que batia forte por aquelas atracões que são consideradas bastante desinibidas e inconvenientes.

Os meus sonhos de viajar, querer viver no exterior, afastar-me da família para ir viver sozinha, eram com frequência sufocados e desta forma os tinha bem aprisionados e escondidos: no interior daquele caixote não conseguia perceber grito nem dor causado pelo desgosto daquela renúncia.

Estava orgulhosa por ter encontrado para eles um lugar seguro e, permanecendo naquele lugar tão obscuro, não tinha a possibilidade de tomar conhecimento de forma consciente.

Não desejava que as minhas verdadeiras paixões saíssem ao ar livre, a não queria que tão-pouco existissem, na medida em que teriam arranjado apenas problemas, se por acaso tivessem sido tornados notáveis: não apenas teriam gorado as expectativas, mas, de todas as formas, não teriam tido vida fácil e teriam sido decepados ao nascer.

O meu pai, advogado, estava certo que teria seguido as suas pegadas.

Vivi assim grande parte da minha adolescência sem grandes sofrimentos, e brilhantemente superava os problemas graças ao meu subtil procedimento secreto, isto é sufocando e escondendo os meus reais desejos e procurando satisfazer os outros.

Um dia, porém, uma das tantas gavetas ficou um pouco demasiado cheio e, para maior segurança e não sem esforço, experimentei colocar um outro cadeado.

De forma inesperada rebentou, abriu-se, ouvi gritos, choros, soluços como se fossem de uma criança, pedindo ajuda, suplicasse para sair, para ser ela mesma.

Tranquei ainda uma vez com força, aquela gaveta.

Mas aqueles sons e aquelas imagens tentavam sair e libertar-se.

Eram insuportáveis.

O meu coração batia cada vez mais forte para sobrepor-se em tudo e incapacitar-me para esquecer.

Era uma gaveta, apenas uma!

Tinha apinhado desta forma muitos sonhos, pensando assim de poder ser uma mulher serena e feliz.

Deveria preocupar-me?

O que teria acontecido se tivesse aberto escancaradamente também uma outra vez, e depois talvez uma outra ainda?

A coisa aterrorizava-me, mas não posso não reconhecer que começou a seduzir-me cada vez mais.

Questionei-me, um dia, quem eu era realmente.

Questionei-me onde é que estivesse a ir e quem tivesse escolhido o meu caminho.

O que descobriria ao abrir aquelas gavetas?

Conseguiria reanimar a minha verdadeira essência reduzida à agonia pelos condicionalismos externos?

Nunca estaria em condições de superar as minhas fraquezas e de encarar os meus medos?

Sou uma pessoa optimista, amo a vida; sou social e julgo importantes como fundamentais as amizades.

Entre mulheres, infelizmente, não é insólito instaurar-se de maçadores como inúteis sentimentos de inveja e de ciúme, por isso, chegar à especial solidariedade e à cumplicidade que tende realmente unidas torna-se extremamente raro.

Não é fácil encontrar uma verdadeira amiga, mas quando se tem esta sorte desaparecem orgulho e competição e nasce o respeito total, cresce a confiança cega e a lealdade.

A união torna-se indissolúvel, a amizade torna-se um bem por salvaguardar de improváveis como raros e excepcionais acontecimentos negativos que teriam a força de enfraquecê-la, mas que normalmente nada podem contra o agradável bem-estar que experimente estando unidos, confiando-se segredos mais íntimos, partilhando as risadas, as experiencias da vida, as emoções, mesmo criticando-se mutuamente e encontrar soluções comuns: o objectivo principal é a união e a força do casal.

Conheço uma pessoa especial que espelha estas características. Stefania não é apenas uma amiga, as vezes assume-se como mãe que espalha conselhos, as vezes é a filha a quem dispensar o meu amor; pode parecer estranho, mas vê-la interpretar o papel de namorada ciumenta não é improvável, sobretudo se a ignoro um pouco, mas ela permanece um ombro sobre o qual encostar, uma palavra de conforto, o respeito do meu silêncio, a compreensão das minhas fraquezas, mas também um doce peso por suportar.

Stefania tem um físico atlético, é muito alta, alguns centímetros a mais que eu.

Os seus cabelos são castanhos e luzentes, com umas tonalidades tendentes ao vermelho carregado semelhantes àqueles da madeira de amaranto, muitas vezes colhidos numa trança que se move sinuosa nas suas costas. Veste-se habitualmente de forma casual, tem a predilecção pela prática no que veste; eu, pelo contrário, prefiro usar roupas mais femininas, a seu ver vaidosas e antiquados.

A sua exuberante sinceridade combinada com uma natural fraqueza conflui, as vezes, cruéis juízos.

Não obstante uma estrada de centenas de quilómetros agora nos separa, sei sempre de poder contar com ela, e vice-versa.

Nos suportamos, nos criticamos obstinadamente, nos proferimos opiniões, nos elogiamos e nos mandamos passear… sempre com grande afecto, e é difícil, uma viver sem a outra.

A segurança recíproca torna especial esta verdadeira amizade, um ingrediente que normalmente escapa nas relações amorosas.

Nos une uma grande paixão: partir lá para metas distantes.

Sempre adorei viajar, me dá um sentimento de felicidade.

Quando me distancio de tudo e de todos encontrando-me em dimensões e fusos diferentes é como se conseguisse avaliar o resto por fora: de longe, com efectivo destaque seja físico como mental.

Tiziano Terziani escreveu: a nossa destinação não é por acaso um lugar, mas um novo modo de ver as coisas: e é desta forma também para mim, ou melhor para nós os dois.

Viajando consigo reparar melhor dentro de mim, para ver com clareza quem sou, e para eu poder melhorar.

É como se o mundo com todos os seus problemas se distanciasse, mudasse de horizonte, e eu readquiro as minhas forças, as minhas energias.

Afastando-me da realidade rotineira, uma carga de adrenalina reforça-me tanto assim para me dar vitalidade e positividade enormes, ajudando-me a encontrar as respostas certas.

Viajar é uma invasão de mundos que não são os meus, é sempre uma satisfação que me proporciona um emocionante sentimento de liberdade, e me ajuda a descobrir de novo parte da minha autonomia.

Há algum tempo realizei aquele grande desejo que tinha desde criança: tornei-me uma hospedeira de voo.

Passaram anos, mas me lembro como se fosse ontem o momento em que decidi mudar a minha vida. Aquele dia está impresso na minha memória. Estava com Stefania.

Gostaria de ser aeromoça

Chega, estou farta! Mario estava insuportável, chega a me seguir até quando vou tomar um café com as amigas. Não quer que eu vá para a aula e me proíbe até de cumprimentar meu ex. Quero pensar mais em mim mesma e me tornar independente. Por que não criamos algo nosso e abrimos um negócio juntas? O que você pensa para o futuro, Anna? O que você gostaria de fazer?

Foi isso que me disse Stefania em nosso habitual encontro matutino para um café no “Bar das Finanças” em frente a minha casa, infeliz com sua perspectiva de futura dona de casa, tão desejada por seu noivo ciumentíssimo.

Nunca me tinha feito seriamente essa pergunta, nem tinha feito planos de carreira.

Depois de sair da escola e me inscrever na faculdade de direito, já que as matérias científicas não eram para mim, procurei um trabalho como secretária para me manter estudando e tentar satisfazer alguns pequenos caprichos.

Na época, acordava todos os dias à mesma hora e, depois de um rápido café da manhã, me metia no trânsito caótico, enfrentando os 45 minutos de filas intermináveis nos semáforos e os barulhentos engarrafamentos nas rótulas, tentando poupar alguns minutos para chegar a tempo no escritório.

Todo dia, na rua Barriera del Bosco, onde sempre ficava presa em um ponto especial de engarrafamento por pelo menos 15 minutos, eu encontrava com frequência um homem: um barbudo sempre sentado em um montinho de terra que ele fazia com as mãos.

Agachado sob a sombra de uma árvore, observava aquele interminável vai e vem, igual todos os dias.

O olhar daquele indivíduo tinha algo de sereno e vislumbrava uma realidade distante da sua: todos aqueles homens, mulheres e crianças que passavam por ele, aprisionados em seus carros.

Ele era bastante discreto, como se não quisesse que percebessem sua presença a observar atentamente, admirado de encontrar sempre as mesmas caras nervosas e exaustas, os mesmos carros enfileirados um atrás do outro, e todo aquele buzinaço que soava como um protesto. Acho que pensava como seria difícil para todos aqueles homens encontrarem a tranquilidade que ele parecia ter atingido.

Suas pupilas se moviam atentas e direcionavam olhares quase benevolentes e indulgentes a todos aqueles motoristas que, a sua volta, olhavam com compaixão ou desprezo para ele e seus trapos jogados ao relento, muitas vezes úmido.

Todas as manhãs, eu me perguntava quem de nós dois era o doido, eu, a motorista nervosa, ou ele.

Eu pensava todas as noites sobre a pergunta que Stefania me fez sobre meu futuro.

A resposta chegou num fim da tarde, na hora de voltar do trabalho, dentro do meu carrinho, depois de ter evitado uma colisão frontal com um idiota que cortou minha frente, ao fim de uma jornada de trabalho interminável, tendo de lidar com um chefe briguento e dado a abusos, com colegas que eu preferiria não ter conhecido, falsos e interesseiros.

No fim do expediente, saí da vaga que achei a duras penas pela manhã, que só consegui depois de ter brigado com outro mal-educado convencido de ter visto o espaço antes de mim, tentando me fazer desistir dela obstruindo meu ingresso.

Naquela tarde, percebi um pequeno arranhão na lataria e limpador de para-brisas posterior desencaixado.

Todo dia, chegando em casa cansada, organizava a casa e preparava a janta com pressa, por causa daquela “fome famélica” que eu conseguia apaziguar pegando algum resto do dia anterior da geladeira e pedaços de queijo amarelados, porque mal colocados nas embalagens de plástico entreabertas.

QUERO VOAR! - Gritei de repente - Sim! Encontrei! Quero voar!

O que mais me seduzia era a possibilidade de evitar a rotina diária, o tráfego da cidade, ver sempre os mesmos rostos nos mesmos lugares. Gostaria de me relacionar sempre com pessoas diferentes, mudar de espaços, expandir meus pontos de vista, ter a possibilidade de perambular pelo mundo e me deliciar com a culinária internacional.

Pensei isso mastigando uma bolacha de água e sal e a última azeitona no pote.

O sonho era voar, gostaria de ser aeromoça.

Então liguei para Stefania.

Stefania ficou entusiasmada com a ideia e me disse que também gostaria. Sua única preocupação era o noivo.

Um tempo depois, com os olhos brilhando e a página arrancada de uma revista, nos encontramos para ler com atenção e entusiasmo estas indicações: